Sede de mudar

Mesmo com temperaturas mantidas acima da média desde o início do ano, o declínio na demanda de refrigerantes, refrescos em pó, sucos prontos, bebidas à base de soja e leites saborizados têm colocado dificuldades para uma recuperação no mercado brasileiro de bebidas não alcoólicas. “O segmento vem mantendo a tendência apresentada no ano passado, de busca por bebidas funcionais ou mais saudáveis e, com isso, categorias como água mineral, leites vegetais e kombucha ganham espaço em relação a outras”, capta Giovanna Fischer, diretora de marketing e insights da Kantar Worldpanel.

Um pente-fino da consultoria registrou que o consumo de bebidas não alcoólicas encolheu em volume – 3,2% no acumulado do primeiro semestre, sendo que, no primeiro trimestre do ano (período de maior calor), a queda totalizou 3,1%. Em unidades vendidas, a retração foi de 2,7% no verão de 2019. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) reforçam a pesquisa da Kantar. Segundo o instituto, a produção da indústria registrou incremento de 0,3% no período inicial do ano e queda de 0,5% em 12 meses. Entre as categorias de bebidas, a água envasada é a que mais cresce, com aumento de 3% do consumo dentro do lar. Já os sucos prontos cresceram 1,4%. A categoria de refrescos em pó caiu 8,3% e refrigerantes tiveram retração de 1,5%. “Suco em pó e refrigerantes são as categorias mais importantes do setor, fazendo com que todo o segmento de não alcoólicos se retraia”, frisa Giovanna. Para a analista, as bebidas à base de soja tiveram queda em consumo dentro e fora de casa, pois vêm sendo substituídos por outras bebidas vegetais, como leites à base de coco e de amêndoa. Entre as novas tendências apuradas no estudo da Kantar, ela destaca a preparação de sucos em casa, com frutas frescas. “É muito forte a busca por bebidas mais saudáveis e funcionais e, entre as opções, sobressaem novidades como o kombucha, bebidas à base de plantas e água saborizada, tornando a cesta mais complexa”, grifa a analista.

Paulo Puelle, diretor técnico da Tate & Lyle América Latina, fonte global de ingredientes e uma das pioneiras em soluções para a formulação de bebidas à base de plantas alinhadas com a tendência plant power, observa que esse consumo ainda é um nicho no Brasil, porém com potencial explosivo de expansão. “Oferecer um portfólio que auxilie fomentar essa demanda crescente, com todos os seus desafios, é sem dúvida um grande diferencial hoje”, sublinha ele. Um dos principais gargalos na oferta para esse segmento é exatamente o sabor, já que algumas matérias-primas vegetais, como a proteína de ervilha, possuem notas sensoriais incomuns, como notas verdes, de nozes ou até levemente amargas, afirma Puelle. “Entre os consumidores brasileiros, acostumados com um perfil de sabor mais doce, pode haver risco de rejeição”, completa o especialista.

Para responder a esse desafio, a Tate & Lyle disponibiliza um portfólio de substitutos de açúcar que ajuda a melhorar o perfil sensorial. E uma das soluções utilizadas para o quesito dulçor é a estévia, ingrediente oriundo da planta de mesmo nome que vem evoluindo ao longo dos anos, gerando percepções positivas para quem busca alternativas à base de vegetais, exemplifica Puelle.

