Responsável pela regulamentação de alimentos e medicamentos nos EUA, a agência FDA (Food and Drugs Administration) anunciou em junho passado que empresas do ramo alimentício naquele país devem eliminar as gorduras hidrogenadas até 2018. O foco principal da determinação é a diminuição de doenças cardiovasculares. Setores como os de biscoitos, margarinas, guloseimas doces, pipocas para micro-ondas, coberturas, sorvetes e panificação em geral foram imediatamente submetidas à regra. E, portanto, devem abolir a utilização de óleos parcialmente hidrogenados, até então uma de suas principais matérias-primas.
Órgãos da saúde em diversas partes do globo, inclusive do Brasil, comemoraram a decisão, pois desde os anos 1990 estudos científicos fazem a associação direta entre as principais doenças do coração e o consumo excessivo de produtos contendo, por exemplo, gordura trans, derivada do processo de hidrogenação. Foi por determinação de órgãos como a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que, na última década, foi constatada a redução em 86% do uso da gordura trans em alimentos no Brasil, processo ainda em curso em várias categorias de alimentos.
Um dos setores beneficiados com esse movimento é a produção da palma, principal substituto dos óleos parcialmente hidrogenados. Por se tratar de uma gordura natural, ela tem seu ponto de fusão em 34°C, tornando-se gordura quando em temperaturas mais brandas.
“O mercado já esperava essa determinação, pois muitas indústrias já vinham procurando substituir os óleos hidrogenados pela gordura de palma. Após o anúncio, foi possível notar um aumento considerável na procura da gordura de palma”, argumenta o diretor Michel Aboissa, que há 10 anos lidera a unidade Palm & Lauric, especializada em óleo de palma e derivados na Aboissa.
Nos últimos anos, a indústria de óleos e gorduras vem na realidade trabalhando em diversas frentes, buscando desenvolver soluções mais saudáveis, sustentáveis e com melhor funcionalidade e desempenho. No âmbito da saudabilidade, o principal foco tem sido a redução ou eliminação das gorduras trans, assim como a redução de gorduras saturadas. Porém, existem também iniciativas de enriquecimento de gorduras com nutrientes (vitaminas, ômega 3) e mesmo a busca por produtos “clean label”, com a eliminação de aditivos e de componentes hidrogenados, observa Marcos Guirardello, diretor técnico da unidade de negócio Foods da Cargill. Na ala da sustentabilidade, segue ele, uma série de iniciativas têm sido implementada com o objetivo de certificar que as matérias-primas utilizadas não agridem o meio ambiente e as comunidades locais, a exemplo da certificação RSPO (Roundtable on Sustainable Palm Oil) para a palma. Além disso, prossegue a busca de fontes orgânicas para as matérias-primas oleaginosas. “Em funcionalidade e desempenho, o objetivo é desenvolver soluções mais estáveis, com melhores características sensoriais (sabor, derretimento na boca) e reológicas”, completa Guirardello. Para ele, os segmentos de doces e snacks são diretamente beneficiados por todas essas iniciativas, com particular destaque para as soluções de redução de trans e saturados e de melhorias na funcionalidade em aplicações na indústria e também nos momentos de consumo.
Os avanços mais significativos, frisa o diretor da Cargill, envolvem o desenvolvimento de soluções saudáveis que apresentem, ao mesmo tempo, bom desempenho industrial e no produto acabado, sem afetar sua aceitação sensorial e prazo de validade (shelf life). Os consumidores têm buscado cada vez mais alimentos que conciliem sabor, praticidade e saudabilidade. Evidentemente que o consumo de gordura se enquadra entre as preocupações na escolha dos produtos. Além da busca de alimentos sem gorduras trans, também há uma preocupação com o consumo das gorduras saturadas que, por sua vez, têm características necessárias para alguns tipos de aplicações industriais, principalmente as que requerem estrutura (consistência), lembra Guirardello.
Desafios da indústria
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda para pessoas sadias que até 30% da ingestão diária de calorias seja proveniente de gorduras. Desse total, o consumo de gorduras saturadas deve ser menor que 10%. “Um dos desafios dos fabricantes de alimentos é, portanto, reduzir a quantidade de gorduras saturadas nos produtos, mantendo as mesmas características de sabor e textura originais”, sublinha o diretor técnico. Atenta a isso, acrescenta ele, a Cargill estabeleceu uma parceria com a Universidade de Campinas (Unicamp), que permitiu transformar o conhecimento acadêmico na solução Lévia+e, uma gordura para alimentos com quantidade reduzida de saturada a um preço competitivo.
Segundo o especialista, trata-se de uma solução baixo trans e baixo saturados, 100% lipídica, que apresenta a mesma estrutura física de uma gordura tradicional nos atributos consistência e textura, mas com um conteúdo de gorduras saturadas significativamente reduzido. “Seu teor de saturados pode variar de 25% a 35%, dependendo da aplicação, enquanto que as diferentes soluções existentes possuem valores que variam entre 65% a 45%”, ele compara. Além de rápida cristalização, o Lévia+e exibe alta estabilidade no produto acabado, com ótimo derretimento e redução da cerosidade encontrada em gorduras tradicionais. “Pode ser aplicada em itens que requerem estrutura, tais como recheios de biscoito, sorvetes, bolos, panetones e recheios de bombons, entre outros”, orienta Guirardello.
