A movimentação político-econômica no decorrer do ano passado foi tão intensa, que o pior desempenho de Páscoa para a indústria e o trade nos últimos nove anos acabou ficando em segundo plano. Recordando: as indústrias reduziram em torno de 25% o volume total da produção de ovos e itens para a data, passando das 19,7 mil toneladas (t) produzidas de outubro de 2014 a março de 2015 para 14,3 mil toneladas no mesmo período entre 2015 a 2016, informa a Abicab (Associação Brasileira da Indústria de Chocolate, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados). As vendas do varejo, por sua vez, foram as piores desde 2007, recuando 9,6% sobre o mesmo período de 2015, apurou a Serasa Experian. Embora o panorama ainda continue carregado, o humor do mercado aparentemente mudou. Levantamento informal entre os principais fabricantes de produtos de Páscoa indica que o setor espera um desempenho entre estável e com alta nominal de 10%. Principal data da indústria nacional de chocolate, em 2016, as vendas registraram queda de 27,4%. Os fabricantes, todavia, veem como vantagem a base de comparação mais fraca e a manutenção de um cenário menos conturbado para a campanha atual. Ubiracy Fonseca, presidente da Abicab, considera que o desempenho no período passado foi ponto fora da curva e, apesar da queda dos volumes na Páscoa, o setor mostrou recuperação nos meses seguintes. “De janeiro a setembro de 2016, a produção de chocolate cresceu 13,2% em volume, sobre igual período do exercício anterior, totalizando 393,4 mil t”, repassa o dirigente.
Embora menor em volume e maior em valor, o consumo brasileiro de chocolate hoje traduz muitos significados. Além de símbolo da indulgência ou autoindulgência e último recurso a ser cortado em caso de crise, por conta do relativo baixo desembolso, é visto também como alternativa ao desemprego, desde que consumidores começaram a manipular a massa e fazer trufas e bombons para vender e complementar a renda doméstica. E a data em que essas situações tradicionalmente convergem é a Páscoa.
De acordo com a Abicab, o volume de chocolate para a campanha de 2017 ainda está em produção (até a véspera da data), mas no ano passado gerou o equivalente a 58 milhões de ovos. De qualquer forma, as indústrias diminuíram os lançamentos para a data, este ano comemorada em 16 de abril, em atenção ao pé no freio das vendas um ano atrás. Também o período da comemoração, mais distante dos compromissos com gastos de início de ano, faz a indústria e o trade esfregarem as mãos, com maior disponibilidade de renda para compra de chocolate, seja para consumo próprio ou para presentear. No início de fevereiro, nove grandes fabricantes do setor apresentaram 120 novos produtos, contra 147 lançados na campanha de 2016.
Outra condição associada à Páscoa e que, em tempos de desemprego em alta, gera ainda mais expectativa é a contratação de trabalhadores temporários, tanto para as linhas de produção como para as ações de distribuição nos pontos de venda (PDVs). Para o período de outubro de 2016 a março de 2017, a Abicab estima que as indústrias e lojas especializadas absorvam cerca de 25 mil postos em todo Brasil, sendo 15% destinados às fábricas e 85% para promoções no PDV. “A previsão confirma o compromisso das indústrias de chocolate de gerar emprego e investimento, contribuindo para o reaquecimento da economia”, avalia Fonseca.
Escaldada pela performance da campanha de 2015, em que as vendas na data também tiveram um dos seus piores desempenhos, a indústria decidiu reagir preventivamente, renegociando estoques e margens. Mesmo com isso, segundo a Serasa Experian, o giro na Páscoa em 2016 foi um dos piores em quase uma década. Como se o panorama da demanda já não fosse ruim, em fevereiro do ano passado veio a notícia de um aumento na alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incidente sobre o chocolate. Até então, os confeitos à base do produto tinham tributação de R$ 0,09 (chocolate branco) e R$ 0,12 (demais chocolates) por quilo. Com o decreto em vigor desde maio último, eles tiveram a alíquota reajustada para 5% sobre os preços de venda. Com essa mudança, uma barra de chocolate ao leite nacional de um quilo, por exemplo, que tinha preço médio de R$ 25, é agora taxada em R$ 1,25, contra os R$ 0,12 cobrados anteriormente, cravando uma elevação de mais de 900%.
