Quebrando paradigmas

O desafio da indústria para conciliar a tradição com apostas em inovações

Sacudida nos últimos anos pela queda no consumo, a indústria nacional de biscoitos ainda preserva trunfos. Foi um dos últimos setores de alimentos atingidos pelo encolhimento na demanda e ainda assim registra redução discreta. De acordo com a Abimapi (Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas e Pães & Bolos Industrializados), a produção geral vem se mantendo na faixa acima de 1 milhão de toneladas (t) – índice que garante ao país assento entre os quatro maiores produtores globais –, cravando 1.157.051 t no fechamento de 2018, com queda de 0,85% em relação ao exercício anterior. Com consumo per capita mantido no patamar de 5,55 quilos/habitante/ano, o faturamento da indústria no período alcançou R$ 14,332 bilhões, assinalando baixa de 0,55% em comparação a 2017. Ambas as cifras, note-se, abaixo de 1%.

Na ponta do varejo, as vendas também sinalizam leve acionamento do freio, após alta anual de 4,5-4,6% na média dos últimos cinco anos, cravando avanço de 24-25% nesse intervalo, capta a Euromonitor International. Segundo a consultoria, o giro de biscoitos salgados e doces, que totalizou R$ 20,012 bilhões em 2014, fecha o atual exercício com R$ 24,977 bilhões (ver quadro à pág. 18). Mas pelas projeções para o próximo quinquênio essa fermentação deve arrefecer, com baixa de -12,2% ao ano no segmento de salgados e de -3,2%, no filão de biscoitos doces, e faturamento total caindo para R$ 23,540 bilhões no fechamento de 2024.

Apesar da moderação nos dados de produção e vendas, mais desafios surgem num horizonte mais imediato. O acordo firmado em 2018 entre a Indústria e o Ministério da Saúde para a redução da quantidade de açúcar na categoria e a possibilidade de inclusão de alertas frontais na rotulagem dos pacotes, indicando a presença de substância com potencial nocivo à saúde, como açúcar, sódio e gorduras saturadas, vai exigir dos fabricantes de biscoitos maior investimento para o desenvolvimento de variantes mais saudáveis. Em paralelo, a diversificação de formatos e tamanhos – puxada por novos hábitos de consumo – segue sendo uma opção para atrair aqueles que não dispensam o sabor do seu biscoito favorito, analisa Marina Ferreira, especialista em alimentos e bebidas da Mintel.

Tendência on-the-go: consumo crescente no trajeto do trabalho ou escola.

Para a consultora, um dos desafios mais prementes diz respeito ao formato de rotulagem nutricional proposto pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), podendo criar barreira para a compra de biscoitos com altos teores de açúcar, sódio e gordura trans. O relatório preliminar da Análise de Impacto Regulatório (AIR), de 2018, propõe, entre outras mudanças, a obrigação do uso de alertas na parte frontal dos rótulos, que devem informar sobre o conteúdo de nutrientes nocivos à saúde, como sódio, açúcar e gorduras saturadas, seguindo o modelo implementado em países como Chile, Peru e Canadá.

“A presença dos alertas nos rótulos deve chamar a atenção para informações relacionadas às características nutricionais dos produtos que antes poderiam passar despercebidas pelos consumidores, por se encontrarem somente na parte de traz das embalagens, muitas vezes em letras pequenas”, observa Marina. Com base em relatório de 2018 da Mintel sobre os hábitos de consumo de snacks, ela indica que apenas 19% dos pesquisados disseram ter o hábito de verificar a tabela nutricional antes de comprar um snack ou guloseima.

Redução das embalagens
Assim, a leitura da rotulagem frontal por si só poderá impactar na percepção dos consumidores em relação à saudabilidade dos biscoitos que estão acostumados a consumir, principalmente aqueles com apelo mais indulgente. A inclusão da informação sobre a quantidade de açúcar, que hoje não é obrigatória, também tem potencial para gerar reações negativas, uma vez que inexiste uma base de referência para saber qual é a quantidade do ingrediente tolerável para manter ou melhorar os hábitos alimentares.

Muitas empresas, nota a consultora, vêm utilizando a estratégia de biscoitos em tamanho mini ou em versões mais finas para reduzir a quantidade total de açúcar, sódio e gordura, buscando manter o sabor atrativo. De acordo com outra pesquisa da Mintel, entre os brasileiros que consumiram a categoria nos três meses anteriores à realização da entrevista, 33% disseram que versões mini de tipos doces e salgados servem para saciar o desejo sem culpa e 22%, que versões menos espessas podem ajudar a controlar a ingestão de ingredientes como sal e açúcar.

