Se piorar, melhora

Atacadistas apostam no aperto econômico para a redenção das vendas de balas e caramelos
Balas e caramelos demanda cresce em tempos de crise econômica.

Embora em fase de superação, a acomodação no setor de balas e candies em geral foi responsável por um declínio na demanda que deixou marcas no trade da categoria. O cenário no final dos anos 2000 mostra as indústrias do segmento tentando superar a imobilidade nas vendas domésticas da década anterior, com investimentos na modernização do parque industrial e apostas em linhas de maior valor agregado. Essa mudança se materializou em itens de qualidade reconhecida pelo consumidor e custos e preços em ponto de equilíbrio, conduzindo a uma recomposição ainda em curso das margens do setor. Enquanto os volumes foram paulatinamente diminuindo o ritmo, a receita desenhou trajetória inversa.
Dados da Euromonitor International captam que, em 2009, a demanda de confeitos açucarados (sugar confectionery) correspondia a um faturamento geral de R$ 6,013 bilhões. No ano passado, indica a mesma fonte, as vendas no varejo da categoria atingiram R$ 8,03 bilhões, projetando, para 2019, uma alta de 10,5%, totalizando R$ 8,87 bilhões (ver quadro à pág. 18). Em balas de goma, de gelatina e pastilhas, o consumo brasileiro cinco anos atrás somou R$ 1,3 bilhão, faturamento que bateu em R$ 2,2 bilhões no ano passado e projeta alta de 14,4% nos próximos cinco anos, com vendas na faixa de R$ 2,5 bilhões. Já o segmento de toffees e caramelos que, em 2009, somou R$ 383 milhões, fechou 2014 com R$ 729 milhões e deve avançar 31,7% no próximo quinquênio, totalizando R$ 961 milhões.
Do ponto de vista dos fabricantes, a inovação é hoje em dia o principal catalisador dos projetos de expansão nas linhas de produção, desenvolvimentos e marketing. É assim que a indústria de balas, pirulitos e caramelos, entre outras variantes, vem conseguindo sobrepujar a estagnação dominante no passado. No momento as empresas ainda se empenham em sacudir a estabilidade, com modernização e linhas de melhor relação qualidade/preço. “A demanda de balas e linhas derivadas nunca deixou de ser pulsante no setor atacadista doceiro, mas ultimamente vem mantendo baixo crescimento”, avalia Fausto Cruz, diretor da rede atacadista Mano’s, com quatro unidades na zona leste de São Paulo.
Para o comerciante, as variantes de balas, caramelos e drops ainda ocupam lugar de destaque no ranking informal das vendas em sua operação, atrás de linhas de chocolate, doces em geral e salgadinhos, trio que atualmente puxa a demanda de doces nos atacados. Sem grandes novidades nas formulações e apresentações, as linhas de balas consideradas commodities seguem com vendas subnutridas sustentadas de um lado pela consolidação de hábitos da população de baixa renda e composição do mix no pequeno varejo como moeda de troco. De outro lado, movimentam os pedidos pelos custos mantidos na faixa de R$ 3,99 a R$ 4,80 o pacote, contra índices na faixa de R$ 8,00 a R$ 10,00 o pacote de linhas de balas e caramelos premium. “Em ambos os casos, atendem a um consumo persistente, que tende a crescer em tempos de inflação e vagas magras, como o previsto para este ano”, especula Cruz.
Com ampliações bancadas em 2014, a Mano’s Doces cravou alta de 8-10% em vendas e volumes, embora com lucratividade menor em função da alta concorrência. “Inauguramos a unidade de Vila Ré e, por enquanto, seguimos sem planos concretos para uma sequência. Mas se o segundo semestre for favorável, partimos para a sexta filial”, garante Cruz, acenando com a instalação ainda este ano de operações de padaria e confeitaria nos atacados da rede. “Nesse caso, queremos atender mais que o desejo, mas uma necessidade da clientela desses bairros, que há tempos pede a implantação de uma estrutura de panificação nas lojas”, assinala o atacadista. Sem prognósticos concretos para 2015, ele frisa que sempre é difícil estabelecer metas no primeiro semestre do ano por conta das flutuações típicas do período. “Inicialmente são as despesas de Natal e ano novo e dívidas do período anterior, depois incrementadas com os impostos e gastos com matrícula e volta às aulas, que sacodem o orçamento das famílias, estabilizando apenas na virada do semestre”, percebe ele. Descontada a Páscoa, além da redução no movimento geral do comércio, o clima econômico atual impõe incertezas. “Com esse cenário, projeto 10% e se crescer 5% estou feliz”, argumenta Cruz.
Na Bom Baiano Distribuidora de Doces, atacado de cash and carry com unidades no Centro de São Paulo e na Lapa de Baixo, zona oeste paulistana, o diretor Alcides Fernandes também aposta numa recuperação do reduto que comporta as categorias de balas e candies. No passado, rememora ele, elas foram campeãs absolutas de vendas, hoje superadas por linhas de melhor relação qualidade/preço, diversidade e, inclusive, praticidade, a exemplo de variantes de salgadinhos tipo snacks e chocolates e bombons. “Antes pouco acessíveis à população em geral, os snacks e linhas de tabletes e bombons hoje em dia cabem no bolso do brasileiro e, em muitos casos, consolidaram o hábito de consumir essas guloseimas dentro e fora de casa, além de outros momentos como no trabalho ou escola, nos trajetos pela cidade”, observa o comerciante.
Outra ameaça que pode favorecer o segmento de balas e caramelos é o repasse iminente de custos na tabela vigente, estimado por Fernandes na faixa de 10%. “Quando o consumidor precisa apertar o cinto, apela para linhas de produtos de menor valor, como as balas e doces populares”, assinala o atacadista. Ele comenta que a queda de 15-20% nas vendas de balas, chicles e pirulitos no primeiro trimestre foram compensadas com alta acima de 20% na demanda de chocolates e snacks. “Mas se houver um aumento muito expressivo nos preços finais, o consumo se volta para os itens mais em conta, com grande possibilidade de elevação nas vendas de balas”, considera Fernandes.
Somando as duas operações, a Bom Baiano totaliza mais de 4 mil metros quadrados de área de venda e disponibiliza um portfólio de mais de 4 mil itens. Apenas pela matriz, na rua Brigadeiro Tobias, centro de São Paulo, passam de 1.500 a 2 mil pessoas diariamente, contabiliza o atacadista.