Projeções de avanço
Segundo uma projeção mais ampla da Euromonitor International, o mercado de bebidas não alcoólicas deve crescer 10,6% em volume entre 2018 e 2023, passando de 24,1 bilhões de litros no ano passado para 26,6 bilhões de litros ao fim do período. Para Angélica Salado, analista de alimentos e bebidas da consultoria, essa evolução será impulsionada principalmente pelo aumento no consumo de água engarrafada. A categoria atingiu 8,6 bilhões de litros de consumo no país em 2018 e deve crescer 20,2% até 2023, chegando a 10,4 bilhões de litros, repassa ela. Já a categoria de refrigerantes segue retraída. Caiu, em média, 4,5% ao ano entre 2013 e 2018 e, para o período de 2018 a 2023, é estimada uma alta média de 0,7%, passando de 12,8 bilhões de litros no ano passado para 13,3 bilhões de litros em 2023. Em valores, as vendas de refrigerantes crescerão 2,4% em média ao ano entre 2018 e 2023, para R$ 56,3 bilhões. “Esse consumo terá um crescimento marginal, chegando a um ponto de equilíbrio em 2022 ou 2023”, comenta Angélica. Os brasileiros mantêm o interesse em refrigerantes, mas em intensidade menor, ela situa. Por isso, constata, crescem as vendas de embalagens com menor volume – latas de 210 ml e garrafas PET de 250 ml.

Por outro lado, a consultora estima crescimento em sucos e chás prontos nos próximos cinco anos. A categoria de sucos prontos deve crescer, em média, 2,8% ao ano nesse período, chegando a 2,5 bilhões de litros. Em valor, o crescimento médio estimado é de 6,6% ao ano, totalizando R$ 25,6 bilhões em 2023. Em chás prontos, o avanço médio será de 4,5% ao ano, para 180,3 milhões de litros, correspondentes, em valor, a um aumento médio de 6,9% ao ano, somando R$ 1,5 bilhão em 2023. Já os néctares (bebidas com pelo menos 25% de suco natural da fruta) perdem espaço no mercado, porque os consumidores não veem benefício no consumo dessa bebida, sustenta a analista.

Agregando benefícios
Enquanto sucos 100% integrais têm atendido uma demanda por opções saudáveis, os sucos em pó ainda seduzem aqueles que buscam opções acessíveis, sem abdicar do sabor, com versões posicionadas na linha intermediária – nem tão baratos, nem tão saudáveis – como os néctares e refrescos adocicados. Estes, por sua vez, terão de se aprimorar para não perder consumidores para outros produtos da própria categoria, analisa Marina Ferreira, especialista em alimentos e bebidas da Mintel. “Agregar benefícios extras que justifiquem a compra do produto, como alto teor de proteínas e benefícios funcionais pode ser a saída”, argumenta Marina.

Entre os desafios que o setor deve enfrentar pela frente, ela insere o acordo entre a Indústria e o Ministério da Saúde (MS) para a redução de açúcar na categoria de sucos. Em novembro de 2018, entidades vinculadas ao setor assinaram um acordo com o MS para reduzir a quantidade de açúcar em diversos alimentos e bebidas industrializados. A expectativa é de que 144 mil toneladas de açúcar sejam cortadas da dieta dos brasileiros.

Na categoria de sucos, frisa Marina, a meta é reduzir em até 33,8% a quantidade de açúcar adicionada aos produtos até 2022. A redução da quantidade de açúcar de sucos do tipo néctar e refrescos de frutas, que já era pauta em diversas empresas, deverá se tornar uma prioridade, acelerando o investimento para o desenvolvimento de produtos com teor de açúcar reduzido.Todavia, o acordo restringe a substituição do insumo por adoçantes artificiais. Com isso, o uso de ingredientes alternativos na formulação dos produtos, como suco de frutas naturalmente doces e adoçantes naturais, como a estévia, deverá crescer, acompanhando a tendência de outros países latino-americanos onde uma legislação mais restrita em relação às bebidas açucaradas foi adotada.

Um levantamento da Mintel entre consumidores captou que 41% deles acreditam que usar o suco de uma fruta naturalmente doce, a exemplo da maçã, como adoçante ajuda a diminuir o teor de açúcar dos sucos.