Surfando na demanda
Produzindo chocolate perto do limite de sua capacidade desde a década passada, a indústria vinha surfando com a demanda nas alturas. As mudanças em curso nos hábitos de consumo, com o conceito de saudabilidade em pauta na preferência do consumidor, influenciaram positivamente esse cenário. Mas há cerca de dois anos, essa demanda sinalizou ter alcançado alguma saturação. Pelas planilhas da Abicab, a produção de chocolate, desconsiderado o volume de produto em pó, alcançou o patamar das 500 mil t em 2010, mantendo avanços nos anos seguintes (585 mil t, em 2011; 576 mil t, em 2012; 572 mil t, em 2013; 553 mil t, em 2014) até 2015, quando recuou 8,3% em relação ao exercício anterior, fechando com 507 mil t. A entidade ainda não tem fechado o balanço de 2016, mas dados referentes ao primeiro semestre sinalizam tendência de retomada. Enquanto nos primeiros seis meses de 2015 a produção atingiu 236,2 mil t, no mesmo período do ano passado, bateu em 246,4 mil t, cravando alta de 4,3%. Em relação ao consumo aparente, o incremento foi de 3,1%, com 237,5 mil t consumidas no primeiro semestre de 2015 contra 245,0 mil t, em 2016.
A agitação em torno da produção, venda e consumo de chocolate no Brasil não tem precedentes em toda a trajetória da categoria. Para se ter uma ideia dessa evolução, há 40 anos o consumo per capita de chocolate no país girava em torno de 300 gramas. A primeira campanha em prol do aumento da demanda que se tem notícia, envolvendo os principais fabricantes, foi levada a cabo nos anos 1970 e o índice saltou para cerca de 800 gramas. Desde 2010, o consumo brasileiro oscila entre 2 e 3 quilos/habitante/ano, volume considerado ainda modesto, mas com crescimento acelerado nos últimos anos. De vilão da alimentação sadia, o chocolate virou a coquecluche do ramo funcional, isto é, entrou para a lista dos alimentos que comprovadamente trazem benefício à saúde. Oficialmente, com consumo per capita de 2,5 quilos/ano, o Brasil é o 5º maior consumidor de chocolate do mundo, gerando, em 2015, um faturamento de R$ 12,4 bilhões, repassa a Abicab.
Segundo a entidade, 63% dos brasileiros possuem o hábito de presentear com chocolates na Páscoa. Esse, aliás, é um dos filões mais visados tanto pelos fabricantes de versões premium, que comercializam suas criações por redes de lojas próprias ou franquias, como pela indústria convencional. Detentoras de marcas prestigiadas pelos consumidores, essa ala dedica uma parcela de sua oferta pascal a itens regulares, como tabletes e bombons, com embalagens alusivas à data, tentando justamente despertar o interesse de quem quer presentear. O dado acima faz parte de recente pesquisa do Ibope encomendada pela Abicab. Com base nesse comportamento do consumidor nacional é que as indústrias desenvolvem a cada ano as suas apostas. Na visão do presidente da Abicab, as empresas preferiram ser mais conservadoras, depois de amargar decepção com o desempenho em 2016, recorrendo desta vez às marcas fortes e faixas de preço mais baixas.
Tradição e inovação
A Nestlé confirma o prognóstico incorporando mais um ícone do seu portfólio de chocolates ao mix de ovos de Páscoa. Trata-se do ovo Surpresa, marca que fez sucesso nos anos 1980 e 1990 com coleções de cards. Além do chocolate que marcou gerações, a marca ainda aposta nesta Páscoa nos hits atuais, como o KitKat, que vem acompanhado de speaker portátil com a tecnologia bluetooth, e os ovos das Princesas da Disney e do Spider-Man, repassa Leandro Martin Cervi, diretor da Nestlé. “Nosso clássico chocolate Surpresa volta às lojas a partir de 1º de março, no sabor ao leite com a coleção Dinossauros, que conta com três versões acompanhadas de álbum e 10 cards”, informa ele. Para quem gosta dos ovos tradicionais, complementa o executivo, a empresa insere os produtos Vintage, que chega em três modelos de latas colecionáveis e o ovo Prestígio Dark, com dupla camada de chocolate. “O consumidor adora latas comemorativas e esse fascínio transforma a coleção em um presente em potencial para compra e entrega na Páscoa”, assinala Cervi. Já o Prestígio Dark incorpora uma inovação, pois a massa é feita com uma dupla camada de chocolate, em uma versão mais intensa, com chocolate meio amargo e coco.