Cadastro ativo
Com mix direcionado ao filão de fabricantes artesanais de chocolates e doces, o atacado Bondinho ainda mantém prateleiras recheadas de balas e linhas derivadas por conta da demanda de uma parcela mais tradicional da clientela da loja. “Embora nosso perfil de cliente inclua a doceira, o chef ou a microindústria de chocolate, temos um cadastro ativo de donos de bares e pequenos varejos, que compõem o mix com itens mais convencionais, como balas mastigáveis, caramelos e gomas de mascar”, argumenta Cadu Heilberg, diretor do atacarejo estabelecido no bairo paulistano do Sumaré.
Ainda no vácuo causado pelas vendas de Páscoa, o Bondinho reorganiza o mix da loja para um eventual aumento nas vendas por conta da aproximação das Festas Juninas e demais datas que aceleram o consumo de doces, como o Dia da Criança e Halloween, no segundo semestre. “No ano passado, com a Copa do Mundo e as eleições o movimento ficou muito prejudicado. Não esperamos uma explosão nas vendas, mas o retorno à normalidade”, argumenta Heilberg, concordando com a opinião geral dos atacadistas de que em épocas de crise a demanda cresce do lado do empreendedorismo doceiro.
Uma das facetas do recente boom na demanda de chocolate foi o avanço dessa atividade artesanal. Quem é do ramo sabe que esse movimento foi possível graças aos cursos culinários até hoje promovidos nos atacados doceiros espalhados por todo o país. Entre os pioneiros nessa ala, o Bondinho sobressai por dedicar especial atenção ao chamado filão gourmet, suprindo com chocolates finos chefs de pâtisserie de restaurantes, hotéis e catering, além de fabricantes artesanais de variados portes. “Fazemos um trabalho forte com fornecedores de chocolate e coberturas, promovendo cursos para profissionalizar cada vez mais essa atividade”, enfatiza Heilberg. Há quatro anos no comando do estabelecimento, ele e sua irmã, a chef Alê Heilberg, transformaram o perfil da loja, que operou como balcão atacadista convencional de candies por mais de três décadas.
Hoje a venda de chocolate, com mais de 8.000 itens na forma de coberturas, compounds, pasta americana e artigos de confeitaria, abocanha de 60% a 80% das vendas do Bondinho, cabendo o restante a itens como moldes, embalagens e apetrechos para confeitaria, detalha o empresário. “Para não desfigurar o negócio também operamos a venda de linhas de confeitos, como balas, bombons e chicles, mas definitivamente estamos focados na atividade chocolateira”, observa ele, estimando o giro de chocolates em cerca de 3-4 toneladas mensais.
Um dos diferenciais da operação atual tem origem nas parcerias com fornecedores, que incluem ações promocionais inusitadas, como visitas a fábricas de chocolate. “Faz parte do aprendizado que é repassado através dos cursos culinários e tem por objetivo, além de ilustrar a parte didática, motivar o cliente”, comenta Heilberg.
A clientela atual do Bondinho também é outra. Até a entrada em cena dos atuais dirigentes era basicamente formada por pequenos varejistas e donas de casa interessadas em aumentar a receita doméstica. “Todos perceberam que o nosso mix é diferente, com ênfase em artigos finos de confeitaria, muita pasta americana e, sobretudo, chocolate da melhor procedência e qualidade”, argumenta Heilberg. Foi no boca a boca, ele situa, que aos poucos clientes com outro perfil, como chefs de restaurantes, cujo consumo não justifica compras diretas dos fornecedores, foram encorpando o cadastro do Bondinho. “O estabelecimento mudou radicalmente nos últimos anos. Enfatizamos muito hoje em dia a pauta de serviços e atendimento, pois de produtos regulares todos os atacados dispõem”, sublinha.
Além de bancar os cursos regulares, em parceria com fabricantes de coberturas e artigos de confeitaria, o Bondinho inova ao disponibilizar a sua infra de aulas (cozinha e auditório) para a própria clientela. “Nossos clientes podem assim convidar os seus clientes para apresentações e cursos rápidos, sem custo algum, bastando apenas sincronizar a agenda com a loja”, explica Heilberg. •

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