Chocolate da sorte

Como o KitKat, da Nestlé, virou um amuleto no Japão

Em nenhum outro lugar do mundo o chocolate KitKat, ícone global da Nestlé, possui tantas versões e significados como no Japão. Em dezembro de 2020, para promover um KitKat envelhecido em barril de uísque, a fabricante suíça inseriu na campanha publicitária que as três camadas de wafer do confeito eram recobertas com chocolate de grãos de cacau raros, envelhecidos por 180 dias em barris de uísque da ilha de Islay, a terra sagrada da bebida na Escócia. Mas até chegar a esse grau de sofisticação a marca percorreu uma longa e inusitada trajetória.

Quando o KitKat chegou ao Japão nos anos 1970, foi vendido como um doce exótico britânico, para consumidores que começavam a tomar gosto pelas viagens ao exterior. À época, o candybar pertencia ao portfólio da inglesa Rowntree’s, adquirida ela Nestlé em 1988. Apesar de respaldada pela força do marketing da multinacional, o KitKat encontrou dificuldade para concorrer com guloseimas de marcas locais, como a nipônica Glico.

Na virada do milênio, o escritório regional da Nestlé, em Kobe, descobriu que a melhor forma de impulsionar as vendas era conquistar os estudantes. Pesquisas revelaram que os adolescentes japoneses não curtiam o slogan “Have a break” (“Dê um tempo”). Eles estavam tão estressados com o “juken” – as provas seletivas de alta pressão, importantíssimas para o futuro – que a pausa desejada era um longo descanso, não um mero chocolate. Mas no início dos anos 2000, aconteceu uma virada. As vendas de KitKats na ilha de Kyushu, no sul do Japão, aumentaram entre dezembro e fevereiro. Surgiu uma tendência entre os adolescentes. Os estudantes haviam notado que “KitKat” soava parecido à palavra japonesa “kitto katsu” (“você superará”) e passaram a presentear-se com a barra, como símbolo de boa sorte para superar as provações do juken. As vendas de KitKats dispararam entre os jovens no Japão. Eles redefiniram o chocolate como um “omamori”, um símbolo de boa sorte vendido em templos e santuários. Em janeiro de 2003, uma pesquisa captou que 34% dos adolescentes japoneses disseram que o KitKat era seu segundo amuleto favorito, atrás apenas dos omamoris abençoados por sacerdotes xintoístas genuínos.

A equipe da Nestlé em Kobe estendeu o experimento além do marketing. Enquanto para os consumidores no Reino Unido um KitKat ainda era uma barra de chocolate marrom, a equipe de Kobe criava em 2003 um KitKat cor de rosa, adicionando pó de morango. Depois, fizeram um com pó de matcha (chá verde).

Até hoje, já criaram mais de 300 sabores locais, incluindo de wasabi, molho de soja, saquê e até, em 2017, uma edição limitada com sabor de pastilha para a garganta, para aliviar a rouquidão dos torcedores japoneses de futebol na campanha das eliminatórias para a Copa do Mundo.

Algumas dessas inovações incluíram sabores não japoneses como novidades. A maioria, no entanto, expressava um senso de identidade japonesa por meio da comida. Ao longo do tempo, foram incorporados sabores com identidades regionais, como o de batata doce roxa, de Okinawa, e o de queijo, de Hokkaido. Hoje, eles são vendidos como souvenires (omiyage) para turistas nas estações de trem japonesas.

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