Páscoa 2022: um universo de tendências

Em 2020, a maior e mais lucrativa data do chocolate brasileiro foi golpeada por mercados fechados, empresas despreparadas para vendas alternativas, medo e um estoque já pronto de produtos de chocolate.
Em 2021, ainda sob o impacto da pandemia, o mercado reagiu, especialmente com a introdução das vendas on-line que chegaram a crescer 27% em relação a 2020, de acordo com dados da Neotrust, empresa que monitora 85% de e-commerce brasileiro.
Já, em 2022, com os índices de casos da Covid 19 em queda, o cenário ficou mais favorável para o consumidor voltar aos pontos de venda e se arriscar nas compras presenciais, apesar da manutenção da força das compras on-line. Se há uma tendência que não desapareceu nesta Páscoa e se manterá em 2023 são as vendas por e-commerce.
Mesmo com um cenário positivo, o mercado mundial, com forte reflexo no Brasil, foi atingido pela invasão russa na Ucrânia, provocando uma escalada nos preços e uma nova preocupação para o setor de chocolate, que tem mais de 20% do faturamento anual concentrado no período pascal.
Segundo a Associação Paulista de Supermercados (APAS), os ovos de Páscoa em 2022 estavam 40% mais caros do que em 2021. E ressalve-se: em nada contribuiu a mania de comparar os preços dos ovos de Páscoa com barras de chocolate. A produção de um ovo de Páscoa jamais deveria ser comparada com a de uma barrinha ou de um bombom, pois envolve outra tecnologia, sistema de embalagem, validade, logística, ações mercadológicas e responsabilidade pelas sobras nos PDVs, ou seja, são produtos completamente diferentes.
Na realidade, o grande destaque da Páscoa 2022 foram os ovos feitos artesanalmente a partir de chocolates diferenciados com recheios super exclusivos, que se transformaram em verdadeiras obras de arte, a exemplo do ovo Jardim Brasileiro. Resultado de uma parceria entre Açucareiro da Nana, Deborah Gaiotto e Mbee, o produto, feito com chocolate bean-to-bar da Mestiço Chocolate, foi ofertado com recheio de ganache de mel e pólen e casca decorada com flores comestíveis.
Outra tendência forte foi o mercado bean-to-bar que também pode ser traduzido como bean-to-egg, bean-to-art, bean-to-sustainability, bean-to-health, bean-to-truflle, bean-to-deliciuos e muitos outros bean-to. Estas tendências vem se mantendo ainda que persistam barreiras para seu desenvolvimento – caso da falta de entendimento, por parte do consumidor, do propósito e do significado do movimento bean-to-bar.
Um empecilho para o avanço deste segmento é o histórico do paladar do brasileiro, voltado para produtos excessivamente doces, com muitos aditivos, aromas e substitutos da manteiga de cacau. Os preços mais altos dos produtos bean-to-bar são também outro entrave para o crescimento deste mercado.
Apesar deste cenário, como a Páscoa é uma data que carrega muita espiritualidade, ela potencializa a sensibilidade dos consumidores para marcas verdadeiramente engajadas em questões sociais e ambientais, o que favorece o mercado bean-to-bar por criar suas fronteiras de diferenciação com os demais segmentos, divulgando a curta e sustentável cadeia produtiva entre o cacauicultor e o consumidor final.

BRASIL MOSTRA SUA DIVERSIDADE
O Brasil sempre dita tendências, seja através da cultura, arte, história e, especialmente, por suas tradições culinárias. A brasilidade está alinhada com a tendência de valorização da localidade, trazendo os sabores regionais para os alimentos e bebidas. Muitos doces, salgados, frutas e flores brasileiras podem ser usados nos produtos de chocolate. Um exemplo disso foram os ovos de Pé de Moleque da Chocolate Brasil Cacau e de Brigadeiro Duo da Mendoá Chocolates.
Mas, entre as valorizações das identidades brasileiras, cabe ressaltar a produção bean-to-bar do Chocolates De Mendes. O ovo foi elaborado com casca de chocolate Sakaguchi ao leite 47% cacau com bombons de chocolate Sakaguchi 60% cacau, com recheio de praliné, feitos com castanha-do-pará da comunidade ribeirinha de Acará-Açu e açúcar mascavo, envolto em uma embalagem de cerâmica com grafismos marajoara e tapajônica, produzida e pintada artesanalmente pelo oleiro Carlos Pantoja.

SÓ DE PLANTAS − crescimento de 7% ao ano
Muitos chocolates, incluindo ovos de Páscoa, ressaltaram uma tendência mundial: produtos plant-based, um mercado que cresce mais de 7% ao ano, de acordo com o The Good Food Instituto Brasil (GFI), com expansão anual média de quase 12% até 2027, conforme a Meticulous Market Research.
Como o chocolate é um produto feito a partir de plantas, devido a sua formulação, ele pode ser enquadrado na categoria plant-based, o que vem acontecendo fortemente no segmento bean-to-bar.
Empresas como a Gallette Chocolates trouxe em sua comunicação um selo de produto “vegano”, usando todo o benefício que o conceito plant-based pode agregar ao chocolate. Com slogan “Delícia sem Crueldade”, a Super Vegan Chocolates também apresentou uma linha completa de barras e ovos de Páscoa 100% veganos.
É uma tendência em franca expansão. Embora não haja dados públicos disponíveis sobre o número de veganos no Brasil, 14% da população se declarou vegetariana, segundo pesquisa do IBOPE Inteligência, conduzida em 2018. Já, em 2020, a Ingredion fez uma pesquisa, em parceria com a Consultoria Opinaia, cujos resultados apontaram que cerca de 90% dos brasileiros buscam uma alimentação mais saudável e nutritiva nos produtos vegetais.