“Embora o sabor seja um dos principais aspectos que motivam a escolha de um determinado biscoito, fatores como formato e embalagem têm se mostrado relevantes, principalmente para aqueles que consomem fora de casa”, comenta Marina. Pelo estudo de hábitos de consumo de snacks, de janeiro deste ano, ela aponta, 41% dos brasileiros consumiram o tipo salgado e 36%, o doce, fora de casa. A pesquisa revela ainda que 25% dos entrevistados das classes D/E costumam consumir as versões salgadas em movimento – por exemplo, a caminho do trabalho ou escola – e que, entre trabalhadores, 42% têm o hábito de comer os salgados e 34%, os tipos doces no trabalho e escola, respectivamente.
“Oferecer versões já conhecidas e apreciadas pelos consumidores em diferentes formatos e embalagens, dando a liberdade para que escolham aquela que mais se adequa à sua rotina, mostra-se como uma necessidade não apenas para estimular a venda, mas também proporcionar uma melhor experiência com o produto”, argumenta a analista da Mintel. Algumas pessoas, ela exemplifica, têm necessidade de pacotes que não amassem e protejam os biscoitos quando levados na bolsa ou mochila. Já indivíduos das classes D/E demandam opções com boa relação de custo-benefício e não apenas pacotes promocionais em tamanho família.

Espaço para saudabilidade
Para a Mintel, a procura por itens saudáveis para serem consumidos entre as refeições já se mostra consolidada no Brasil. Conforme seu relatório sobre hábitos de consumo de snacks, 46% dos brasileiros que consumiram snacks nos três meses anteriores à realização da pesquisa afirmaram que “saudável” é um atributo procurado em um snack – que pode ser um biscoito – para ser consumido entre as refeições.

Embora alguns tipos de biscoitos sejam percebidos como mais saudáveis que outros, a Análise de Correspondência da consultoria, realizada a partir dos dados da pesquisa Biscoitos Doces e Salgados, de 2017, mostra que cerca de 1 em cada 4 brasileiros (23%) acredita que uma quantidade pequena de biscoitos doces pode ser consumida diariamente como parte de uma dieta balanceada. “Isso indica que diversos segmentos da categoria têm espaço para trabalhar a noção de saudabilidade, destacando características intrínsecas dos produtos, a exemplo da ausência de glúten nos biscoitos de polvilho ou de equilíbrio – entre saudabilidade e indulgência –, como é o caso de biscoitos feitos com farinha integral com sabor de chocolate ou queijo cheddar. Já de acordo com o relatório anterior sobre biscoitos, 10% dos consumidores acreditam que versões sem glúten são mais saudáveis do que as regulares, repassa Marina.

Mesmo os tipos recheados – tidos como calóricos – parecem estar encontrando o seu posicionamento para se conectar com a ideia de maior saudabilidade, substituindo certos ingredientes por outros com menos calorias e com mais benefícios à saúde. “Textura, temperatura e colaboração com outras categorias são oportunidades para inovar e trazer diferenciação”, grifa a analista. Explorar a textura e a temperatura, acrescenta ela, pode ser uma forma de as empresas inovarem, atraindo consumidores que buscam novos tipos de experiência.

A pesquisa da Mintel mostra ainda que os brasileiros estão interessados em produtos que estimulam o sensorial, comenta Marina. Cerca de 37% disseram ter interesse em biscoitos com diferentes texturas – cobertura crocante com recheio macio, por exemplo – e 14% consideram que os biscoitos podem ser aquecidos para ganhar mais sabor, com o derretimento do recheio e a decorrente maior crocância da casca.

“Há também a possibilidade de as empresas de biscoitos investirem na colaboração com marcas de chocolates, por exemplo, e assim desenvolver itens que agradam tanto os amantes de chocolates como os de biscoitos”, cogita a executiva. Dados da base global de novos produtos (GNPD/Global New Products Database) da Mintel indicam que esse filão também tem potencial de crescimento no Brasil. “Diferentes abordagens podem ser utilizadas pelas marcas para fortalecer sua relação com consumidores jovens, que adoram acompanhar as novidades relacionadas ao universo de alimentos nas redes sociais”, comenta Marina. Com base num estudo realizado em 2018 sobre Atitudes e Hábitos em Relação a Mídias Sociais, 53% dos usuários de internet entre 16 e 34 anos disseram ter acompanhado ou buscado nas redes sociais o assunto comidas e bebidas – atrás de dicas e receitas, por exemplo.