Na Triângulo Alimentos, o gerente industrial Eduardo Bonini Junior informa que os trabalhos se concentram no desenvolvimento de soluções com produtos fracionados para todas as áreas de aplicação, bem como opções formuladas com óleos especiais (canola, milho, girassol, girassol alto oleico e algodão). “Temos oferecido, principalmente aos segmentos de biscoitos e guloseimas, alternativas para a solução de dificuldades no processo que também atendam às legislações e recomendações atuais”, grifa o executivo. Além disso, complementa ele, a empresa tem fechado o foco na atualização dos métodos de gestão, direcionados a requisitos e necessidades desses clientes, além de intensificar o aumento de produtividade. “Ações de melhoria contínua têm por objetivo elevar o valor percebido das nossas marcas, com fabricação de itens tecnicamente estáveis e com alta performance, complementadas com atendimento especial e ágil”, sustenta Bonini Junior.
Quanto ao impacto local da medida do FDA, ele já vinha percebendo forte demanda por produtos com teores reduzidos de ácidos graxos saturados e também por ingredientes isentos de PHO (partially hidrogenated oils), em atenção às recomendações da agência americana. Para o gerente da Triângulo, o cenário é favorável a formulações com óleos especiais para atender as demandas de baixos saturados, assim como frações do óleo de palma, que são usadas em formulações de gorduras nutricionalmente melhores, e com menor perda de desempenho possível nos processos de fabricação de alimentos, como biscoitos e recheios.
Soluções técnicas
Entre os avanços mais significativos em óleos e gorduras, Bonini Junior inclui os processos com enzimas. “São a última tendência pois, além de versáteis, exigindo condições de processos menos drásticas, resultam em produtos finais de melhor qualidade físico-química e ambiental”, ressalta, destacando entre as variantes dessa tecnologia a degomagem enzimática, a interesterificação enzimática e os processos de fermentação controladas com microalgas, para produção de óleos vegetais a partir de açúcares.
Com relação a tendências como a de saúde e bem-estar, ele destaca o aumento das demandas por substituição de antioxidantes sintéticos (BHT, BHA e TBHQ) por outros de fontes naturais, sinalizando que as indústrias estão intensificando a agregação de saudabilidade aos seus produtos.
Para Bonini Junior, existem excelentes soluções técnicas à base de palmiste e frações de palma para aplicação em coberturas (chocolate industrial). “Particularmente, somos a favor de oferecer o máximo de opções possível, de modo que se analisem os custos e os benefícios, escolhendo-se a melhor alternativa. Considerando, por exemplo, a tendência de escassez da manteiga de cacau no futuro, entendemos que clientes devem ter alternativas que, se tecnicamente aprovadas, possam suprir as demandas desse mercado altamente volátil”, comenta.
Defensor da palma, Michel Aboissa salienta que a substituição da hidrogenação pela gordura de palma não fica só no “zero trans”. Com o uso dessa planta, além de um produto final mais saudável, obtém-se também uma textura mais saborosa. A indústria de palma, observa ele, já previa a determinação da FDA e, por isso, não ficou parada. Já há alguns anos, foram feitos pesados investimentos nessa matéria-prima para a melhoria de seus derivados. Além de buscar atender às regulamentações, eles visavam aperfeiçoar atributos de qualidade, resistência, rancificação, sabor, aroma, textura, cor, sensibilidade à luz, ponto de fusão, curvas de sólidos, ácidos graxos, valor de iodo, estabilidade e plasticidade, entre outros. “Todos esses fatores são importantes para se obter uma gordura que atenda determinada aplicação, não existindo uma gordura boa ou ruim. O que existe é a gordura certa para determinada aplicação”, assinala Aboissa.
Fritura sustentável
No passado, lembra o executivo, algumas entidades chegaram a condenar a cultura da palma ao redor do mundo, alegando que produtores e incentivadores de seu consumo estariam colaborando para o desmatamento global. “Atualmente, no entanto, as indústrias são frequentemente vistoriadas e seguem padrões rígidos de produção, com foco na sustentabilidade ambiental e do próprio negócio, cuidando, inclusive, de sua imagem frente ao consumidor, aos concorrentes e ao governo”, frisa.
Maior produtor individual de óleo de palma da América Latina, a Agropalma se insere entre os modelos na produção do insumo, sendo a única no mercado de food service do país a apresentar uma gordura para fritura sustentável certificada pela RSPO, repassa Marcello Brito, diretor comercial da companhia. “Além de produção sustentável certificada, a gordura para fritura Doratta Fry ganha o reforço do selo Fritura Limpa, assegurando que etapas da elaboração do óleo de palma são realizadas em bases sustentáveis, comprovadas por certificações nacionais e internacionais, em respeito ao meio ambiente”, enfatiza o executivo.
O selo Fritura Limpa, acrescenta o diretor, reforça o compromisso da instituição que utiliza o óleo Doratta Fry com a natureza e comprova para o consumidor que o estabelecimento escolhido para a sua alimentação utiliza um produto confiável e mais saudável, tanto para ele como para o ecossistema. Um dos objetivos da empresa é estimular as pessoas a se preocuparem em realizar refeições equilibradas e buscar um maior conhecimento sobre a qualidade e a procedência dos alimentos, comenta Brito.
Ele detalha que o certificado da RSPO determina princípios e critérios específicos para a produção sustentável do óleo de palma no mundo, conferindo maior confiabilidade ao produto. “Devido à excelência desse processo fabril, o óleo não libera cheiro, fumaça ou espuma durante a fritura e apresenta alto teor de pureza”, enfatiza. Durabilidade e alto rendimento são outros atributos encontrados no produto da Agropalma, também exclusivo no mercado, livre de gorduras hidrogenada e trans, com textura semissólida e rica em vitamina E. “Como a gordura de palma é mais pastosa, proporciona fácil manuseio aos operadores das redes de food service, evitando desperdícios”, nota o dirigente. •