Hora de voltar ao básico

A visão de quem vê oportunidades para crescer em meio a um ano de prognósticos negativos
Oswaldo Nardinelli o setor de confectionery demora para entrar no vermelho e é o primeiro a sair.

O baixo desenvolvimento econômico do Brasil nos últimos anos vem impondo desafios cada vez maiores à indústria de confeitos (confectionery). Apesar do esforço para manter os balanços no azul, o setor tem reduzido a marcha dos investimentos. Com produção estabilizada na média dos últimos quatro anos, a indústria de chocolates, por exemplo, fechou 2013 com queda de 0,3% sobre o ano anterior, tendência que culminou em decréscimo de 2% no ano passado. Já o reduto de balas e candies amarga quedas seguidas desde 2012, fechando o último ano com baixa superior a 10%, captam os monitores da Abicab (Associação Brasileira da Indústria de Cacau, Chocolate, Amendoim, Balas e Derivados). “Quando há crises econômicas, a população acaba migrando de volta para os mercados básicos, que abrigam oportunidades nesse ambiente de inflação em alta. A questão é como a indústria se prepara para atender essas necessidades”, observa Oswaldo Nardinelli, diretor da ON 360º Consultoria Empresarial. Com 30 anos de janela no setor de confectionery, o executivo iniciou a carreira na Pirelli e, depois, ingressou na PepsiCo. “Foi lá que comecei a acumular conhecimentos nos segmentos de compra por impulso”, relata. Após quase 20 anos na Warner Lambert, dona da marca Adams, hoje incorporada à Mondelez, com trajetória da área de marketing até a presidência, Nardinelli passou os últimos três anos como presidente da Arcor. Na entrevista a seguir, ele analisa a conjuntura do setor de confectionery no Brasil.
DR – Como avalia o cenário na indústria do último ano para 2015?
Nardinelli – De maneira geral havia uma expectativa de que as coisas iriam melhorar no segundo semestre de 2014 e o cenário não se consolidou: a inflação em 7-8% e o dólar se valorizando. 2015 será um ano desafiador. Apesar de a desvalorização ser boa para as exportações do setor, penaliza a indústria pela elevação nos custos dos insumos, principalmente cacau (manteiga e derivados), trigo (farinha) no caso da indústria de biscoitos e açúcar. Elas são commodities dolarizadas e têm um forte impacto no custo. Embora ainda ostente enormes oportunidades de crescimento pelo baixo consumo per capita, o setor vai passar por um ano complicado como muitos outros setores. Talvez o melhor a fazer neste momento, seja voltar o foco para as coisas básicas que impulsionam as vendas. Sempre defendo isso, fazer o básico bem feito em momentos de crise. Por exemplo, se olharmos o mercado de biscoitos: quando há crises econômicas, a população de baixa renda que, por sua vez, começa a ser afetada pela inflação, acaba migrando de volta para essa zona de consumo. Produtos mais básicos, tipo biscoitos laminados (maisena, maria, cream crackers) e recheados abrigam oportunidades em épocas de crise. O ponto é como a indústria está preparada para atender essas necessidades do ponto de vista de disponibilidade de produtos no ponto de venda (PDV), de ganhos de distribuição e exibição, de preços e custos competitivos, de inovação. Mesmo dentro desses segmentos a inovação – em sentido amplo, do produto à distribuição – é fundamental para atingir e atrair novos usuários. Essa volta ao básico na indústria de guloseimas também é factível porque esses são produtos de baixo desembolso. O consumidor não vai parar de comprar uma bala ou um chicle de 5 e 10 centavos ou 1 real. O impacto no consumo se dará nos itens que pesam mais na renda do consumidor, talvez ele pare de comprar carro, bens de consumo mais caros, mas uma guloseima doce não entra nessa lista. Apresentações monodose ou econômica (família), dependendo de cada caso, são mão na roda para estimular a demanda em queda nos formatos convencionais.

