A vez do bean to bar

Teoricamente, a recessão brasileira terminou no quarto trimestre de 2016. Mas até agora a atividade econômica ainda não engrenou. A indústria e os serviços caminham a passos lentos mesmo com a inflação em linha com as metas do governo. As incertezas provocadas pelas eleições e pela greve dos caminhoneiros ajudam a explicar a retranca na atividade em 2018. Os empresários optaram pela cautela, segurando investimentos, ainda mais num cenário de forte ociosidade. Passadas as eleições e dissipados os efeitos da greve, o grau de indefinição na economia diminuiu, embora ainda haja temores sobre a aprovação e o impacto das reformas, como a da Previdência. Sem indicações claras de que o desequilíbrio fiscal será enfrentado, a incerteza sobre a sustentabilidade das contas públicas impede uma recuperação mais firme dos investimentos e a consolidação dos juros em níveis mais baixos. Essa estagnação levou a indústria nacional de máquinas a ver com reservas qualquer previsão. Com o encaminhamento de reformas, a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) arriscou uma estimativa com viés positivo na receita líquida do setor para 2018.

Apoiada em uma visão menos pessimista do mercado de bens de capital, que estendia o mesmo crescimento para o consumo aparente (vendas internas e importações), esse prognóstico vinha ao menos acompanhado da justificativa de que não era um sinal de retomada. Em termos de receita, compara a Abimaq, a indústria de máquinas é hoje 50% do que foi em 2013, e a expansão possível, qualquer que seja ela, não repõe a queda dos últimos anos. Com o novo governo, a expectativa é a de que haverá demanda por máquinas e equipamentos a partir de um próximo ciclo de investimentos, mas apenas dentro de um prazo superior a um ano e meio. A Abimaq considera ainda que o aproveitamento desse impulso de demanda pela indústria brasileira ou grupos estrangeiros vai depender do câmbio e do acesso a financiamento.

Clélia, da Fispal: otimismo com a confirmação de 61 novos expositores.

Sob esse pano de fundo, a montagem da Fispal Tecnologia, principal evento do setor de máquinas e embalagens para alimentos e bebidas, alcança a sua 35ª edição. Com 61 novas empresas confirmadas (de um total de 400), a expectativa é atrair um público de 40 mil pessoas, posiciona Clélia Iwaki, diretora da Fispal, prevista para o período de 25 a 28 de junho, em São Paulo. Apoiada em dados do IBGE, ela comenta que a produção industrial caiu 0,8% em janeiro deste ano na comparação com dezembro e, sobre o mesmo mês de 2018, cravou retração de 2,6%. “Em contrapartida, as indústrias de alimentos e bebidas se sobressaíram e registraram alta de 1,5% e de 6,1%, respectivamente”, destaca.
Para a organização do evento, essa expansão fomenta ainda mais o interesse de empresas fornecedoras para a cadeia produtiva na participação em feiras de negócios. “O otimismo para este setor começou a ser demonstrado no início do ano, quando a Abia (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos) divulgou projeção de crescimento de 2,5% a 3% na produção para 2019”, observa Clélia.

Saindo da gaveta
Apesar da expectativa mais confiante, no reduto de máquinas para processamento e embalagem de confeitos (confectionery) prevalece a cautela. “Logo após as eleições, entre o fim do ano passado e início de 2019, realmente o entusiasmo tomou conta e projetos que vinham sendo protelados, desde antes da recessão, saíram da gaveta”, relatam Marcelo Fazenda e Petru Emil Rusu, diretores da Perpack, uma das principais consultorias e representações do setor de bens de capital para confectionery do país. Pelo menos três instalações de linhas completas para a fabricação de biscoitos, com fornos da italiana Imaforni e equipamentos de fim de linha da alemã Bosch, vingaram em meio a esse sopro de entusiasmo. Em seguida, porém, com as indefinições político-econômicas, a gaveta com pedidos fechou, levando projetos de expansões de capacidade e novas operações. “Embora cláusulas de confidencialidade impeçam a divulgação desses projetos maiores, podemos afirmar que eles contemplaram expansões de linhas standard, ou seja, para fabricação de produtos de consumo de massa e se concentraram no Nordeste”, repassam os traders. Fazenda e Rusu, no entanto, comentam que as vendas de equipamentos compactos para produtos de maior valor agregado, como linhas compactas para chocolate premium, ainda movimentam o setor.

Rusu e Fazenda, da Perpack: desengavetamento efêmero de projetos.

Sistemas de moldagem atualizados, a exemplo da Frozen Shell Chocotech, que dispensa a utilização de moldes para a fabricação de trufas, bombons e ganaches, têm demanda ainda aquecida por conta da onda de chocolate gourmet, apesar de inibidores como o câmbio e falta de crédito, argumenta Marcelo Fazenda. Ele confirma a instalação recente de três unidades do equipamento e considera haver ainda muito espaço para a colocação de mais moldadoras. “Diversos acessórios podem ser incorporados à linha, a exemplo de depositadores, decoradores e aspersores de sólidos, permitindo grande variedade de artigos e acabamentos”, acrescenta. Sem contar as redes de chocolaterias, com produção e distribuição próprias, a maioria dos fabricantes de chocolate fino e/ou artesanal ou ainda orgânico opera apenas com conchas e temperadeiras pequenas, sem maiores recursos, como temperímetro, item-chave para assegurar a repetitibilidade. “Essas operações estão amadurecendo e devem logo atingir o estágio em que máquinas como as que representamos são essenciais”, sublinha o consultor.

