A gourmetização do chocolate
A combinação de descobertas científicas atestando o poder antioxidante de flavonoides contidos no cacau com mudanças nos hábitos, bafejadas pela onda de saudabilidade, busca da boa forma e bem-estar, vem mudando o consumo de chocolate em todo o planeta. No Brasil, a proliferação de itens com diversos percentuais de cacau na formulação da massa pode ser facilmente conferida no trade da categoria. Para Paulo Gonçalves, diretor-presidente da Espirito Cacau, fabricante inserido no filão premium da categoria, a evolução verificada nos últimos anos na ponta do consumo se deve ao maior acesso às informações e ao desenvolvimento da internet e canais digitais, moldando consumidores cada vez mais exigentes. “Todos estão mais informados e a cada dia cresce o número de pessoas que se interessam pelo verso do rótulo e, já que a informação sobre o que faz bem e o que faz mal muda constantemente, o mais importante está se tornando ser natural”, conjectura ele.
Gonçalves observa que gerações passadas sem acesso a itens industrializados, como a de adultos atuais, mesmo com a medicina menos evoluída e vida mais simples, viveram com mais qualidade e menos uso de medicamentos. “Observamos como a vida sem aditivos químicos traz maior equilíbrio e a tendência se reflete em pais orientando os filhos a optarem por alimentos menos industrializados, com menos açúcar e menos gordura, evocando um novo paladar na população ainda jovem”, teoriza o executivo. Para ele, essa mudança pode ser conferida em flagrantes de consumo hoje corriqueiros com adultos oferecendo aos filhos chocolate com maior teor de cacau. Educados desde criança, esses consumidores serão mais propensos a adaptar suas preferências e se tornarem adultos que não “curtem” produtos açucarados, nota Gonçalves.
Entre as desbravadoras do filão de chocolate gourmet no Brasil, a Espírito Cacau produz uma consagrada linha de chocolates premium elaborada com grãos cultivados em fazendas próprias no Espírito Santo, consideradas pioneiras na produção do chamado “cacau de origem” no país (a expressão deriva de DOC/Denominação de Origem Controlada, aplicada à produção vinícola). Criado em 2010 na região de Linhares (ES), o grupo Espírito Cacau engloba duas fazendas, uma fábrica e uma chocolateria, mantendo o controle de todo o processo, desde o plantio do fruto até a elaboração do chocolate (bean to bar process), também exportado para diversos países. A preocupação com a qualidade na produção de cacau nas fazendas São José e Ceará garantiu à marca o segundo lugar no Salon du Chocolat, em Paris, maior vitrine gastronômica da linha gourmet e de origem, além do reconhecimento como Cacau de Excelência na International Cocoa Awards (ICA). O domínio de todo o processo, com execução a cargo da mesma empresa, é o caminho para obtenção de um produto de excelência, sustenta Gonçalves. “Um dos fatores que torna o cacau produzido nas nossas fazendas de qualidade superior, e com certificados de garantia de qualidade, é a tecnologia e o manejo utilizados no processo”, assegura ele, anunciando expansão na linha de chocolates.
Previsto para iniciar operação no fim do ano, a instalação do novo parque fabril está sendo finalizada no município de Serra (ES), a 100 quilômetros de Linhares. Com 3.850 metros quadrados de área construída, a planta amplia a produção atual de 12 para 60 toneladas de barras de chocolate por mês. Com isso a empresa irá ocupar uma importante fatia no mercado, podendo produzir também produtos 100% sem lactose. O projeto conta com investimento de R$ 7,6 milhões, fruto de uma parceria com o programa Invest-ES, do governo do estado do Espírito Santo. No total, os investimentos devem alcançar cerca de R$10 milhões, incluindo a construção, compra de máquinas e desenvolvimentos.
Todo o processo, da colheita à transformação em barras de chocolate, dura em torno de 60 dias, relata Gonçalves. A Espírito Cacau cultiva em Linhares um dos melhores cacauais da América Latina, uma vez que as duas fazendas do grupo estão localizadas às margens do Rio Doce. A produção está na faixa de 240 toneladas (t) por ano e toda safra das fazendas se divide entre exportação e produtos da Espírito Cacau. Toda a linha da chocolateria exibe alto teor de cacau puro e gordura da manteiga de cacau, seguindo padrão de legislação internacional.