O mostruário de Páscoa da Nestlé exibe ainda coelhos de chocolate, com sabores derivados das marcas Galak e Alpino, além dos clássicos ovos Classic, Galak e Alpino, este com recheio para comer de colher. Para a criançada, além do ovo das Princesas em duas opções de castelo para brincar, o menu inclui o ovo do Spider-Man, acompanhado de uma exclusiva maleta.
Controlada da Nestlé, a Garoto engrossa o bloco das empresas que não esperam um novo recuo de vendas em 2017. No ano passado a Páscoa veio mais cedo, ainda no primeiro trimestre, e o consumidor teve menos tempo para organizar seu orçamento, considera Keila Broedel, gerente de marketing da Garoto. “Neste ano, além de estar mais adaptado ao cenário econômico, ele está mais propenso a presentear”, analisa a executiva.
A Garoto, em resumo, espera um desempenho melhor na Páscoa deste ano, pela base de comparação mais fraca, pela data cair mais tarde que no ano passado e pelo contexto político mais estável. Segundo Keila, os preços foram reajustados em linha com a inflação, mas a empresa ampliou a opção de faixas de preço, principalmente a de R$ 20, com ovos recheados de tamanho pequeno a médio. Assim, o item mais barato do portfólio é o coelho de chocolate, orçado a R$ 6, e o mais caro, o ovo Talento, por R$ 49.
Complementam o portfólio de ovos de Páscoa os lançamentos Baton e Talento. Feitos especialmente para tornar o período ainda mais especial, a Cesta Baton e a Fazenda Baton são novidades lúdicas, que auxiliam as brincadeiras de Páscoa. A primeira vem em uma embalagem no formato de cesta, com 20 miniovos de chocolate ao leite e patinhas de coelho para fazer uma caça aos ovos. Já a Fazenda Baton traz coelho de chocolate, um ovo e diversos bichinhos de papel para montar e brincar à vontade.
Sucesso na Páscoa passada, o Baton Creme permaneceu no mostruário. Além da versão creme, o Baton Creme Morango complementa a linha de ovos para comer de colher, com quatro opções de colheres colecionáveis. A marca conta ainda com duas latas ilustradas, com 40 miniovinhos.
Já o Talento marca presença na temporada com os sabores castanha do Pará, avelãs, meio amargo amêndoas e doce de Leite, além do generoso ovo recheado com avelãs, para comer de colher e um coelho de chocolate da marca.
Os ovos clássicos também contam com as versões Crocante e Serenata de Amor, derivadas das linhas de bombons queridas do público. Compõem o portfólio deste ano ainda os ovos de Páscoa da Minnie Mouse – com uma exclusiva maleta – e dos Avengers, com quatro opções de canecas colecionáveis dos heróis da Marvel.
Preços para todos
Na expectativa de sensibilizar um consumidor mais racional pelo emagrecimento da renda e, por isso, ávido por mais opções de menor desembolso, a Arcor reduziu a quantidade de lançamentos de 30, em 2016, para 19, na temporada atual. Com uma linha mais enxuta, conseguiu aumentar seu poder de barganha com fornecedores chineses de brinquedos e diminuir o custo, revela Anderson Freire, gerente de marketing de chocolates, guloseimas e biscoitos da companhia. Outra estratégia, acrescenta ele, foi reforçar como em anos anteriores o sortimento de itens com embalagens menores, direcionados à chamada pré-Páscoa. Nesta campanha, assegura Freire, nenhum ovo de Páscoa da marca terá preço superior a R$ 40. “Tivemos que nos adequar à redução de volume e a um consumidor racional, que quer desembolsar menos na compra”, sublinha ele. A empresa espera assim um “leve crescimento”, puxado sobretudo pelos itens a partir de R$ 19.
Durante os preparativos para a atual campanha, a empresa estabeleceu a diretriz para todos os gostos e bolsos, comenta Freire. Entre as maiores apostas, ele insere o ovo Moana 100g, licenciado com o mais recente sucesso da Disney, que vem com um Acquacopo inspirado nas aventuras da princesa no mar. Do mesmo estúdio, continua no portfólio o ovo Princesinha Sofia 100g, que neste ano vem acompanhado de uma maleta em alto relevo exclusiva da personagem. Mais uma vez estrela da temporada, a Tortuguita, marca de chocolate infantil campeã da Arcor, vem com novidades para toda a família, como o Ovo Tortuguita de Montar 100g, com um brinquedo que é sucesso atemporal, e o Ovo Tortuguita Formato 120g, que pela primeira vez traz uma Tortuguita no recheio.
