Doce ou Salgado?

Brasileiros alegam preferir versões salgadas, mas consomem mais o tipo doce
Pesquisa da mintel: 96% dos entrevistados afirmam consumir algum tipo de biscoito.

Ainda que estável nos últimos cinco anos, a produção nacional de biscoitos posiciona o Brasil entre os maiores mercados globais da categoria, respondendo por um terço do consumo nacional de farinha de trigo. O faturamento geral do setor em 2017 bateu em R$ 24,054 bilhões (fábrica), resultado 0,4% inferior ao do exercício anterior, crava a Abimapi (Associação Brasileira da Indústria de Biscoitos, Massas Alimentícias, Pães e Bolos Industrializados). Refletindo a performance geral da indústria brasileira, a categoria acusou redução de 2,8% no volume de vendas – com a colocação de 1,818 milhão de toneladas – e retração também do consumo per capita, que caiu de 9,053 para 8,757 quilos/habitante/ano, repassa a entidade. “Os dados repercutem o comportamento do consumidor que, diante da crise econômica enfrentada no país, diminuiu sua frequência de compras, mas não retirou da cesta os produtos básicos para o dia a dia, como biscoitos do tipo água e sal/cream cracker e laminados secos doces, modalidades que foram, inclusive, os principais impulsionadores do crescimento da categoria em 2016/2017”, analisa Cláudio Zanão, presidente da Abimapi.

O biscoito é, sem dúvida, unanimidade nos lares brasileiros, nota ele. Todas as variedades têm seu espaço entre as preferências do consumidor, sejam tipos clássicos como maisena ou água e sal, variações de recheados, wafers ou ainda os mais sofisticados como os cookies, categoria apreciada pelos norte-americanos e que, graças ao maior poder aquisitivo no Brasil, aterrissou por aqui em anos recentes. Prova disso é que a penetração dos biscoitos nas residências chega à impressionante marca de 99,6%, fixa a consultoria Kantar Worldpanel, que audita o consumo nos lares brasileiros. “Muitos fatores levaram o país a atingir esse patamar, mas a cultura da população teve papel preponderante no resultado”, observa Zanão. O hábito do consumo de biscoito, impulsionado pela sua praticidade, indulgência, relação custo/benefício e validade mais longa, se enraizou em definitivo no cotidiano dos brasileiros, sublinha.

De acordo com um levantamento da consultoria Mintel, que alimenta um banco de dados global de lançamentos em diversas categorias, 96% dos entrevistados afirmam consumir algum tipo de biscoito, seja doce ou salgado. Biscoitos salgados, apreciados por 79% dos entrevistados, são mais consumidos do que as versões doces, com 73%, ou seja, a maioria dos brasileiros declara consumir mais biscoito salgado do que doce, repassa Naira Sato, diretora de pesquisa da Mintel. Mas de acordo com análise do banco de dados de novos produtos globais da consultoria (GNPD/Global New Products Database), o grosso dos lançamentos é encorpado pelas variantes doces. “Apesar da fatia de mercado dessa variedade ser maior, existe oportunidade para impulsionar o segmento de biscoitos salgados, devido à alta demanda, de acordo com declarações dos próprios consumidores”, sublinha a executiva.

Enquanto as versões doces se mostram mais populares entre os mais jovens, os biscoitos salgados são mais procurados por pessoas maduras, o que representa um ponto favorável para essa variedade, em função do inexorável envelhecimento da população. “Portanto, é essencial desenvolver novidades com formulações/ingredientes que incentivem o público acima de 55 anos a consumir mais biscoitos doces e salgados, a exemplo de tipos com alto teor de fibras (preferência de 29% dos entrevistados), 100% natural e sem ingredientes artificiais (25%) e variedades feitas com farinha integral (15%)”, sinaliza Naira. Zanão, da Abimapi, observa que, apesar da alta penetração nos lares, cada brasileiro consome na média apenas um pacote por ano. “O que está faltando é maior frequência em volume, por isso o consumo per capita nacional ainda é considerado baixo”, assinala.

De acordo com a pesquisa da Mintel, os biscoitos salgados mais consumidos pelos brasileiros acima de 55 anos são cream crackers (preferência de 45% dos entrevistados), os tipos maisena/maria (42%) e biscoitos água e sal (34%). Para a consultoria, as marcas poderiam fornecer sabores diferentes para esses segmentos, a fim de impulsionar as vendas. Já entre os tipos doces, os recheados (16%) e wafers (12%) são os mais consumidos. “Sabores preferidos pelos adultos, como de café e chá, chocolate amargo, torta de maçã, abóbora e misturas de sabores doces e salgados, como sal e caramelo, também podem ser usados para revitalizar itens tradicionais e atrair a atenção dessa faixa de consumidores mais maduros, que não estão somente interessados em biscoitos doces tradicionais”, pontua a diretora da Mintel.