DR – Então, todas as indústrias de itens básicos serão beneficiadas?
Nardinelli – Não é bem assim. Esse é um momento que propicia àquelas empresas que estão preparadas para fazer o básico bem feito. Muitas indústrias nestes segmentos, fazem as coisas do mesmo jeito há anos e não inovam sua maneira de fazer negócios, sua maneira de distribuir seus produtos e fazê-los aparecer nos pontos de vendas, de criar novos produtos ou tecnologias. Já há outras que focam seus esforços e estratégias para criar soluções criativas do ponto de vista de marca, distribuição e inovação, estas terão mais chances de aproveitar este momento. Produtos nas categorias de chocolates, candies e biscoitos têm oportunidade na crise porque são itens de alta penetração, de baixo desembolso, alta distribuição numérica e ponderada. Eles não têm rejeição, pois todo mundo gosta. Na minha experiência, passando por várias crises, observei que essas categorias formam um segmento que demora para entrar na crise e é o primeiro a sair. Por outro lado, vejo oportunidades para a exportação, com o dólar favorável. Candies, que é uma indústria tradicionalmente mais exportadora que biscoitos e chocolates, têm novamente a chance de incrementar negócios, reconquistar clientes no exterior, mostrar inovações, entrar com mais itens e aproveitar o dólar fortalecido como vantagem competitiva e assim ajudar a diluir custos fixos e manter a estrutura rodando. Isso de um lado. De outro, voltar ao básico, fazer aquilo que precisa ser feito: disponibilidade de produto, inovação, e olhar sempre a busca de mais distribuição no pequeno varejo e atendê-lo de uma forma mais eficiente. Tem que entender que esses são itens de baixo desembolso que não têm rejeição. Vejo isso como oportunidade, apesar dos desafios.

DR – A eventual diminuição nas importações abre também oportunidades para a indústria doméstica?
Nardinelli – Com certeza o dólar alto tem várias implicações no setor e, inclusive, dificulta a importação de produtos acabados. Mas não contaria com a expectativa de que as empresas globais que estão aqui ou outras que ainda não estão mudem seus planos de importação de produtos como forma de ampliar a oferta de seus portfólios. Isso porque elas estão pensando no longo prazo e no enorme potencial de consumo que o Brasil possui. O maior impacto negativo é sobre os insumos. Então o foco tem que estar em produtividade, em tecnologia, e acreditar que existe espaço para redução de custos. Manter as despesas bastante sob controle. Mas não adianta querer manter uma estratégia de longo prazo em cima das flutuações do câmbio, porque ele vai flutuar. A empresa que mantiver uma consistência ao longo do tempo vai se beneficiar. Aquelas empresas que, quando o dólar caiu, pararam de exportar, agora levarão no mínimo seis meses ou um ano para recuperar seus clientes, pois os contratos são em geral costurados no longo prazo. Haverá períodos que serão melhores e outros não tão bons. Quem foi mais consistente no passado vai se beneficiar agora.
DR – Como avalia modelos como o das franquias no varejo bancadas pela indústria?
Nardinelli – É uma tendência a longo prazo. No caso da categoria de chocolates, é realmente um fenômeno as redes de franquias que surgiram no país. Neste caso, o modelo tem dado muito certo e a tendência é se ampliar. Já nas categorias de biscoitos e confeitos, vejo algumas indústrias tentando se aproximar do consumidor final através do desenvolvimento de lojas conceito para transmitir o posicionamento e a trajetória das marcas para o consumidor. Entendo que apesar da ideia ser boa é um apêndice dessa grande indústria que é a de confeitos. O consumo no Brasil e as oportunidades de distribuição em canais tradicionais ainda é maior do meu ponto de vista do que a indústria se apropriar de lojas de varejo. É um modelo empresarial e mental diferente. Quem está se aventurando nessa oportunidade, que é concreta já que em outros países já existe com bastante desenvoltura, tem que entender que esse é um modelo totalmente diferente da distribuição convencional. Pode ser uma tendência, mas o tamanho da oportunidade de distribuição que ainda existe no canal tradicional é bem maior.

DR – Por outro lado, como vê o avanço do sistema cash and carry, especialmente nos atacados doceiros?
Nardinelli – Essa é uma tendência irreversível no Brasil, como em outros países também. Isso já aconteceu com as lojas de desconto (discount stores) por exemplo na Europa – de desconto mais pesado. Acho que o cash and carry é bom para a distribuição. Vem complementar. Hoje um dos maiores desafios da indústria de confeitos é a distribuição. Ela passa a ser um elemento chave da estratégia. Se a pergunta é: como vender mais categorias que já têm alta penetração – como biscoitos, candies e chocolate, que todos gostam, todos consomem, e ainda com oportunidade de aumento de consumo per capita? A resposta é: estando presente em mais lugares perto de onde o consumidor está. A maioria dos itens dessas categorias é de compra por impulso. Então o grande desafio da indústria não é estar em 50, 70 ou 100 mil pontos de venda (PDVs), mas estar em 300, 400, 500 mil PDVs. O canal cash and carry vem complementar uma estrutura que existe hoje de distribuição no Brasil e é bem complexa.

