Celeiro global
Em período recente, enquanto a demanda mundial de commodities agrícolas se manteve em alta, o Brasil foi um dos países preferenciais para receber investimentos. Principalmente, pelas dimensões do potencial para cultivo de lavouras básicas. Tais recursos foram canalizados para o agronegócio alimentar, assegurando fartura de matérias-primas e ingredientes. Assim, o suprimento de insumos indispensáveis à industrialização de chocolates, biscoitos e confeitos (confectionery) foi crucial para conferir competitividade às linhas de manufaturados. Gargalos no fornecimento eram contornados por fontes do exterior, com impactos previsíveis nos custos domésticos. Mas com o PIB em queda por dois anos consecutivos, esse cenário se transformou.
Entre as diversas atividades ligadas ao agronegócio, o país também se destaca no circuito mundial de cacau e açúcar, insumos fundamentais para o setor de confectionery. Escorada nessa base e na abundância de derivados e especialidades, como glicose, frutose, ácido cítrico, óleos e estabilizantes, a indústria se dedica ao aprimoramento e manutenção da qualidade dos produtos nacionais. No campo agroindustrial, as culturas que reabastecem a fabricação desses itens avançaram em ritmo acentuado, sobretudo nas últimas décadas. Atraídos por oportunidades indisponíveis em outras partes do globo, corporações internacionais injetaram investimentos diretos no país e esse capital moldou o perfil de diversas atividades.
Número um global na produção e exportação de açúcar, o Brasil polarizou as atenções dos grandes grupos investidores. Estudos sobre a atividade sucroalcooleira brasileira indicam que o setor passou por profunda reestruturação nos últimos 20-30 anos. Apenas no período inicial desse processo, entre 1997 a 2002, dezenas de usinas de açúcar e álcool, a maioria no Centro-Sul brasileiro – maior região produtora de cana-de-açúcar – , fundiram-se ou foram adquiridas por grupos locais e internacionais. Durante a última década, o setor sofreu altos e baixos, com o boom do período, entre 2003 e 2009, seguido de crise e estagnação nos anos de 2010 a 2014.
Conforme levantamento do setor sucroenergético, a atividade açucareira nacional movimenta cerca de R$ 60 bilhões anuais, montante equivalente a 2% do PIB – ou mais de R$ 100 bilhões, considerados todos os segmentos da cadeia da cana. Além de maior produtor mundial de cana-de-açúcar, o Brasil é o principal país do mundo a implantar, em larga escala, o álcool como combustível renovável e alternativo ao petróleo. O parque nacional exibe centenas de instalações entre usinas e destilarias, sendo a maior parcela no Centro-Sul. O restante se espalha pelo Norte e Nordeste, sustentando mais de mil municípios.
O Brasil lidera a produção mundial de açúcar, desde a safra de 1994/1995, embora tenha sido momentaneamente superado pela Índia, reassumindo a ponta do ranking nas colheitas seguintes. Ao atingir o pico de 19,3 milhões de toneladas (t) de açúcar na safra canavieira de 1999/2000, que ficou em torno de 315 milhões de t, não conseguiu ir além de 16,1 milhões de t de açúcar em 2000/2001. A reabilitação total veio com a safra de 2002/2003, que acusou crescimento na faixa de 18% sobre o período anterior (19 milhões de t), totalizando 22,4 milhões de t de açúcar, para uma produção de cana em torno de 320 milhões de t. A curva ascendente, no entanto, foi interrompida na safra de 2005/2006, com produção de 26 milhões de t obtidas a partir da moagem de 385 milhões de t de cana, registrando queda de 2% sobre os volumes de 2004/2005. O avanço da produção, no entanto, retomou o pulso na safra seguinte, com 30 milhões de t de açúcar (15-16% mais do em 2005/2006) produzidas a partir de um total de 427 milhões de t de cana, resultado 9% superior ao anterior, e vem consecutivamente assinalando altas.