Dados da Euromonitor International, que audita o varejo da categoria, confirmam a maior demanda dos brasileiros pelas versões doces, nos últimos cinco anos, a despeito das preferências captadas no estudo da Mintel. Segundo planilhas da consultoria, as vendas de biscoitos salgados saiu de R$ 5,222 bilhões em 2013 para R$ 7,252 bilhões em 2017, enquanto o faturamento dos tipos doces saltou de R$ 13,238 bilhões para R$ 17,640 bilhões, no mesmo período. Pelas projeções da Euromonitor, nos próximos cinco anos as vendas de biscoitos salgados devem atingir R$ 9,014 bilhões contra R$ 18,607 bilhões, das variedades doces (ver quadro abaixo).

Desafio continuado
Detentora da marca Tuc’s, campeã no segmento de biscoitos salgados, com fatia superior a 10% do filão, a Bela Vista avalia que a categoria segue entre as mais importantes do setor de alimentos, com ampla aceitação e penetração máxima nos lares. “Mas como consequência das dificuldades econômicas, os três últimos anos têm sido muito desafiadores para manter volumes e receita dentro de patamares estáveis, não obstante a indústria continuar se esforçando para apresentar novidades e inovações”, argumenta Jorge Conti, CEO da marca. Entre os exemplos dessa movimentação, ele insere a oferta hoje ampla de conceitos, que vão desde o apelo à indulgência aos tipos orgânicos, passando por correntes já consagradas em alimentos como a de maior praticidade e produtos saudáveis, com posicionamento de melhor qualidade de vida e bem-estar.

Com preocupações como a queda na renda, desemprego e aumento nos custos dos alimentos, grande parte dos consumidores das classes C e D – usuária em potencial de biscoitos básicos – tem se tornado mais conservadora no momento da compra, nota Conti. “Esse comportamento influencia diretamente o crescimento de vendas de produtos básicos, apresentações de produtos em promoção e ofertas de preço”, comenta o CEO, acrescentando que, em contrapartida, itens de maior valor agregado, posicionados em outro target de consumo, também têm mostrado avanço, como é o caso dos segmentos de cookies orgânicos e saudáveis.

Na Bela Vista, ele situa, o desafio continuou em 2018, com volumes e receitas ascendentes até a greve dos caminhoneiros, em maio. “Até hoje, as vendas perdidas não se recuperaram completamente e, como consequência, devemos terminar o ano de forma similar aos períodos anteriores, embora a expectativa para esse período pós-eleição presidencial seja positiva para a categoria, com possível melhora no clima para desenvolvimento de negócios”, sustenta Conti.

Rainha das promoções

Líder do mercado de biscoitos, a M.Dias Branco vem mantendo um arsenal sem precedentes de promoções para fixar e fidelizar suas marcas. A estratégia inclui campanhas com influenciadores digitais e celebridades. “Entendemos que a exposição das marcas junto a esses formadores de opinião traz uma aproximação mais pessoal com o público-alvo”, teoriza Martim Ibrahim Bernardara, diretor de marketing da companhia. Além de oferecer prêmios condizentes com os desejos e necessidades dos consumidores, a M.Dias Branco propõe a oferta de ações com mecanismos de fácil acesso que ampliam as chances de ganhar. “Todos os anos, criamos diversas promoções do tipo “Compre e Ganhe” e “Compre e Concorra” para divulgar as marcas do nosso portfólio e oferecer prêmios que fazem a diferença na vida dos consumidores”, assinala Bernardara. Para a marca Treloso, exemplifica ele, a promoção “Treloso Tubers” ofereceu ao vencedor a oportunidade de passar um dia com o YouTuber Luccas Neto. Já a campanha “Partiu Richester” trouxe a possibilidade de escolher entre uma viagem para Portugal ou para Rússia. E a promoção “Momento Inesquecível Isabela” colocou o ganhador em um jantar especial com o chef francês Éric Jacquin. “Também incluímos ações com influenciadores para lançamento de produtos e divulgação das promoções com envio de press kits exclusivos das marcas, como é o caso de Plugados, da Adria”, frisa o executivo.

Gols nas gôndolas
Já na M.Dias Branco, número um do setor, a crise tem passado incolor contrastando com a intensa movimentação do grupo que adquiriu recentemente os ativos da Piraquê. Indiferente à oscilação no consumo nacional, nos últimos dois anos, a companhia acrescentou 58 novidades aos portfólios de suas marcas, informa Martim Ibrahim Bernardara, diretor de marketing da empresa. “A inovação constante do portfólio é o principal foco, pois priorizamos acompanhar e atender aos desejos dos consumidores”, assinala o executivo. Dentre os lançamentos, ele destaca dentro da marca Vitarella a linha Delicitá de crackers salgados, nas versões integral e original, agora com distribuição nacional.

Outro gol nas gôndolas foi a linha Adria Plus Life, sob a marca Adria que, além de distribuída em todo país, incorpora como primeiro ingrediente farinha integral na formulação, focando o consumidor que busca equilíbrio e qualidade de vida, frisa Bernardara. Esse projeto inseriu a marca no filão de saudabilidade, no qual a empresa já detém 3,9% (acumulado de 2018) de participação, crava ele. “Um dos claros posicionamentos da M.Dias Branco é desenvolver produtos cada vez mais saudáveis e um exemplo disso são os produtos com adição de micronutrientes, como vitaminas e sais minerais, a exemplo da linha Adria Plus Life, que, além dos micronutrientes, incorpora cereais integrais”, informa o executivo.

