O sentido do design

Movimentos de consumo globais impactam a composição dos alimentos e também as suas embalagens. Em um mercado volátil, a mudança é uma constante. Essa máxima é ainda mais relevante no segmento de guloseimas. Além de se preocupar com a composição dos produtos, é preciso que as marcas estejam atentas na forma com que os apresentam. Que elas cumprem papel fundamental nas vendas não é novidade. No entanto, os movimentos em busca de bem-estar, saúde e sustentabilidade também na alimentação têm produzido efeitos nas expectativas dos consumidores em relação às embalagens, refletindo a preocupação com a sua própria saúde e a do planeta. Principalmente, agora, com a crise global provocada pela Covid-19.

Com isso, mais do que nunca, linguagens, formatos e materiais mudaram e continuam nesse movimento de metamorfose. Na cena atual, a arte da narrativa (“storytelling”) é um dos fatores-chave para marcas que buscam maior aderência entre os consumidores. É um instrumento de aproximação ao pilar de sustentabilidade, que se traduz em transparência nas informações e na redução dos impactos da embalagem no ecossistema. E sem abandonar a conveniência e praticidade dos novos formatos.

Punchard, da Mintel: embalagens de alimentos mais sustentáveis são um desejo do consumidor.

O que, na prática, isso significa para o mercado e para as marcas brasileiras, em especial, é a possibilidade de se antecipar e planejar novas ações, conquistando um importante diferencial para 2020 e os próximos anos, observa Benjamin Punchard, diretor global de embalagens da Mintel. Além disso, completa ele, observa-se a oportunidade de alinhamento às mudanças que já começam em mercados como o norte-americano, europeu e asiático.

Embalagens de alimentos e bebidas mais sustentáveis são um desejo do consumidor. Não só no âmbito das embalagens, mas em tudo, nota Punchard. “A sustentabilidade é pop. E esse não é um título vazio. Os consumidores realmente se preocupam com o impacto ambiental de suas ações e, na base desse sentimento, estão as embalagens de alimentos e bebidas”, pontua.

Lançada em março, uma pesquisa da Innova Market sobre as tendências de embalagem para 2020 (Top Packaging Trends 2020) identificou “a linguagem da sustentabilidade ambiental” como a principal tendência deste ano.

Esse ponto faz uma conexão especial com o item que encabeça a lista das dez tendências (Top 10 Trends) da Innova para o mercado global de alimentos. Segundo o estudo “Storytelling: Winning with Words”, o consumidor busca compreender como os produtos são feitos. Dessa forma, além de confiar mais em seus benefícios, reforça a sua relação com a marca. As grifes enquadradas em bens de consumo rápido (FMCG/fast moving consumer goods) reconhecem cada vez mais os atributos ambientais das embalagens como uma proposta essencial de venda de bens de consumo embalados, capta o estudo da Innova.

Ainda de acordo com a consultoria, outra pesquisa realizada com consumidores alemães, britânicos e indianos em 2019 descobriu que 38% deles buscam entender o impacto dos alimentos e bebidas que compram. A maioria dos entrevistados indicou que essas informações os fazem se sentir mais conectados à marca, reforça a Innova.
Já a Mintel, em seu estudo “2030 Packaging Trends”, que traça estimativas e cenários para os próximos 10 anos, também aponta para a sustentabilidade, mas de uma forma mais incisiva.

Em uma de suas tendências -“Apocalipse das Embalagens”-, a instituição observa que a mudança climática será o vetor para mudanças. Um dos principais pontos é a emissão de carbono, dado no qual os consumidores ficarão cada vez mais de olho. “Espera-se que a embalagem inteligente de 2030 calcule automaticamente os impactos de carbono das compras existentes e potenciais para permitir que os consumidores adotem hábitos de consumo mais responsáveis”, frisa Punchard.

De certa forma, ambos os relatórios indicam para uma verdadeira redefinição do conceito de embalagem. O estudo da Innova aponta para uma transformação no uso do plástico. Não à toa, as empresas FMCGs estão investindo grandes quantias em plásticos reciclados. Iniciativas de reciclagem pós-consumo (PCR) também ganham destaque e começam a crescer no mercado.

