Sedução pela boca
Em meio aos impactos do novo coronavírus no consumo geral do país, a Páscoa deste ano, comemorada em 12 de abril, sinaliza que vai ser no mínimo bem diferente das edições anteriores. Com volume mitigado pelos grandes fabricantes para a produção de ovos de chocolate e apostas em linhas de maior valor – com brinquedos, mimos e gadgets licenciados –, o grosso das campanhas das principais marcas acentua o apelo da indulgência, incorporando aos produtos finais o máximo de satisfação e deleite pelo simples consumo.
A estratégia, no entanto, não muda a tendência nos volumes de chocolate destinados a produtos de Páscoa que vêm caindo ano a ano. Pelas planilhas da Associação Brasileira da Indústria de Chocolate, Amendoim e Balas (Abicab), em 2017, foram produzidas 9 mil toneladas (t), equivalentes a 36 milhões de ovos. Comparado à produção do ano anterior, o volume foi 38% menor, cravando uma das piores campanhas da indústria chocolateira.
Em 2016, foram 14,3 mil t e 58 milhões de ovos e, em 2015, 19,7 mil t e 80 milhões de ovos. No ano passado, repassa a entidade, foram produzidas cerca de 10 mil t de chocolates para o período, incluindo ovos, figuras moldadas e itens em embalagens temáticas presenteáveis, entre outros. “O Brasil realiza uma das maiores páscoas do mundo e os produtos para a data vêm, nos últimos anos, mantendo penetração acima de 60% nos lares brasileiros, reforçando a tradição brasileira de presentear com chocolate nessa época”, frisa Ubiracy Fonsêca, presidente da Abicab, otimista com a campanha atual.
Mas o pé no freio nos volumes de chocolate direcionados aos tradicionais ovos também é sentido na ponta do varejo. A Associação Paulista de Supermercados (Apas) confirma que cerca de 76% das vendas de ovos acontecem nas redes do autosserviço. Essa demanda enfrenta a crescente competição das lojas especializadas e da oferta artesanal de microempreendedores. Para Thiago Berka, economista da entidade, esse é um dos motivos que determinaram por parte dos supermercadistas a diminuição da área destinada a produtos sazonais. Ele observa que a acentuada queda na produção de ovos, de 80 para 36 milhões nos últimos cinco anos, obrigou os lojistas a tomarem uma série de decisões. “Além da diminuição do estoque adquirido de chocolate, incluindo ovos acima de 750g e 1 quilo, de menor giro, os supermercados optaram por elevar o estoque de ovos menores (até 170g) e apostar em linhas infantis, de maior valor agregado, com brindes e brinquedos”, comenta o especialista, incluindo entre as providências o melhor uso de “ilhas” com sortimento misturado, para gerar compras de impulso ou combinadas (café, vinhos etc) e destacar barras gourmet e caixas de chocolate premium.
Oferta artesanal
Tido como o segundo melhor período do ano em faturamento para os supermercados, a Páscoa atual deve corresponder às expectativas de crescimento do setor, que foi em torno de 5% em 2019, pois o preço dos ovos de chocolate deverá registrar aumento em torno de apenas 2% em relação à tabela do ano passado, estima Berka. “Apesar do preço do cacau e açúcar se manter estável nos últimos 12 meses, a alta recente do dólar contrabalanceia o preço para o consumidor atingindo insumos como corantes e leite”, explica o economista. Ele lembra que o valor dos ovos nos mercados não é tabelado, portanto, orienta o consumidor a sempre pesquisar antes de comprar.
Acompanhamento das vendas sazonais de chocolate do instituto Euromonitor International também confirmam a tendência de queda no faturamento de Páscoa. Segundo a consultoria, as vendas pascais de chocolate que cravaram R$ 1.886,4 milhões em 2014 baixaram para R$ 1.226,3 milhões no ano passado. Projeções da Euromonitor indicam que, em 2024, essa receita deverá ficar ao redor de R$ 1.158,3 milhões.
Já no balcão do trade atacadista, a diminuição da oferta de ovos e figuras de chocolate convencionais abre espaço para a venda de ovos e confeitos artesanais. “Com o pé no freio da indústria e menos ovos para atender toda a demanda, a produção caseira vai entrar em cena buscando preencher essa lacuna, como tem acontecido nos últimos anos”, nota Osvaldo Nunes, diretor presidente da Chocolândia, rede atacadista especializada em chocolates e confeitos (confectionery) com dez unidades na Grande São Paulo. “As grandes indústrias produziram 50% menos ovos e, portanto, não vai ter produto suficiente para atender toda a demanda”, assinala ele, apostando na produção artesanal com embalagens diferenciadas e na tendência de ovos de Páscoa para comer de colher.
Olhando pelo lado positivo, Fonsêca, da Abicab, insere que, para a atual temporada, a indústria brasileira de chocolates gerou 14 mil vagas temporárias diretas e indiretas para atender à demanda da Páscoa. Ele observa que as empresas iniciam o planejamento para a data com cerca de 18 meses de antecedência e começam a contratar já em setembro do ano anterior. “Presentear com chocolate é uma tradição que estimula as indústrias a investirem constantemente em inovação para fazer frente à demanda e contribuir inclusive, durante esse período, para o aquecimento da economia”, assinala o presidente da Abicab. Ele acrescenta que as posições temporárias contemplam tanto a linha de produção quanto os pontos de venda. Só nas fábricas, há um incremento de cerca de 16% no volume de mão de obra no período.