Petru Rusu observa entre as tendências em voga na cena de chocolate a da profusão de itens mais finos e com maior apelo visual, buscando diferenciação, uma vez que tabletes e candy bars tradicionais sofrem pesada concorrência. Do portfólio atual da Perpack, hoje com 11 representadas, ele destaca a linha One-Shot Awema, equipada com a depositadora UDM 222 (100% servoacionada), de grande flexibilidade e facilidade de operação. Outro ponto alto do mostruário abrange a família de temperadeiras da Sollich, a exemplo das unidades especiais para produção com centrífugas (para produtos ocos), da temperadeira-aeradora para massas de chocolate aerado e da versão para retrabalho, ideal para linhas de moldagem.

Avanço do bean to bar
Na JAF Inox, uma das principais grifes locais de máquinas compactas para processamento de cacau e chocolate, a demanda geral tem sido puxada por equipamentos de produção, moldagem e solidificação enquadrados no segmento bean to bar (da amêndoa ao chocolate, em inglês). Tanto pequenas como médias e até grandes operações veem nesse mercado uma oportunidade de alavancar as vendas através de opções inovadoras, considera Renato Queiroz, diretor de operações da empresa. “Novas marcas e fábricas têm sido criadas e, consequentemente, a oferta de linhas completas ou mesmo equipamentos avulsos e específicos a determinada etapa da fabricação do chocolate vêm sendo demandados”, nota.
A procura tem se mantido tão intensa nos últimos anos que a expectativa para 2019, em grande parte já concretizada no primeiro semestre, é de elevar o faturamento em 15-20% comparado com o último exercício, aposta Queiroz .”O otimismo aumentou na virada do ano, resultando um volume de aquisições pelo menos 20% superior à média mensal de venda de equipamentos e processos de fabricação”, contabiliza ele.

Controlada da Royal Duyvis Wiener (RDW), a JAF Inox exibe em seu portfólio equipamentos para beneficiamento de cacau (moinhos, torradoras, refinadoras) e linhas completas compactas bean to bar, fabricadas com know-how desenvolvido pela própria empresa. Desde 2014 integrada à corporação holandesa RDW, potência na cena internacional de confectionery, a JAF se transformou em referência em linhas para processamento do chamado chocolate gourmet, desde a torra e prensagem do grão de cacau até o refino da massa. Construiu nome no circuito chocolateiro do Brasil e a fama varou as fronteiras do país. A graduação como fornecedora de primeira linha, aliás, partiu da grife francesa Chocolat Bonnat que, ao adquirir um conjunto completo JAF Inox para 400 quilos de chocolate por batch, inseriu a marca no circuito de chocolate gourmet mundial, atraindo as atenções de potências como a RDW.

Queiroz assinala que a tecnologia aplicada pela JAF Inox na etapa de beneficiamento do cacau utiliza técnicas específicas ao cuidado que as amêndoas de cacau requerem, tornando o resultado em termos da manutenção da qualidade do cacau e aroma de acordo com os melhores padrões mundiais de eficiência. “Em linhas bean to bar somos os únicos na oferta de equipamentos de pequenas e médias produções, com o diferencial de garantir a qualidade, eficiência e sanitariedade exigidos pela grande indústria, mas em escala menor”, sintetiza o diretor de operações.

Ponto de networking
Com planta em Tambaú (SP), a JAF Inox hoje exporta equipamentos para 29 países, em especial dos continentes europeu e asiático. No ano passado, reporta Queiroz, o volume de máquinas enviado ao exterior alcançou 55% do faturamento, cifra prevista para o atual exercício. No Brasil, a maioria dos pedidos de equipamentos entregues ocorrem no Sul e Sudeste. “Mas notamos um aumento da demanda nas regiões produtoras de cacau no país, em especial na Bahia e no Pará, onde a demanda por produtos bean to bar vem se estabelecendo”, comenta o executivo. No momento, as atenções na JAF se concentram na tecnologia de conchas universais refinadoras all-in-one, solução que possibilita realizar a mistura, o refino e a conchagem em um único equipamento. “Essa tecnologia pode ser amplamente utilizada tanto na produção de chocolate como na de coberturas/compounds e recheios”, assinala Queiroz.

Ao lado de unidades de derretimento e moldagem, a tecnologia all-in-one será uma das atrações da JAF na Fispal Food Service (de 11 a 14 de junho, em São Paulo), versão da mostra de máquinas dedicada ao mercado de alimentação fora do lar. “Decidimos estar pela primeira vez nessa exposição, por já termos participado da Fispal Tecnologia, apostando em contatos com um novo público”, justifica Queiroz. Petru e Fazenda, da Perpack , com presença assídua na feira mais tecnológica, comentam que, com a crescente ausência na mostra dos grandes fabricantes de máquinas, a feira acentua cada vez mais a sua vocação para networking. “Continua sendo uma oportunidade para encontrar clientes, fazer contatos, além de atualização e intercâmbio de informações”, frisam os consultores. ■

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