Outras apostas prometem agradar a toda a família, como o ovo Turma da Mônica 100g, que focaliza a galera do gibi com uma pegada Toy Art. Cada ovo vem com um personagem colecionável e personalizável. “É um conceito urbano e atual que fomenta o trabalho artístico e criativo e, certamente, vai conquistar os fãs do gibi”, grifa o gerente. Os ovos Simpsons 100g e Superman 100g são outras duas novidades da marca para consumidores de todas as idades.
Para os adultos, além dos tradicionais Arcor ao leite 220g, Arcor Branco 220g e o aclamado Arcor Amargo 70% 220g, a novidade da vez é o Ovo Rocklets 205g, de chocolate ao leite com confeitos Rocklets na casca. O lançamento é inspirado no tablete exclusivo Rocklets, o segundo mais vendido da companhia. Outra inovação é o Arcor ao leite 150g, mais uma opção de um ovo versátil e de baixo desembolso.
Campanha mais estável
Também a Ferrero busca pela primeira vez realizar uma campanha que agrade a todos os gostos e bolsos. Segundo Enrico Martini, gerente de marketing da empresa, a marca não promoveu reajustes nos preços, mas reduziu o peso dos ovos de Páscoa entre 4% e 10% neste ano. Os ovos de Páscoa da grife custam de R$ 48 a R$ 63, patamar já considerado salgado pelo consumidor da classe média. Para ao menos manter a tabela de 2016, o peso do chocolate diminuiu. A Ferrero apresentou entre as novidades uma caixinha com seis bombons, orçada a R$ 15, e uma versão grande do bombom Ferrero Rocher, de 125 gramas por R$ 30, aumentando a gama de presentes mais em conta.
Marca do grupo Ferrero voltada ao público infantil, a divisão Kinder espera uma Páscoa mais estável, pois a data representa 25% das vendas da marca, repassa a gerente de marketing Joana Oliveira. “O consumidor continua cauteloso, buscando os itens e marcas que já conhece”, assinala. Segundo ela, a empresa manteve a quantidade de itens no portfólio, mas buscou licenças mais relevantes, a exemplo de Star Wars.
Mas a grande aposta da Ferrero é a edição especialmente feita para a Páscoa e limitada do Grand Ferrero Rocher. Diferente dos tradicionais ovos da marca, a novidade é uma versão gigante, com 125g de chocolate ao leite com pedaços de avelãs, que traz como recheio dois bombons, descreve Martini. “A nova versão corresponde a cerca de 10 unidades, além dos dois bombons, e será comercializada exclusivamente nas Lojas Americanas e rede Carrefour, com preço sugerido de R$ 30,00 cada unidade”, frisa. O produto, ele conclui, já é conhecido na Europa e se junta às outras duas apostas da marca para a data: os tradicionais ovos Ferrero Rocher e Ferrero Collection.
Com foco restrito ao mercado infantil da região Sudeste, a Village mantém a produção de oito milhões de ovos de chocolate na temporada atual, reforçando apostas nos licenciamentos mais populares. “A campanha inclui 20 opções para todos os gostos, mas o carro-chefe é o ovo de Páscoa da Masha e o Urso, com embalagem em formato inédito e um presente exclusivo para surpreender as crianças”, antecipa Reynaldo Bertagnon, gerente de marketing da empresa. Com 120g, o ovo da personagem, que é sucesso no SBT, vem em uma caixa e traz como opções de brindes colecionáveis, por exemplo, a casinha da Masha e o Urso, cheia de detalhes para as crianças brincarem. O portfólio da Village possui ovos de chocolate ao leite, receitas de Bella Páscoa nos sabores de frutas, chocolate, trufado, light, bem casado com gotas de chocolate e o lançamento Trufado de Avelã, além da linha Mini Bella Páscoa com gotas de chocolate.
Há mais de uma década campeã da Páscoa, a Lacta, marca da Mondelez, segue o figurino dos demais concorrentes e também reduziu o tamanho do portfólio de 37 para 19 ovos de Páscoa, na comparação com o ano passado. Os reajustes nos preços foram inferiores à inflação e, por conta disso, a companhia espera crescimento de um dígito. Segunda colocada no mercado brasileiro de chocolate, com participação de 32%, a Lacta manteve os ovos tradicionais como Sonho de Valsa, Diamante Negro e Laka, e adicionou nove itens, entre os quais o Bis Oreo. •