Monoporção: praticidade para transporte e consumo rápido.

Porém, conforme aponta a pesquisa de biscoitos, apenas 7% dos jovens entre 16 e 34 anos disseram interagir com as marcas em redes sociais, seguindo-as no Twitter ou assinalando “curtidas” no Facebook. “O dado indica que as marcas precisam investir em novas abordagens para fortalecer sua relação com os jovens nas plataformas on-line”, nota a consultora.

Apesar do cenário desafiador para biscoitos nos próximos anos, há espaço para que os diferentes segmentos da categoria trabalhem o conceito de saudabilidade, relacionando-os a perfis específicos de consumidores e a diferentes níveis de benefícios almejados, reporta Marina. Além disso, acrescenta ela, apostar em inovações que “brinquem” com texturas e a temperatura das guloseimas ao serem servidas, bem como a colaboração com outras categorias, como a de chocolates, mostram potencial para atrair aqueles que não dispensam seus biscoitos favoritos.

“Enfim, apostar em abordagens de comunicação, principalmente com os mais jovens, pode estreitar o relacionamento e tornar o conteúdo e as ações produzidas pelas marcas mais relevantes”, conclui.

Direto dos fornos

Fabricantes de diversos portes do setor confirmam as apurações e tendências captadas no mercado. Gonzalo Latugaye, diretor de marketing de biscoitos para a Mondelez Brasil e Dyrlene Zorzo Ferrugem, diretora comercial e marketing da Dallas e Germani Alimentos, destacam os altos e baixos na produção e demanda de biscoitos

DR – De uma forma geral, como avalia o mercado brasileiro de biscoitos?
Latugaye, da Mondelez – De acordo com a Abimapi, a indústria de biscoitos teve uma leve retração em 2018, ainda assim a Mondelez enxerga um grande potencial de crescimento no consumo de snacks (guloseimas como biscoitos e salgadinhos para comer entre as refeições). Consumidores têm preparado menos comida em casa, fenômeno que pode ser observado entre todas as idades. Mas especialmente a geração dos Millennials, que passa mais tempo conectada por questões de trabalho e entretenimento, prefere sair ao invés de ficar em casa e cozinhar. Como resultado, a falta de tempo é suprida por snacks, que requerem pouco ou nenhum tempo de preparo e podem ser consumidos “on-the-go”.

Dyrlene Ferrugem, da Dallas/Germani – A crise só chegou em 2017. Sabia-se que o último a sentir a crise seria o setor dos alimentos, mas uma hora ela chegaria e, como previsto, veio agressiva e voraz, permanecendo até 2018. Só começamos a ver uma lenta recuperação dos resultados em 2019, comparada aos dois anos anteriores, mesmo assim eles estão bem aquém dos obtidos em 2016. Nunca pensamos que biscoitos tradicionais, integrantes da cesta básica seriam considerados supérfluos e excluídos das compras dos consumidores e isso aconteceu nessa crise. A queda foi extremamente expressiva em volumes, faturamento e margens, já a recuperação tem sido inversamente proporcional. Todos tiveram que reduzir muito as margens para recuperar volumes, mesmo com todos os esforços da categoria, a recuperação tem sido lenta. Essa queda se deu menos em função de mudanças de hábitos do que em função da crise econômica, forçando o consumidor a não comprar biscoitos por necessidade de redução de gastos.

Gonzalo Latugaye, da Mondelez Brasil e Dyrlene Ferrugem, da Dallas/ Germani Alimentos.

DR – Como tem sido a receptividade do mercado para a sua empresa?
Latugaye, da Mondelez – Dentre as nossas marcas mais consumidas, Oreo se destacou no último ano, principalmente, pelo lançamento do Tripack. Esse novo formato foi pensado e direcionado para cash& carry, ou atacarejo, o canal de maior crescimento no Brasil, segundo levantamento da Nielsen. Ao mesmo tempo, conforme a Euromonitor International, cresce o consumo de porções individuais e, de olho nessa tendência, a marca lançou também Mini Oreo, que teve uma ótima receptividade. O mercado sempre acompanha a mudança dos hábitos de consumo e as demandas da população. Uma pesquisa realizada pela Abimapi captou que, em 2018, os tipos de biscoitos mais vendidos no país foram os recheados e, em seguida, os do tipo água e sal. Apesar da mudança de hábito ser uma tendência, com o consumidor cada vez mais em busca de equilíbrio no dia a dia, o estudo indicou uma expectativa ainda crescente quanto à preferência pelos recheados. De olho nessa corrente, a Mondelez lançou, no início do ano, a linha de Biscoitos Recheados Lacta. As novidades chegaram no mercado em dois sabores (Lacta ao Leite e Laka) e o sucesso foi tamanho que alguns meses depois a empresa acrescentou ao portfólio o sabor Sonho de Valsa.