DR – Aliás, como analisa hoje a distribuição de confectionery no país?
Nardinelli – Vejo dois cenários bem diferentes. As indústrias que possuem marcas estabelecidas e sistemas de vendas consolidados hoje possuem uma excelente distribuição e conseguem expor seus produtos nos pontos de vendas de forma eficiente, aos olhos do consumidor. Já as indústrias com marcas com baixa participação de mercado e com baixo nível de reconhecimento por parte do consumidor e que utilizam apenas um ou dois canais de vendas sofrem demais para conseguirem crescer sua distribuição numérica. O Brasil hoje tem uma rede de distribuição muito complexa e que vai fundo em muitos municípios. Para atender toda esta demanda, você tem atacadistas generalistas, especialistas, regionais, nacionais, locais, atacadistas com venda externa, com equipes de vendas, atacadistas generalistas cash and carry, lojas, pequenos doceiros, bonbonnières, atacado de balcão, distribuidores exclusivos, mistos, supermercados. O cash and carry propicia uma oportunidade para as indústrias de comporem junto com ele somado aos atacados de venda externa e distribuidores, venda direta etc. um modelo de “go to market”, de chegada ao mercado em seu benefício. Para fazer isso tem que se enxergar esses elementos do sistema de distribuição de forma segmentada. Eles são diferentes e não adianta tratar um cash and carry igual a um atacado que tem venda externa. Eles têm dinâmicas totalmente diferentes, com públicos diferentes. Os executivos de venda, marketing e trade marketing têm que olhar para esse mercado e vê-lo segmentado, com estratégias apropriadas a cada um deles, para que a venda no “sell in” tenha uma correspondente no “sell out” na mesma proporção. Em resumo, o cash and carry veio para ficar e a tendência para os próximos anos é de aumentar. Ele é um elemento a mais para ajudar a indústria a fazer seu produto chegar a mais PDVs.

DR – Qual sua opinião especificamente sobre o mercado de balas, com os fabricantes em um beco meio que sem saída.?
Nardinelli – O mercado de balas vem sofrendo muito nos últimos anos por falta de investimento da indústria em inovação e também em distribuição e exibição dessa categoria nos PDVs. Entretanto, como em todo mercado, há empresas e marcas indo muito bem no segmento, com crescimentos expressivos nos últimos anos. Elas definiram muito bem sua estratégia de atuação em filões onde suas marcas ainda têm potencial de crescimento, como é o caso dos caramelos de leite, das balas mastigáveis em tubos e drops e pastilhas, inspiradas em correntes modernas de fórmulas e apresentações.

DR – Antes da crise atual, uma parcela importante do setor considerava o Nordeste o novo Eldorado das oportunidades. Como avalia esse potencial hoje?
Nardinelli – O Norte e Nordeste ainda representam uma enorme oportunidade de crescimento para a maioria das indústrias e acredito que os investimentos na região têm que ser vistos como de longo prazo, pois o consumo per capita, a frequência de consumo e a penetração de determinadas categorias ainda está muito abaixo da de outras regiões no Brasil. O mais importante é definir uma estratégia de produto e distribuição adequadas à região e se manter flexível ao ambiente externo.

DR – Grandes companhias apostam recorrentemente no desdobramento de marcas já consagradas ao invés de lançar produto novo. Como analisa essa estratégia?
Nardinelli – Esta é uma estratégia válida e funciona muito bem quando a marca é forte, os recursos para investimento em comunicação são limitados e existe uma oportunidade de esticar a marca a outras categorias correlatas. O cuidado que tem que se tomar é o de não fugir do DNA e da essência da marca. Também é importante não iniciar um processo que o consumidor se confunda perante a marca que está acostumado a comprar. Se isto ocorre a estratégia de levar a marca a muitas categorias pode enfraquecê-la no longo prazo. •

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