Segundo a JOB Economia e Planejamento, consultoria especializada no setor sucroalcooleiro, a safra de cana-de-açúcar 2018/2019 no Centro-Sul do Brasil apresenta volumes ligeiramente acima dos previstos. O rendimento industrial foi favorecido pelo clima seco dos meses iniciais da safra, mas o rendimento agrícola, em contrapartida, foi prejudicado.
Em resumo, o mix alcooleiro da safra na região ficará em torno de 64-65%. A moagem de cana deve atingir algo em torno de 560-570 milhões de t. A produção de açúcar no Centro-Sul deve alcançar um nível entre 26,0-26,5 milhões de t.
Produção de açúcar acima do estimado implica em exportações no Centro-Sul 4,4% acima da previsão de 16 milhões de t.
A produção de etanol deverá ficará em torno 30,0 bilhões de litros. Mesmo com registro de recorde, a produção segue ainda longe de atender a demanda potencial do combustível. No caso do etanol, a produção acima do previsto eleva a disponibilidade para o mercado interno e exportações, inibindo a recuperação de preços.
Já a estimativa para o Norte-Nordeste é de uma moagem de cana de 47 milhões de t. Para o açúcar, são aguardadas 2,7 milhões de t e para o etanol, 2,0 bilhões de litros.
Em relação ao mercado externo de açúcar, no curto prazo, o excesso de oferta global nesta safra de 2018/19 vem se reduzindo, conforme as previsões iniciais. No início da colheitas, a estimativa de superávit mundial oscilava em torno de 7 milhões de t e, atualmente, se situa em 1,7 milhão de t. O efeito inibidor da produção devido a preços baixos afetou para menos a safra de açúcar na União Europeia, Índia, Tailândia e, principalmente, no Brasil.
A JOB Economia tem admitido em seu relatórios, desde o início da safra, a constatação atual de superávits decrescentes em função de preços baixos e clima imperfeito. Observa-se assim uma oferta menor que a prevista e suporte para alguma recuperação de preços.
Cacau em alta
Produtores brasileiros de cacau tiveram motivos para festejar o exercício de 2018. Depois de dois anos de forte estiagem, derrubando a colheita na Bahia, maior estado produtor da amêndoa, além do aumento da colheita, os preços pagos pelas indústrias processadoras de cacau aos agricultores também registraram recuperação. Segundo a TH Consultoria, de Salvador (BA), a receita proveniente da produção deve totalizar R$ 1,9 bilhão, cravando um crescimento de 64,1% em relação ao período anterior. A maior parte desse aumento foi puxada pela alta do preço médio recebido pelos produtores, de 34,9%, elevando a cotação para R$ 142,44 a arroba. Pelas planilhas da consultoria, essa variação refletiu tanto o movimento do câmbio, com a alta do dólar ao longo do ano, quanto a elevação dos preços futuros da amêndoa na Bolsa de Nova York.
Estimativas da TH indicam que a colheita avançou 21,7%, para 198,2 mil t, com altas na produção da Bahia e do Pará, regiões que lideram o ranking nacional. A Bahia voltou a ser o maior Estado produtor de cacau, após perder a liderança para o Pará em 2017. Em 2018, foram colhidas nas lavouras baianas 125,2 mil toneladas, cravando um incremento de 26%. A base de comparação, no entanto, é baixa e o volume ainda é menor do que a média registrada em anos anteriores. Entre 2012 a 2015, a produção anual média baiana atingiu 155 mil toneladas.
O preço médio recebido pelos cacauicultores da Bahia subiu 34,5%, para R$ 144,90 a arroba. Dessa forma, a receita da atividade na Bahia aumentou quase 70% no ano passado em relação a 2017, contabilizando saldo de R$ 1,2 bilhão. Foi a segunda maior receita nominal da história.