Outro desafio lembrado pela consultora é a restrição ao uso de canudos de plástico em algumas cidades brasileiras, que eleva a discussão sobre o plástico de uso único e exige movimentação das marcas. Nos últimos anos, diversas cidades brasileiras, entre elas o Rio de Janeiro e São Paulo, impuseram limitações ao fornecimento de canudos plásticos em estabelecimentos como bares e restaurantes. O movimento tem servido para aumentar a discussão sobre a real necessidade do utensílio e gerar uma maior conscientização dos brasileiros sobre a questão do plástico de uso único. Tanto que, segundo a pesquisa da Mintel, 41% dos consumidores revelaram estar utilizando menos o canudo quando consomem sucos, repassa a especialista. “Marcas de sucos, principalmente aquelas que possuem produtos para consumo em movimento (on-the-go), terão de desenvolver soluções e entregar funcionalidade para atender às novas demandas dos brasileiros em relação à sustentabilidade”, pondera ela.

Para Marina, em meio a todas essas discussões, o consumo de água de coco pode crescer com maior diversidade de produtos. Variações da bebida, aliás, foram o tipo de suco que mais cresceu nos últimos cinco anos no Brasil, considerando os dez tipos de sabores de suco com mais produtos lançados durante o período.

De acordo com dados da base global de novos produtos (GNPD/Global New Products Database) da Mintel, há cinco anos os lançamentos com água de coco representaram 4,8% da categoria de suco. Já no ano passado, eles subiram para 8,4%, cravando um avanço de 76,5%. A pesquisa da Mintel revela ainda que 44% dos brasileiros consumiram água de coco – incluindo saborizada ou misturada com suco de frutas – nos seis meses anteriores à janeiro de 2019. “Esse tipo foi o suco menos consumido em casa durante as refeições, mas ao mesmo tempo observa-se um alto consumo do produto em movimento”, comenta Marina.

A especialista também enxerga boas perspectivas de crescimento no segmento de sucos com ingredientes que trazem benefícios para a saúde. Segundo o estudo da Mintel, 40% dos brasileiros têm interesse em versões com alto teor de proteína. Mas para conferir diferencial ao produto, as marcas deveriam associar a bebida ao conceito de saudabilidade, em vez de destacar os benefícios para os praticantes de esportes, como aumento da massa muscular, observa ela. “Mudar o foco, direcionando-o para a manutenção da saúde dos ossos e articulações, problemas comuns entre os consumidores de idade mais avançada, pode estender a receptividade dos sucos com alto teor de proteína a outros públicos, principalmente entre aqueles preocupados com a saúde a longo prazo”, sublinha Marina, acrescentando que, de acordo com a pesquisa da Mintel, 52% dos brasileiros têm interesse em sucos com benefícios antienvelhecimento.

Já as bebidas gaseificadas à base de suco podem ganhar espaço nos próximos anos como alternativa aos refrigerantes, ela prevê. Para Marina, os sucos gaseificados parecem ter um futuro promissor entre os brasileiros, principalmente entre aqueles que querem trocar os refrigerantes por opções mais saudáveis sem perder a experiência proporcionada pelas bebidas gaseificadas. A pesquisa da Mintel, pinça ela, mostra que 19% dos consumidores acreditam que os sucos gaseificados são uma alternativa saudável aos refrigerantes. Introduzidos recentemente no mercado brasileiro, eles estão sendo a aposta de grandes players do mercado, como a Coca-Cola, que lançou no ano passado, exclusivamente no mercado brasileiro,o Yas, uma bebida pronta para tomar feita à base de suco de frutas e água gaseificada.

Em resumo, observa Marina, o aumento da consciência sobre os efeitos nocivos do consumo excessivo de açúcar, além da maior diversidade de opções dentro da categoria de sucos e no setor de bebidas como um todo, estão impactando o comportamento dos consumidores brasileiros. As mudanças na legislação também estão alterando a rotina dos consumidores e restrições legais quanto ao fornecimento de canudos plásticos em restaurante, bares e quiosques, adotadas por grandes capitais do país, estão fazendo com que os consumidores reavaliem a necessidade desse utensílio para consumir bebidas. E a entrada dos sucos gaseificados – como o Yas, da Coca-Cola – também deve contribuir para que os consumidores substituam os refrigerantes por opções mais saudáveis, já que o produto oferece uma experiência semelhante de consumo. ■

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