Realidade aumentada
Com mais de 40% de share nas vendas de Páscoa, Nestlé e Garoto destacam que a campanha de 2020 mantém o foco em desdobramentos de marcas-pilares. “Com o desafio a cada ano de reinventar, mais do que trazer novos sabores é preciso analisar o cenário de consumo e apostar em um portfólio que alie qualidade a custo acessível”, pondera Keila Broedel, gerente de marketing de sazonais da Nestlé, também dona da Garoto. Partindo dessa premissa, acrescenta ela, a companhia renova seu mostruário com itens que buscam entregar sabor inconfundível e embalagens com design sofisticado, além de kits interativos incorporados aos ovos de chocolate, ressalta a gerente. No ano passado, exemplifica Keila, a empresa inovou introduzindo na linha recursos em realidade aumentada. Neste ano, por meio do aplicativo Nestlé Realidade Aumentada, a novidade pode ser conferida no clássico Nestlé Surpresa, sucesso dos últimos três anos. “Os ovos de chocolate mantêm sua proposta educacional, de forma a proporcionar conhecimento e diversão em família, com três coleções diferentes de brinquedos temáticos”, assinala Keila. Cada miniatura, detalha ela, pode ser visualizada em realidade aumentada, por meio do aplicativo criado pela Flex Interativa. “Ao aparecer na tela, o brinquedo é inserido em um dos três ambientes dos ovos (Dinossauros, Espaço e Corrida) e o consumidor, além de interagir com o item, pode participar de jogos interativos, como memória, corrida de carro e destrua os asteroides”, sublinha ela. O app também traz um quizz interativo sobre os três universos, elaborados em parceria com os canais Animal Planet, Discovery Turbo e Discovery Mindblown.
A aposta nas marcas icônicas inclui ainda os ovos tradicionais Baton, Alpino e Talento, o novo formato de KitKat e novidades nas linhas Nescau e Zero Adição de Açúcar. “O objetivo é ofertar sabores de grande sucesso entre o público para a data com formatos diferenciados, que permitem ao consumidor escolher o que melhor se adapta ao gosto e bolso”, frisa Keila. Entre os itens presenteáveis, o KitKat Coelho Easter Break exibe formato de coelho da Páscoa e recheio cremoso de chocolate, pedaços de wafer e rice crispies. A linha KitKat traz ainda o ovo White, com chocolate branco, além do tradicional ovo ao leite, com o mesmo sabor do confeito.
Outra importante novidade da marca é o primeiro ovo da marca com zero adição de açúcares, zero lactose e zero glúten, apresentado em embalagem reciclável. “É um lançamento alinhado ao objetivo da companhia de oferecer um leque de opções que atendam a diferentes perfis e necessidades nutricionais”, salienta Keila.
Pesquisa com consumidores
Pioneira na produção de ovos de chocolate no país, a Mondelez, dona da Lacta, ouviu mais de mil consumidores de todo Brasil na maior pesquisa já feita exclusivamente para a Páscoa. Os resultados da consulta guiaram a estratégia da marca para a campanha deste ano, que incluem reforçar conceitos de indulgência – de comer sem culpa – e a oferta de itens presenteáveis, reporta Leonardo Tonini, diretor de novos negócios da Mondelez Brasil. “O portfólio atual vai atender necessidades captadas na pesquisa e oferecer opções inéditas para todos os perfis de consumidores, desde aqueles imbuídos do tradicional espírito da Páscoa até os apaixonados por presentear”, sintetiza o executivo.
Para ele, a data é o terceiro evento mais relevante para os brasileiros, depois do Natal e Dia das Mães. “Por isso, o objetivo é proporcionar a melhor experiência, trazendo 25 opções de ovos, sendo quatro deles os grandes lançamentos – ovo Oreo e Avelã tripla camada, e Original e Mix de Nuts, da linha Intense 60% Cacau”, informa. Outro destaque do menu, complementa Tonini, é a linha de trufas recheadas presenteáveis, que desembarca na Páscoa mas se mantém fixa no portfólio. Com embalagem diferenciada, elas exibem opções Ao Leite (9, 12 e 18 unidades) e Intense 60% cacau (9 e 12 unidades), com diversos sabores de recheio exclusivos.
“A ideia é promover uma Páscoa comemorada com muito chocolate e sem culpa e, para isso, estamos oferecendo ovos ainda mais recheados e com alto teor de cacau, de garupa no segmento que mais cresce em tabletes no Brasil”, comenta Tonini.
Com avanço a jato nos últimos anos, a Cacau Show, autoproclamada a maior rede de chocolates finos do mundo, é também a número um em vendas de Páscoa no país, superando marcas tradicionais como Lacta, Nestlé e Garoto. Dados da Euromonitor International, apurados na última campanha, situam a rede de lojas em primeiro lugar no ranking sazonal, com a fatia de 37,2% das vendas pascais. Nas demais colocações, capta a Euromonitor, figuram a Mondelez (Lacta), com13,3% de share; Nestlé, com 9,1%; Grupo CRM (Kopenhagen), com 6,4% e Nestlé (Garoto), com 4,6%.
Thais Costa, gerente de comunicação da Cacau Show, confirma que em 2019 a marca cravou 12% de crescimento em relação ao ano anterior e, mesmo em um ano desafiador como este, com ameaça de pandemia e crises globais, a empresa estima 15% no crescimento na data. “Para isso, as principais tendências da marca são as nossas parcerias licenciadas (Looney Tunes e Scooby-Doo), novidades nas linhas Dreams 7 Chocolates, Dreams Brownie, ovo LaCreme Mezzo Recheado e ovo LaNut Recheado, além de mais de 50 itens na campanha”, grifa a executiva. ■
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