Com colheita em torno de 73 mil t, o Pará acusou um crescimento de 14,9%. O volume, no entanto, não superou o resultado de 2015, quando o Estado atingiu um recorde. O preço pago ao produtor paraense subiu 35,2%, para R$ 138,06 a arroba. Dessa forma, a receita da atividade no Pará subiu 55,3%, para R$ 671,5 milhões, registrando um recorde nominal.
Apesar de o cenário para 2019 ainda ser incerto, a TH Consultoria observa que o clima para a safra temporã, colhida de maio a julho, é favorável.
As indústrias processadoras de cacau instaladas no Brasil, por sua vez, aumentaram ligeiramente a moagem da amêndoa no último trimestre de 2018 na comparação com o mesmo período do ano anterior. De acordo com os radares da consultoria, foram processadas 60.588 t de cacau de outubro a dezembro, cravando alta de 0,5%. Em relação ao terceiro trimestre de 2018, o crescimento foi de 0,7%. Em geral, a moagem do último trimestre é habitualmente maior por conta da demanda de chocolate das festas de fim de ano.
Apenas em dezembro, a moagem caiu 4,4% na comparação com o mesmo mês de 2017, para 19.370 t. Em relação a novembro, o volume foi 4,1% menor.
Ainda segundo a TH Consultoria, o volume de cacau recebido pelas indústrias em todos os Estados na semana móvel encerrada em 6 de janeiro ficou em 1.404 toneladas, queda de 119% na comparação com o mesmo período da safra passada (2017/18).
Do início da safra atual (2018/19) até janeiro, as indústrias receberam 169.335 t de cacau produzidas no país e 24.834 t vindas do exterior. No acumulado do mesmo período da safra passada, as indústrias haviam recebido 124.459 t de cacau nacional e 657.728 t de cacau importado.
Por conta de indicadores como esses, a Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC) reforça a importância de se fortalecerem os mecanismos que ajudem o país a retomar o crescimento da produção e de moagem de cacau no Brasil. A entidade representa 97% do parque processador de cacau do país, gerando mais de 4.200 empregos diretos nas cinco fábricas instaladas na Bahia e em São Paulo. As empresas associadas à AIPC (Barry Callebaut, Cargill, Indeca e Olam/Joanes) instalaram-se no Brasil há mais de 40 anos, quando havia abundância de cacau e grandes excedentes de exportação. A cadeia de cacau e chocolates participa do PIB brasileiro com mais de R$ 20 bilhões.
Iniciativa já conhecida no oeste da África, o Cocoa Action foi lançado em outubro no Brasil, em evento promovido pela World Cocoa Foundation (WCF). Trata-se de um programa de coalizão entre agricultores, indústrias, governo federal, Estados produtores e organizações não governamentais, com o objetivo de unir esforços para garantir o desenvolvimento sustentável da produção. Segundo a AIPC, a iniciativa pretende coordenar esforços para aumentar a produção, garantir renda aos produtores, erradicar o trabalho infantil e promover a igualdade de gênero no campo, além de combater o desmatamento.
O Cocoa Action começou na África como uma resposta do setor cacaueiro, após denúncias de trabalho escravo e infantil nas lavouras, principalmente na Costa do Marfim, maior produtor mundial de cacau. Atualmente, o foco principal do movimento em escala global tem sido na redução da pobreza no campo. No oeste da África, uma nova preocupação é o desmatamento relacionado à expansão da cacauicultura.
No Brasil, o esforço principal do programa será promover o aumento da produtividade nos cacauais, que têm sofrido nos últimos anos por conta de intensos períodos de seca na Bahia. A iniciativa tem prazo de cinco anos para que os diferentes atores do segmento criem um fórum institucional, realizem um planejamento do segmento e arbitrem questões dentro da cadeia – a exemplo do que já acontece no setor de cana-de-açúcar. Entidades do setor público e privado envolvidas no Cocoa Action Brasil deverão ainda se reunir para traçar um planejamento financeiro e avaliar de onde virão os recursos e como serão investidos.