Já segundo a Mintel, para o futuro, a redefinição das embalagens virá pelo próprio nome. Em vez de “sustentável”, será uma embalagem “responsável”, indica Punchard. A mudança será circunstancial para que uma nova percepção se forme. “Ou seja, uma abordagem prática, que as marcas possam promover e defender, e os consumidores, entenderem e agir”, explica o diretor global de embalagens da Mintel.

Fator uau!
Assim como acontece na indústria global de alimentos, a tecnologia também é uma tendência para o mundo das embalagens. A “Deeper connections”, do relatório de Tendências de Embalagens da Mintel para 2030, aponta justamente para o avanço de tecnologias que miram na conectividade. Casas mais inteligentes, gadgets mais inteligentes e -por que não – embalagens mais inteligentes?

Pelo estudo da Mintel, as marcas se destacarão no futuro por serem aquelas com tecnologia necessária para criar embalagens que resolvam as necessidades de seus consumidores. A palavra-chave é “entender as necessidades”.

“Mudanças tecnológicas serão aplicadas à maneira como os consumidores trabalham, aprendem, descansam e se divertem. As marcas que irão florescer em 2030 serão as que criarem tecnologias que permitam aos consumidores percorrer com flexibilidade ou combinar esses aspectos de suas vidas, para seu próprio aperfeiçoamento”, interpreta Punchard.

Outra corrente destacada no estudo da Innova é o e-Punch — também conhecido como “fator uau!”. Com o crescimento da demanda por meio do varejo online, as marcas estão encontrando espaço para lapidar suas marcas. É nesse espaço que as embalagens encontram terreno para surpreender, ou melhor, utilizar seu fator uau. Além de aprimorar a experiência do consumidor ao desembalar um produto, importa o seu design e como ele tem relação com a sustentabilidade.

Mas é a vontade dos consumidores que guia o vetor de mudanças nas indústrias. E na de alimentação não seria diferente. Pela pesquisa da Innova, mais de dois terços (71%) dos consumidores brasileiros acreditam que as empresas de comida devem usar apenas embalagens sustentáveis.

Porém, quando o assunto é embalagem de alimentos e bebidas, há outros fatores relevantes. Governos vêm agindo para reduzir os impactos ambientais, estabelecendo acordos com marcas para que o uso de matérias-primas, como o plástico, sejam reduzidas ou trocadas. No Reino Unido, por exemplo, o governo vai introduzir um imposto sobre embalagens plásticas a partir de 2022. Por outro lado, sanções financeiras serão estabelecidas para incentivar a incorporação do plástico reciclado na cadeia produtiva dessas empresas, criando um precedente interessante para sua adesão.Para o futuro, seja em uma escala próxima, pensando ainda em 2020, ou mesmo para daqui a 10 anos, uma coisa é certa: os consumidores estão cada vez mais exigentes. A urgência de temas relacionados ao meio ambiente ganhou relevância para as pessoas, que agora exigem o mesmo tipo de conscientização das marcas.
Para as marcas, é preciso ter consciência desse novo cenário e agilidade em buscar se adequar.

“Os consumidores recompensarão as empresas que oferecem produtos em embalagens inteligentes que podem se integrar perfeitamente ao seu ambiente doméstico on-the-go e inteligente. As embalagens simplificarão as tarefas domésticas, desde fornos que perguntam à embalagem em que temperatura cozinhar e por quanto tempo, até máquinas de lavar roupa que selecionam o detergente correto de uma embalagem inteligente”, expõe Punchard.

Daqui para frente, completa ele, o consumo consciente será o ponto de encontro das transformações na indústria global de alimentos. Implementar políticas e filosofias sustentáveis em sua linha de fabricação, do produto em si, passando pela embalagem e chegando à logística, será uma exigência para sobreviver em um mercado moderno e preocupado com o planeta. ■

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