Chocolate natureba
Uma das pioneiras no segmento de chocolates funcionais no país, a Chocolife nasceu há 12 anos, quando a demanda de produtos saudáveis ainda engatinhava, rememora Virgínia de Ávila Dias, engenheira de alimentos e CEO da empresa. “Na época, o movimento era mais pelo natural do que pela saudabilidade e o número de interessados em ser um natureba era bem pequeno”, comenta a executiva. De lá para cá, o mais importante, acrescenta ela, foi a troca do conceito. “Antes era importante ser mais natural, porém hoje o alimento saudável, além de ser natural, deve nutrir, incorporando em sua fórmula ingredientes que façam a diferença na saúde e nutrição”, resume a especialista.
Para ela, o açúcar vem se tornando o “grande vilão” e a permissão do uso de gorduras substitutas e equivalentes à manteiga de cacau acabou tirando parte da quantidade de “gordura boa” do chocolate convencional. O produto industrializado se afastou cada vez mais da dieta de quem quer se manter saudável, observa Virgínia. “Mas a tecnologia de ingredientes atual permite desenvolver chocolates compatíveis com as tendências de saudabilidade, levando o público a experimentar, apreciar e incorporar os tipos mais saudáveis à sua dieta”, percebe.
A engenheira de alimentos lembra que a Chocolife estreou com uma versão de tablete com 50% de cacau na formulação. Além do alto teor desse insumo, os primeiros desenvolvimentos da marca trouxeram a adição de fibras, zero açúcar e lactose, além da isenção de glúten e gordura trans naturalmente. “Nosso foco era a retirada de todos os alergênicos, incorporar a gordura boa pura da manteiga de cacau, os antioxidantes do cacau e ainda proporcionar um percentual de fibras que é um claim obrigatório em nossos produtos”, argumenta a diretora. Nesse início de introdução da Chocolife, os consumidores se confundiam com as novidades surgidas no universo da saudabilidade e poucos discerniam o que a marca estava oferecendo, recorda. O carro-chefe das marcas convencionais era o chocolate ao leite e a proposta da Chocolife envolvia um tipo mais amargo do que os tradicionais e ainda por cima sem leite. “Aos poucos, no entanto, tanto o trade como os consumidores foram entendendo e rapidamente criamos em nossa linha um chocolate ainda mais amargo, com 70% de cacau”, sublinha Virgínia.
Ela frisa que a Chocolife adota como critério básico sempre trazer inovação. A empresa utiliza muito o cacau como o ingrediente principal, mas procura incorporar outros benefícios, obtidos de superfrutas, fitoquímicos permitidos em alimentos e fibras. A linha hoje conta com 17 sabores de tabletes de chocolate, divididos em séries com percentuais de cacau que variam de 50% a 70%. Virgínia destaca a versão de 53% de cacau, item com grande benefício que combina quatro tipos de fibras; a de 71%, com superfrutas e a linha à base de whey protein. “Lançamos variações em drageados, temos chocolate em pó também variando desde 100% cacau, achocolatado 45% de cacau e lançamos agora um chocolate cremoso em pó com 71% de cacau”, anuncia. Completam o portfólio variações de produtos proteicos, a exemplo dos shakes de proteína vegetal, e pastas de amendoim e de chocolates em três sabores. Outro item de destaque na linha é o soft sugar, substituto de açúcar para uso culinário de utilização na mesma proporção do açúcar deixando as preparações menos calóricas e mais saudáveis e sem sabor residual de adoçante, informa Virgínia.
Surfando a onda de saudabilidade, a Chocolife cravou em 2017 crescimento de 23% e, para o exercício em curso, a expectativa é fechar o balanço com 45% de avanço, estima a diretora, completando que, para alcançar essa meta, a empresa programou investimento de cerca de R$ 500 mil para apoiar os lançamentos.
Potencial para crescer
Acompanhando outras categorias inseridas no varejo de doces, o filão de chocolate também vem nos últimos anos registrando queda em volume e crescimento em valor. Pelas planilhas da Abicab (Associação Brasileira da Indústria de Chocolate, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados), a produção nacional de chocolate (sob todas as formas, excluindo achocolatados em pó) caiu de 576.000 t em 2012 para 491.000 t no último exercício, cravando queda de 17,5% no período. A cifra bate com o declínio captado pela Euromonitor International na ponta do varejo brasileiro. Segundo a consultoria, as vendas internas de chocolate que, em 2012, totalizaram 313.100 t caíram para 269.200 t em 2017. Já em valores, repassa a Euromonitor, o faturamento da categoria que, em 2012, foi de R$ 11,2 bilhões avançou para R$ 12,5 bilhões no ano passado. Para o atual exercício, no entanto, a consultoria estima crescimento de 2,5% em volume e 5,8% em valor. Projeções da instituição apontam que as vendas de chocolate devem retomar o patamar de 300.000 t em 2023, com receita estimada em R$ 14,5 bilhões (ver quadro à pág. 18).