Insumos básicos
Com abastecimento confortável na ala de corantes, aromas e fragrâncias, o Brasil também conta com a cobertura de cerca de meia centena de fabricantes, entre os quais as maiores potências globais dessas especialidades. Das grifes presentes no país, sobressaem, por exemplo, as internacionais Ingredion, IFF, Mane, Tate &Lyle, Firmenich, Givaudan-Roure, Robertet, Symrise, Takasago, Quest, Danisco, Chr. Hansen, Kerry, Saporiti, Dohler e Cargill, além das nacionais Duas Rodas, Vittaflavor, YSC, All Flavors e Proaroma, entre outras. Esse quadro comporta ainda distribuidoras e tradings que abastecem a indústria de confeitos, tais como a Domondo, Mastersense, Pluriquímica, Daxia, Organa, Sweet Mix, Grasse, M.Cassab, Nutra Max, Indukern, Labonathus, Tovani Benzaquen e Vogler. No flanco dos insumos especiais e edulcorantes sobressaem a Ajinomoto, Gelita South América, Gelco, Rousselot, Naturex, Nexira e Beneo-Orafti.
No filão de insumos para as cadeias de alimentos e bebidas, a movimentação em 2018 foi polarizada pela Duas Rodas. Fonte de aromas e ingredientes, a companhia cumpriu mais uma etapa de sua estratégia de expansão na América Latina, inaugurando em novembro as novas instalações de sua fábrica na Colômbia. O investimento em torno de R$ 400 milhões, iniciado em 2015 e que incluiu a implantação de um centro de tecnologia e inovação (CTI) na unidade da Mix em julho em São Paulo, vai permitir dobrar a capacidade de produção da unidade colombiana. Além de aromas, extratos e desidratados, condimentos e aditivos, a Duas Rodas produz chocolate e ingredientes para sorvetes e confeitaria. Operando há mais de 93 anos o mercado global de alimentos e bebidas, a companhia tem presença em mais de 30 países, que respondem por 14% da receita geral.
Com mais de 2 mil metros quadrados de área construída na região metropolitana de Medellín, em um condomínio industrial do município de La Estrella, as instalações da unidade colombiana foram projetadas para unificar e otimizar todos os setores. Com a ampliação dos espaços destinados às seções fabris, ao almoxarifado, estocagem e distribuição, a nova unidade também sincroniza as áreas voltadas para as atividades administrativo-financeiras e laboratórios de pesquisa e desenvolvimento.
Em paralelo às obras civis, a empresa investiu na automatização de máquinas e equipamentos e na aquisição de linhas de maior produtividade. A fábrica foi dessa forma estruturada dentro do conceito Lean Manufacturing (manufatura enxuta), com a aplicação da ferramenta de mapeamento do fluxo de valor (VSM/Value Stream Mapping), que promove a otimização de layouts e processos, com o objetivo de melhorar e dar velocidade à logística e à produção, tornando os produtos mais competitivos e reduzindo o tempo de entrega. As instalações foram ainda projetadas e executadas dentro de conceitos que atendem às exigências da certificação internacional FSSC 22000, de segurança de alimentos.
A unidade colombiana da Duas Rodas produz, atualmente, aromas líquidos, aromas em pó, frutas em pó, turvadores, e misturas em pó para frigoríficos e de corantes. Com a ampliação do parque fabril e a incorporação de tecnologia atualizada, a empresa contará com uma linha completa de emulsões para bebidas e passará a fabricar localmente produtos como emulsificantes em pastas, coberturas, recheios e preparados para iogurtes.
Nos últimos três anos, a companhia inclusa no seleto clube de multinacionais brasileiras bancou importantes investimentos no exterior, com a inauguração de plantas na Argentina, em 2015, e no Chile, em 2017, além da duplicação da filial no México, no início de 2018.
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