Não pode faltar

Indústria de biscoitos faz lição de casa e mantém crescimento em plena crise
Biscoitos volumes estabilizados com receita em ascensão.

O encolhimento da renda e a inflação crescente atingiram o consumo de alimentos. Segundo a consultoria Kantar Worldpanel, os consumidores têm ido menos vezes aos supermercados e retornado com as sacolas mais vazias. Além da redução no volume de compras, houve também a substituição de produtos por outros de marcas mais baratas ou similares. Exceção a esse quadro, o setor de biscoitos vem conseguindo se sair melhor que outras categorias por conta de a indústria ter feito bem a lição de casa. “Fizemos um reajuste em torno de 8% nos preços no início do ano que tem sido suficiente para assegurar crescimento em valor na faixa de 1-2% até o final do ano, mantendo estabilizados os volumes”, analisa Claudio Zanão, presidente da Abimapi (Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães & Bolos Industrializados). O prognóstico bate com o levantamento da Kantar, pois os produtos alimentícios que mais perderam volume de vendas no primeiro semestre no país foram bebida à base de soja, leite pasteurizado, leite fermentado e lanches prontos. De acordo com a pesquisa, houve uma queda de 7,5% no volume de vendas totais de alimentos no primeiro semestre deste ano, em relação ao mesmo intervalo de 2014, enquanto o valor gasto teve incremento de 0,5% no período.
Para Zanão, o resultado projetado não satisfaz mas mantém o patamar de 2014. “Dentro dessa conjuntura estamos bem”, avalia ele. No entendimento do dirigente, fazer bem a lição de casa foi investir em expansão de capacidade e modernização no momento certo e bancar apostas em segmentos de maior valor, a exemplo de linhas de biscoitos saudáveis, como crackers integrais, e no filão de indulgência, com produtos que mesclam variações de recheios e coberturas e chocolate e/ou nuts ou castanhas. “Uma aposta que favoreceu a boa performance do setor de biscoitos foi a adoção de embalagens com variações desde o single ou monodose até os packs tipo família, mais convenientes em momentos de inflação em alta”, sublinha o dirigente da Abimapi.
Desde o ano passado o mercado de biscoitos retomou o crescimento em valor, na faixa de 8% (dados Nielsen), na escala móvel de 2015 versus 2014, alavancado especialmente pelos segmentos de recheados, wafers e cookies doces, crackers e variações do tipo Club integrais. Juntos, esses segmentos representam, aproximadamente, 80% do crescimento da categoria, analisa Eduardo Lemos, gerente de marketing da categoria de biscoitos da Mondelez Brasil. Em 2015, segue ele, essa tendência se mantêm, com esse crescimento de 8%, também puxado por biscoitos doces e integrais, sendo que esse último reduto cresce significativamente mais que dois dígitos ou cerca de 25% em valor. “Em relação aos novos hábitos dos consumidores, nota-se que na categoria de biscoitos doces, o consumo de produtos com embalagens menores se destacam, apresentando um crescimento bem acima da média do mercado”, observa Lemos.
A análise bate com projeções da Euromonitor International, que avalia o avanço do setor a cada cinco anos. Segundo a consultoria, a demanda de biscoitos cresceu apenas 0,1% em volume contra 56,5% em valor, de 2010 a 2015 (ver quadro à pág. 22). Ela saiu de 1, 222 milhão de toneladas em 2010 para 1,224 na projeção para este ano. Em valores, saltou de R$ 12,6 bilhões para R$ 19,7 bilhões, no período. Pelas estimativas da empresa de pesquisa, o volume deve atingir 1,286 milhão de toneladas em 2020, movimentando R$ 22,7 bilhões.