Sucesso nas prateleiras da categoria de biscoitos infantis, a linha Plugados encorpou o portfólio da Adria com a série Minions, licenciada do filme Meu Malvado Favorito, da Universal Pictures, que também enfeita a linha de recheados Toons, da grife Isabela, campeã em massas, biscoitos e torradas na região Sul.

Para Bernardara, saudabilidade e portabilidade são as tendências da hora na categoria de biscoitos. O formato on the go indica praticidade para levar o lanche para diversos lugares, enquanto a saudabilidade é exigida pelo consumidor que busca qualidade de vida. “Temos produtos que seguem as duas correntes, pois a empresa tem como propósito criar itens com foco em nutrição, praticidade e sustentabilidade, alinhados com sua estratégia de inovação”, grifa o executivo. Entre as criações saídas do forno, ele insere a linha Bits de Cereais, de snacks em formato exclusivo de esferas, feitos com flocos de arroz integral adicionados de frutas e castanhas, disponíveis nas versões de cacau e castanhas, maçã e banana, e castanha do Pará e coco em pacotes individuais de 60g.

Com relação à apresentação das linhas de biscoitos, Bernardara sublinha a tendência ainda incipiente da utilização de ferramentas de design sensorial, ou seja, com imagens 3D para apresentar o produto com mais realidade e volume, buscando intensificar o desejo de consumo. Outro diferencial lembrado pelo diretor são embalagens do tipo pack e os envoltórios sazonais. Enquanto os packs são caracterizados pela praticidade que oferecem ao consumidor no dia a dia, disponibilizando porções individuais em um único pacote, a embalagem sazonal sobressai por viabilizar datas comemorativas, como Natal, Páscoa e Dia dos Namorados. “A linha Adria Plus Life se enquadra na opção dos packs, enquanto a Vitarella adota a estratégia sazonal para seu biscoito de chocolate D-tone, no Natal e na Páscoa, tornando a experiência de consumo ainda mais especial”, ele lembra.

Avanço do atacarejo
Na Bela Vista, Conti observa que, nos últimos três anos, os segmentos que mais crescem são o de cookies e o de rosquinhas. Ele insere também nesse grupo ascendente itens mais tradicionais e básicos, sustentados pela apresentação de produto para o lar, campanhas promocionais (promo/pack) e a boa relação custo/benefício, fundamental para os consumidores das classes C/D em momento de economia fraca e apertos na renda familiar. “Nossa marca Tuc’s continua crescendo associado ao crescimento dos canais de cash and carry e atacados, pois há uma maior distribuição capilar de produtos em todo o Brasil e os consumidores confiam e estão satisfeitos pela proposta de valor da marca”, assinala ele.
Entre os destaques do portfólio, o executivo pinça desdobramentos da marca Tuc´s, com formato e proposta snack de consumo individual, a exemplo do Tuc´s Crush. Com relação à distribuição, ele observa avanços na participação regional e horizontalização das marcas Bela Vista, com maior penetração nos canais de atacados e no cash & carry (atacarejo). Desde a sua aparição, a marca Tuc’s incorpora o conceito de snacks, na apresentação, formato e conceito de embalagem. Ela agora repassa também o conceito de produto on the go, ou seja, portável e prático. “Dentro dessa perspectiva, lançamos as versões Tuc’s Crush e Tuc’s Integral, aprimorando a oferta de valor e posicionamento da marca”, sublinha Conti. Em maio, durante a Apas Show, maior feira supermercadista da América Latina, a Bela Vista reapresentou entre as novidades da marca a linha infanto-juvenil Fazendinha, com mudanças nas embalagens, formatos e sabores.

O avanço do segmento de cookies notado por Conti é compartilhado na Nestlé, que encorpa o arsenal de variantes da modalidade com as marcas Classic, Garoto e Negresco, repassa Erika Junqueira, gerente de marketing de biscoitos da companhia. “É um nicho de crescimento explosivo, que tem apresentado muita inovação, ao lado das linhas de biscoito para a família em que sobressaem do nosso portfólio os recheados Bono e Negresco”, pontua ela.

Para a executiva, os mercados de alimentos saudáveis em geral e o de biscoitos saudáveis, em particular, cresceram vertiginosamente e agora seguem estabilizados. Dentro do conceito, nota ela, despontam itens que passam a percepção de mais natural. “Há um ‘novo saudável’, que não tem a ver só com o fato de ser integral, mas com a percepção de naturalidade, que incorporam ingredientes como grãos ancestrais”, percebe. Como tendência, completa ela, esse reposicionamento é de suma importância e tem propiciado inovações nas receitas, a exemplo da inclusão de sementes e grãos como chia, girassol e nuts diversos. •

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