SABOR E BELEZA
O design do produto e do sistema de embalagem não deveria ser mais importante do que as propriedades sensoriais dos chocolates, porém é fundamental para despertar a atenção e o desejo dos consumidores, além de diferenciar o produto da concorrência.
A regra básica é que o design deve atender 100% a entrega sensorial do produto. Nesse campo, várias empresas têm feito um trabalho diferenciado como a bean-to-bar Mission Chocolate que trouxe para esta Páscoa seu ovo Two Rivers 70%, inspirado no encontro dos rios Negro e Solimões. Metade da casca é à base de cacau do Pará e a outra parte usa cacau da Bahia. Outro destaque do produto foi seu design inspirado, provavelmente, no estilo vitoriano, muito usado nos primeiros ovos de Páscoa pela J. S. Fry e Cadbury nos anos 1800.
Já, a Danke Cacau optou por um design que rompe com a dinâmica dos tradicionais ovos de Páscoa com embalagem tipo “orelhas de coelho” e caixinhas convencionais.
Neste ano os Irmãos Campana fizeram uma parceria com o Hotel Emiliano de São Paulo e criaram um ovo inspirado na textura das suas cadeiras douradas. A casca é de chocolate 55% e os bombons e trufas são artesanais.
Já o Emiliano do Rio de Janeiro também teve o ovo Cobogó inspirado na fachada do hotel e desenvolvido pela chef confeiteira Luísa Jungblut com uma casca de chocolate branco, ganache de chocolate ao leite e maracujá, crocante de avelã e marshmallow de cumaru.

UM OVO PARA CHAMAR DE MEU
A comercialização de Ovos de Páscoa em lugares que tradicionalmente não vendem esses produtos foi outra tendência forte. As padarias, neste caso, ganharam destaque porque, além de venderem produtos típicos de panificação e confeitaria, também funcionam como lanchonete, pizzaria, restaurante a quilo, loja de conveniência e bar.
Um dos exemplos é a paulista Dona Deôla. Envolvida na “onda” dos “bento cake” nas redes sociais ela levou esse conceito para os ovos de Páscoa e transformou o produto em um sucesso de vendas.

OVO FEITO EM CASA
O mercado artesanal caseiro é informal e está atrelado ao índice de desemprego no Brasil. Ele é formado por trabalhadores autônomos que buscam renda familiar, total ou complementar, com a fabricação de ovos de Páscoa, trufas, pão de mel e de outros produtos à base de chocolate, dentro e fora do período da Páscoa. São essencialmente “derretedores” que adquirem chocolates e derivados de empresas como Barry Callebaut, Harald, Cargill, Garoto, Nestlé e Duas Rodas, entre outras.
A mensuração desse mercado é indireta, através da venda de chocolate e derivados nas lojas especializadas e atacarejos. Não há dados oficiais de queda ou crescimento, embora informações secundárias apontem avanço, impulsionado especialmente pela pandemia, pela proximidade das vendas e pelo menor custo dos produtos.
O ovo de Páscoa feito em casa é artesanal, mais simples, geralmente sem marca e com embalagem padrão vendida em lojas especializadas. É divulgado nas redes sociais dos fabricantes e pelo relacionamento pessoal com família e amigos. Ele ganha mais espaço a cada ano, mantendo-se como tendência crescente, especialmente em países como o Brasil, com baixa renda per capita da população. O movimento do “ovo feito em casa” é tão forte que supermercados especializados como a Chocolândia passaram a comercializar cascas de ovos de Páscoa já prontas, tornando desnecessária a habilidade dos fabricantes de manipular o chocolate.
Sem pretensão comercial, esse movimento artesanal também tem impulsionado o consumidor final a se arriscar na produção caseira dos ovos, seja a partir das barras de chocolate ou das cascas já prontas, apenas para presentear familiares e amigos.

2023 O que vem pela frente?
Tendências são direcionamentos e devem ser utilizadas com muita cautela, especialmente em momentos de instabilidade do mercado, contribuindo para as estratégias mais assertivas na direção das expectativas dos consumidores.
O olhar sobre as tendências deve ser amplo, permeando todas as etapas do processo, desde o desenvolvimento do produto até sua comercialização.
Para 2023 as tendências de 2022 ainda estarão presentes, com maior ou menor força, e novas ondas surgirão para movimentar o mercado pascal, sempre receptivo às novidades.
Confira, a seguir, alguns pontos que devem ser considerados nas estratégias para a próxima Páscoa:

  • As relações comerciais jamais serão iguais às praticadas antes da pandemia. Definitivamente o universo digital está inserido nos produtos e serviços, desde a produção até o consumo. Não existe modelo de negócio viável sem a realidade “figital” (físico + digital);
  • Produtos de Páscoa devem, necessariamente, ter vendas online, delivery e eficiente mídia social;
  • O mercado bean-to-bar ainda não entendeu que o público infantil é um dos principais alvos da Páscoa;
  • Todos os mercados ainda ignoram os +60 como um público-alvo potencial para chocolates. É um segmento ainda invisível nas estratégias de marketing para produtos e serviços.
  • Um produto de Páscoa pode expressar várias tendências, ou seja, quanto mais novidades forem incorporadas e percebidas pelo consumidor como diferencial, mais competitivo ele será. ■

Jumar da Silva Pedreira é especialista em gestão e engenharia de produtos pela Escola Politécnica da USP, consultor da MFSP Marketing e professor de História e Cultura do Cacau e Chocolate da Castelli Escola de Chocolataria.

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