Plataformas inovadoras
Segunda maior fabricante em valor do país, com fatia de 11,4%, segundo a Nielsen, a Mondelez se posiciona à frente das tendências do mercado de biscoitos, introduzindo itens diferenciados, pioneiros e que se conectam com o mercado brasileiro, a exemplo das marcas Club Social, belVita e Oreo, ressalta Lemos. No último ano, acrescenta ele, o destaque ficou por conta dos resultados do recheado Oreo, com crescimento de 94% em valor e 83% em volume. Em 2015, com a abertura de vendas para o Norte e Nordeste em janeiro, a grife vem mostrando resultados além das expectativas, comenta o gerente. “Desde maio, Oreo passou a ocupar o segundo lugar em share valor no canal moderno, com 14,4% de participação, dentro do segmento de recheados doces”, acentua ele.
Outro destaque do portfólio da Mondelez é o Club Social. Consolidada no mercado de biscoitos com o maior nível de penetração nos lares brasileiros dentro da sua categoria, a marca não para de crescer, com avanço em valor de 0,3% no segmento de crackers. A marca tem se diferenciado através de inovações pioneiras como o Club Social Sanduba, que vem com duas camadas de recheio e três biscoitos, em tamanho e espessura maiores, nos sabores Misto de Queijo e Presunto e Peito de Peru com Queijo Branco, no biscoito integral. “A linha tem como foco os jovens, oferecendo uma opção mais prática, em embalagem individual de 45g, que pode ser consumida enquanto eles se deslocam da faculdade para o trabalho”, exemplifica Lemos. Disponível no pequeno e grande varejo, tanto nas saídas de checkout quanto nas gôndolas regulares de biscoitos, Club Social também tem investido na plataforma Integral. Recentemente, informa o gerente, a linha passou a contar com as versões Azeite & Manjericão e Salsa & Cebolinha.
“Também podemos citar a marca belVita, que está inserida dentro do segmento de biscoitos saudáveis, que vem puxando o crescimento da categoria, com avanço de 1,9% em valor e 1,0% em volume”, crava Lemos. Segundo ele, belVita contribuiu para esses resultados, com crescimento de 1,5% em valor e 0,7% em volume, em comparação ao primeiro semestre de 2014. “Este ano, lançamos recentemente os sabores Cacau e Cereais e Yogo Banana e Aveia, plataforma esta que chegou ao país no ano passado e já é sucesso de vendas, por trazer o primeiro biscoito a base de cereais com recheio cremoso com iogurte”, frisa.
Lemos confirma a análise de Zanão quanto à oferta de diferentes apresentações como ferramenta de manutenção do giro. A empresa, ele diz, tem buscado oferecer diferentes opções de produtos e porções para atender aqueles que buscam o consumo individual, desenvolvendo diferentes opções de formatos e embalagens. Em paralelo, a companhia busca também enquadrar o portfólio à tendência de maior preocupação com a saúde, movimento que reflete maior procura por produtos integrais. “Entre 2013 e 2015, lançamos mais de dez novos biscoitos integrais entre as marcas belVita e Club Social. Além disso, a Mondelez é signatária do acordo de cooperação técnica entre Abia (Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação) e Ministério da Saúde para redução de sódio.
Lançada em 2010 com a proposta de oferecer um biscoito à base de cereais integrais apropriado para ser consumido como parte de uma café da manhã balanceado, belVita vem desde então expandindo de forma acelerada, como consequência do investimento em inovação e comunicação, potencializando o consumo de biscoitos integrais no Brasil. “Nos últimos três anos, a marca cresceu 430% em volume, enquanto, nesse mesmo período, o segmento de biscoitos integrais cresceu em torno de 42%, fazendo com que belVita despontasse como a marca com maior nível de repetição entre os biscoitos integrais (48%), conforme pesquisa da Kantar Worldpanel”, repassa Lemos.
Com relação à tendência de portabilidade, Lemos sublinha que a marca Oreo foi lançada no país de forma 100% adaptada para o brasileiro, contando com formatos de embalagem inovadores e adaptados ao varejo e ao consumidor. Ela abrange desde embalagens para consumo individual e imediato (embalagem com quatro unidades) até apresentações para consumo compartilhado.

 Avanço da saudabilidade
Na Arcor, detentora das marcas Triunfo, Danix, Break Up e Aymoré, o gerente de marketing de biscoitos Anderson Freire confirma a estabilidade nos volumes de biscoitos no ano passado. “O crescimento em valor se deu principalmente por meio dos lançamentos e avanço na demanda de linhas saudáveis”, frisa. Já o primeiro semestre deste ano, observa ele, mostrou maior otimismo com avanço de cerca de 2% nos volumes, em relação ao mesmo período do ano passado, sustentado principalmente por um aumento no consumo geral da categoria. “Foi justamente por se tratar de um alimento básico por um preço justo, fator cada vez mais relevante na decisão de compra do consumidor brasileiro, dado o atual cenário da economia”, avalia o gerente. Além de busca pela melhor oferta (custo/benefício), hábitos de vida mais saudáveis se refletem na categoria, com crescimento mais relevante nas alternativas que abraçam o segmento de itens saudáveis. Apenas como exemplo, Freire cita o crescimento da marca Aymoré em Minas Gerais, com 24,7% de alta em volume e 23,8%, em valor, no primeiro semestre de 2015. “Se fecharmos o foco apenas em Belo Horizonte (MG), a marca cresceu 33,2% em volume e 30,3% em valor”, crava ele.
Para manter essa liderança regional, a Aymoré vem se renovando desde 2012. Uma das apostas bem sucedidas é a linha Grãos da Terra, enquadrada no filão de saudáveis e desenhada justamente para ir ao encontro dos novos hábitos de consumo. “O que considerávamos tendência há alguns anos, como saudabilidade e portabilidade, hoje já é realidade. A demanda e oferta de produtos com essas características já faz parte do dia a dia das principais indústrias do país e dos consumidores”, grifa Freire, completando que são essas propostas que acusam crescimento acima da média da categoria e ainda contam com sobra de potencial para seguir avançando.
Introduzida em 2012, a linha Grãos da Terra foi um dos primeiros desenvolvimentos da marca no filão de produtos saudáveis, cuja demanda hoje está consolidada em todo o estado de Minas. Além de propor uma complementação às refeições diárias, contém nutrientes que colaboram para o bom funcionamento do organismo. “Sabemos, por meio de pesquisas, que os consumidores estão rigorosos com o tipo de alimentação e buscam cada vez mais por produtos com esse perfil”, sublinha o gerente. Quanto à tendência on the go, a empresa comparece com linhas de biscoitos salgados porcionados, através da marca Salpet Express. “Ela possibilita o rápido consumo já na porção adequada, oferecendo portabilidade, com sabores (Original, Presunto, Queijo e Pizza) adequados a momentos entre as refeições”, indica Freire.
No início desse semestre a Aymoré mexeu nas embalagens de sua linha de biscoitos. Com design a cargo da agência Conceito, ela visou modernizar as apresentações sem perder os elementos que caracterizam a tradição da marca. Para chegar ao resultado final, foi realizado um estudo conduzido pela empresa de pesquisa TNS, com o objetivo de identificar os principais elementos da embalagem a serem reformulados, relata Freire. “O estudo revelou que as embalagens deveriam ter cores fortes, promover leveza e sofisticação, trazendo uma sugestão de consumo para os biscoitos salgados, além de intensificar a indulgência nas versões doces, a exemplo de calda de chocolate em biscoitos do tipo wafer”, repassa o executivo.
Recém-saídas do forno, as novas apresentações mostram um layout moderno e colorido, representado por faixas. O azul claro apresenta a tradição da marca em seus 90 anos, já o azul escuro refere-se à modernidade e à inovação. Uma terceira faixa é destacada por cores alegres, que correspondem à identificação de sabor, já familiar para os consumidores da marca. Elementos gráficos impressos nas embalagens dão toque final, conferindo aos biscoitos visual mais indulgente.