Dyrlene Ferrugem, da Dallas e Germani – Quando se pergunta ao consumidor o que ele quer comprar ou deseja consumir, a resposta imediata são produtos mais saudáveis, com baixo teor de gordura e açúcar, com mais fibras etc. O filão da saudabilidade tem crescido, mas ainda não se consolidou devido à crise, pois são biscoitos mais elaborados, tem custos mais elevados e, infelizmente, estão numa categoria que atende as classes mais privilegiadas. Em 2019 já lançamos mais de 20 variedades nesse filão e a previsão até o fim do ano é totalizar 36 novidades. Ampliamos a linha de saudabilidade e inserimos 13 itens à marca Levit, atendendo todos os públicos, porém com um olhar mais carinhoso para os consumidores da melhor idade. Assim, intensificamos os ingredientes integrais na composição dos biscoitos, todos com baixo teor de sódio e uso de açúcar mascavo e mel, que atendem a esse público que busca alimentos saudáveis, sem perder o prazer pelo sabor. Na linha de snacks e embalagens on-the-go, apresentamos o Tricks no sabor tradicional e estamos programando mais três sabores. Trata-se de um sucesso de vendas e aceitação. Na linha de especialidades amanteigados artesanais saíram do forno em outubro os biscoitos Bicolore nos sabores Banoff, Cappuccino e Nata.

DR – Como avaliam tendências como a da portabilidade e saudabilidade?
Latugaye, da Mondelez – Pelo fato dos consumidores terem optado cada vez mais por produtos que ofereçam maior praticidade para acompanhar a rotina acelerada, a otimização de tempo e energia tornaram-se assuntos-chave a serem trabalhados pelas marcas. Em nosso caso, a linha Club Social, além de ser uma marca de snacks salgados tão consagrada e tradicional, é pioneira em opções portáteis, ou seja, nasceu com a missão de ser um lanche prático e rápido, sendo um facilitador na rotina das pessoas. Club Social é pioneira nesse segmento de portáteis, ou seja, sempre entendeu a importância de ser uma opção prática e acessível para os jovens. Prestes a completar 20 anos, a marca segue inovando e investindo fortemente no consumidor e em suas necessidades, aperfeiçoando embalagens e fórmula, por exemplo. Além disso, temos também BelVita, um produto nutritivo, que traz equilíbrio para o dia, feito de grãos, cereais e frutas, com baixo teor de açúcar e gorduras trans. Além de oferecer uma linha completa de biscoitos nutritivos e saborosos, preparados com cuidado para que sejam preservadas as propriedades dos ingredientes, BelVita está há quase 10 anos na rotina dos brasileiros, mostrando que opções mais saudáveis podem, sim, ser gostosas.

Dyrlene Ferrugem, da Dallas/Germani – O mundo do bem-estar e da saudabilidade veio para ficar. As pessoas começaram a ter conversas mais honestas sobre saúde e estão se preocupando em consumir produtos mais saudáveis. O que nos preocupa é vermos muitos exageros nas mídias sociais e em outros meios de comunicação. Ainda temos que amadurecer muito o entendimento sobre saudabilidade e consumo equilibrado dos alimentos em geral, mas acreditamos nessa tendência e apostamos nos mais de 20 lançamentos que fizemos neste ano. Nossa marca Levit , por exemplo, incorpora o apelo de produtos integrais, com redução de sódio, açúcares e gorduras, bem como o uso de insumos saudáveis. Já a linha de produtos on-the-go tem sido muito valorizada pela facilidade de carregar na bolsa, em porções equilibradas e individualizadas. O lado negativo são os aumentos nos custos de embalagens, já que as monodoses exigem muitas vezes 3 a 4 sobre-embalagens para a distribuição e transporte final. Isso acaba deixando uma imagem negativa junto a consumidores mais conscientes sobre o impacto de resíduos no meio ambiente. Investimos pesado em máquinas nos últimos dois anos e estamos finalizando a montagem para lançar, no primeiro trimestre de 2020, mais uma linha on-the-go, confiantes na recuperação da economia. •

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