Terceiro maior produtor de chocolates no mundo, o país ainda exibe potencial para avançar. Cada brasileiro consome, em média, 2,5 quilos/ano do produto, volume que apesar de ser o dobro de dez anos atrás, é quatro vezes menor que o da Suíça, primeira colocada no ranking de consumo per capita global de chocolate, com 8,98 quilos.
Operando próximo ao limite de sua capacidade desde meados da década passada, o setor chocolateiro vinha bombando até 2012. Mudanças nos hábitos de consumo, com os conceitos de saúde e bem-estar em pauta na preferência do consumidor, como perceberam a Espírito Cacau e a Chocolife, efetivamente pesaram na construção desse cenário. A princípio todo o setor, inclusos nichos de especialidades, desfrutaram a demanda em fogo alto. Mas a partir daí, com o quadro agravado pela recessão econômica, a bolha de consumo chocolateiro atingiu a saturação. Por isso, os avanços contabilizados no setor na cena atual são majoritariamente representados pelas marcas de chocolate premium, funcional e de consumo indulgente. Elas, por sinal, puxam o cordão dos desenvolvimentos na ala mais popular, com marcas conhecidas do público incluindo no leque versões enquadradas nas tendências de consumo saudável.
Consumo indulgente
Atentas às mudanças no setor ocorridas nas últimas décadas e a uma demanda hoje muito mais diferenciada, redes de chocolaterias como Cacau Show, Brasil Cacau, Kopenhagen e, com ingresso mais recente, a suíça Lindt (joint venture com o grupo CRM) degustam uma expansão que mudou de vez a concorrência e o chamado consumo indulgente. Pelos radares da Abicab, essas redes especializadas saltaram de 200 lojas para mais de 4 mil na última década. Ganhando cada vez mais espaço e relevância, esse segmento de chocolates premium e de consumo indulgente já se aproxima de 7% da produção nacional, estima a entidade.
Com ascensão fenomenal no setor em 30 anos de atuação, completados no presente exercício, a Cacau Show é hoje a segunda marca de chocolate mais vendida no país, com 9,6% de participação de mercado. Conforme a Euromonitor International, à sua frente figura a Lacta, tradicional grife do varejo nacional hoje pertencente à americana Mondelez International, com fatia de 12,1%. Outra potência no reduto, a suíça Nestlé, que também controla a Garoto, aparece na terceira posição, com 9,7%.
Segundo Alexandre Costa, diretor presidente da Cacau Show, a empresa vai investir cerca de R$ 50 milhões com recursos próprios na abertura de mais pontos de venda (PDVs) de grande porte no país. A primeira megaloja da marca foi aberta no fim de agosto no Morumbi Shopping, na zona Sul de São Paulo. As próximas deverão ser instaladas até dezembro no Jundiaí Shopping, em Jundiaí (SP), e no Barra Shopping Sul, em Porto Alegre (RS), adianta Costa. Até o fim do próximo ano, a empresa pretende atingir a meta de abrir entre 15 e 25 megalojas, repassa o empresário.
Com área em torno de 450 metros quadrados, as unidades demandarão investimento médio de R$ 2 milhões cada, orça Costa. Além da área de exposição, os PDVs possuem cafeteria, onde são oferecidos lanches e bebidas, além de doces (mousses,trufas, bombons artesanais) e confeitos elaborados com o chocolate da marca para venda exclusiva. Em outro espaço nos mesmos locais, informa o dirigente, é possível ver o processamento do cacau e a produção de chocolate, a partir de linhas compactas bean to bar, que exibem toda a fabricação, do grão de cacau ao produto moldado. As unidades também oferecem cursos para adultos e crianças. “Nas lojas especialmente desenhadas para franquias, de 30 metros quadrados, não é possível oferecer uma experiência completa “, frisa Costa.
Ele sublinha que a meta é abrir pelo menos uma megaloja em cada cidade de grande porte no país. No alvo estão shopping centers, que atendem principalmente públicos das classes A/B e com alto fluxo de visitantes.
Em relação às lojas de franquia, Costa planeja chegar a 4 mil lojas no país. Atualmente, a rede possui 2.167 unidades. Neste ano, serão inaugurados 206 PDVs e a expectativa é movimentar R$ 3,9 bilhões, 20% mais do que em 2017. ■
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