Lição bem feita
Dona das marcas Tuc’s, Fazendinha e Bela Vista, a Biscoitos Bela Vista personifica a fabricante que fez a lição de casa mencionada pelo presidente da Abimapi, adotando todas as estratégias à disposição para crescer em meio à crise. Em resumo, apostou em linhas integrais, em variantes infantis e em embalagens individuais. Com isso, a empresa prevê alcançar em 2015 crescimento de 3% a 5% em vendas, desempenho inferior ao estimado no início do ano, em torno de 9% em receita e volume, aponta Jorge Conti, diretor executivo da Bela Vista. “Estamos fazendo um grande esforço para manter a companhia dentro dos planos, em um cenário mais que desafiador”, considera ele.
Segundo o executivo, a companhia registrou avanço em torno de 4% em volume e 12% em valor no primeiro semestre. Esses índices incluíram o reajuste de 9% no preço médio dos biscoitos no início do período, acompanhando o movimento das indústrias de massas e panificação. Para o fechamento do ano, Conti prevê um aumento de 3,7% a 5,2% na receita de vendas, avançando para algo entre R$ 140 milhões e R$ 142 milhões, cravando nesse caso alta de R$ 7 milhões em relação ao faturamento de 2014. Se for batido, o resultado fica ainda abaixo da inflação prevista para o ano, de 9,34%, de acordo com o Banco Central. Em volume, a previsão é de um incremento em torno de 3%, mostrando um desempenho mais lento em relação ao primeiro semestre, quando as vendas cresciam 4%.
Conti informa que a companhia introduziu neste ano várias estratégias para se manter em crescimento. Ampliou as linhas de biscoitos integrais, as linhas infantis e a oferta de produtos em embalagens para consumo individual, segmentos que ainda crescem dois dígitos por ano, nota o diretor. “Os biscoitos em porções individuais têm mostrado alta de 25% a 30% neste ano”, exemplifica. Essas linhas, por sinal, respondem por 5% a 7% das vendas totais da Bela Vista. As variantes infantis, por sua vez, crescem de 36% a 40% no ano. Atualmente, o carro-chefe da Bela Vista é o biscoito salgado Tuc’s, que representa 50% da receita da empresa.
Segundo o diretor, a companhia adiou para 2016 investimentos em ampliação e modernização da fábrica, localizada na capital paulista. O complexo instalado no bairro do Pari tem capacidade para produzir 100 toneladas de biscoitos por dia e opera 24 horas por dia há dois anos, repassa Conti. “Planejamos fazer um investimento na expansão da unidade nos próximos três anos”, adianta o executivo, sem abrir detalhes. Ele informa apenas que pretende ampliar o potencial do complexo e, se houver grande melhora na demanda, investir em uma fábrica zero quilômetro em 2017 ou 2018.
Os investimentos feitos em 2015 se concentraram nas áreas de marketing e treinamento pessoal. Reeditando o ano anterior, a Bela Vista injetou aproximadamente R$ 11 milhões, orça Conti. Para crescer nos próximos anos, a empresa cogita inclusive formar uma joint venture com outro fabricante do setor, acrescenta ele, sem fornecer mais detalhes. •

Deixe um comentário

Novos Tempos