Mercado premium
Menor em volume e mais consistente em valor, o consumo brasileiro de chocolate segue ainda encorpado e hoje se desdobra em várias frentes. Sinônimo de indulgência, continua sendo um dos últimos itens da lista de supérfluos a ser cortado em tempos de crise, pelo relativo baixo desembolso diante da recompensa que gera. Por outro lado, descobertas atestando o poder de antioxidantes contidos no cacau combinadas a mudanças nos hábitos, puxadas pela onda geral de saudabilidade, têm revolucionado a demanda de chocolate em todo o planeta. No Brasil, a proliferação de barras e tabletes com altos percentuais de cacau na formulação da massa hoje pode ser facilmente conferida no trade da categoria. Por uma conjuntura singular do país, a fabricação artesanal do produto se transformou em alternativa ao desemprego, com uma parcela da população aderindo a essa atividade caseira para complementar a renda doméstica.
Tradicionalmente, a data em que o consumo cresce acima da média é a Páscoa. Acompanhando a estabilização na produção e demanda, a expectativa para a comemoração em 2019 era a de seguir esse figurino. O varejo, no entanto, registrou crescimento de 54% na venda de chocolate na semana anterior à Páscoa, na comparação com o mesmo período do ano passado, capta um estudo da Neogrid, especializada na gestão automática da cadeia de suprimentos. Segundo o levantamento, o número poderia ser ainda mais positivo caso o índice de ruptura fosse menor. Responsável por mensurar a falta do produto em estoque nas lojas, a ruptura atingiu 9,6% na semana da data comemorativa.
Uma das maiores inovações apresentadas em primeira mão nas comemorações deste ano foi uma versão de chocolate de coloração naturalmente rosa, sem corante, cremoso e de sabor frutado desenvolvido pela corporação Barry Callebaut. Fernando Brull, gerente de marketing da empresa no Brasil, informa que o rubi, como foi batizado, teve boa receptividade e demanda, tanto por parte de chocolateiros artesanais como de redes como a Kopenhagen, que criou uma linha especial com a variante. Desde os anos 1980, lembra Brull, a categoria não apresentava uma inovação como a do chocolate rubi. Trata-se de uma nova variedade, a exemplo das já existentes, classificadas de amargo, ao leite e branco. Fruto de dez anos de pesquisa, junto à Jacobs University, da Alemanha, as particularidades da obtenção do rubi são ainda segredo de fábrica. “O mérito está em identificar cacaus com amêndoas muito roxas”, comenta Brull. Ele revela, porém, que a produção envolve as três espécies primárias de cacau (forasteiro, crioulo e trinitário), oriundas sobretudo da África, mas também do Brasil e do Equador. “As amêndoas rubi são encontradas no cacau tradicional cultivados em diversas regiões produtoras ao redor do mundo, como Brasil, Equador e Costa do Marfim. Seu segredo está na seleção da amêndoa de um cacau específico, que possui como característica a cor roxa, e do processo de fabricação controlado, com uma receita diferenciada de torra”, detalha.
Para a obtenção da coloração final, os grãos de cacau são submetidos às etapas-padrão de fermentação, secagem e torrefação, com fases próprias que realçam propriedades de cor, textura e sabor no chocolate. No paladar, ressalta Brull, salta a cremosidade acentuada, que lembra a variedade branca, e um sabor levemente ácido, de frutas vermelhas. A China foi o primeiro mercado a receber o produto, em 2017. Comercializado na Bélgica – onde é fabricado –, e no Japão, além do Brasil, o rubi ainda não é distribuído nos EUA por não conter a quantidade de liquor exigida pela regulamentação da agência regulatória americana FDA. Mas avalia-se lançar o produto naquele país como um composto. Brull esclarece que o rubi não se encaixa na definição atual do FDA para chocolate, mesmo tendo na composição apenas manteiga de cacau, açúcar, leite e massa de cacau. Na regulamentação americana, chocolate branco não pode ter massa de cacau na fórmula e chocolate ao leite precisa ter uma percentual maior desse ingrediente do que o rubi tem. Do ponto de vista visual e de sabor, ele não é um chocolate amargo (escuro). Portanto, provavelmente, terá que ser criada uma nova classificação de chocolate no órgão de regulação, observa o executivo. No Brasil, o rubi atende à legislação, que exige a porcentagem mínima de 25% de sólidos de cacau na massa.
O chocolate rubi tem 47,3% de cacau e recebe leite. No futuro, a Barry Callebaut irá acrescentar novos percentuais de cacau e manteiga para oferecer ao mercado uma gama de variações. No momento, a empresa dá sequência a um trabalho de divulgação, convidando chefs e chocolatiers para conhecerem o rubi em sua Chocolate Academy, em São Paulo. “Como é um produto muito delicado, orientamos os profissionais a tratar de forma correta o produto para, então, passarem a oferecer em escala ao público”, relata Brull, complementando que a dica é deixar o consumidor apreciar o rubi no formato de barra simples para que ele se familiarize com o sabor, realmente diferente de todos os tipos de chocolates já lançados.
Segundo o gerente, a expectativa com o lançamento do rubi é a de que ele se torne uma das estrelas da lista de cerca de 90 itens da Barry Callebaut disponíveis no mercado brasileiro. “Esperamos que chegue, em breve, a perfilar entre os cinco itens de maior venda da nossa linha”, acalenta.
Demanda aquecida
Inovações como o rubi mantêm aquecida a demanda de chocolate no país. De vilão da alimentação, ele virou a estrela do ramo funcional, entrando para a lista dos alimentos que comprovadamente trazem benefícios à saúde. A tiracolo dessas constatações, proliferam empreendimentos tanto do lado do fornecimento como da venda ao varejo.
Dados da Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Amendoim e Balas (Abicab) indicam que o mercado chocolateiro registrou avanço de 6,8% em 2018, comparado ao período anterior, totalizando 671 mil toneladas (t). Embora represente avanço em relação a 2017, o resultado ficou abaixo das 740 mil t produzidas em 2015 e das 710 mil t atingidas no exercício precedente. Estimativa da consultoria Euromonitor International capta que as vendas do produto no varejo nacional cravaram avanço em torno de 7% em volume em 2018, totalizando 274,5 mil t. Em valor, a alta foi de aproximadamente 11%, alcançando R$ 13,284 bilhões. Nos últimos cinco anos, repassa a Euromonitor, as vendas de varejo de chocolates registraram crescimento de quase 10% e projetam avanço de 9,8% para 2023, atingindo R$ 14,519 bilhões.
Relatório da consultoria de inteligência de mercado Mintel confirma a firmeza nas vendas de chocolate no país e projeta para 2019 uma receita de R$ 14,646 bilhões, equivalente ao consumo de 293,5 mil t. Os dados representam alta de 6,4% em valor e 2,2% em volume, em relação à projeção de 2018. Segundo ainda a Mintel, o mercado de chocolate acusou avanço de R$ 45,81 para R$ 47,95 no preço por quilo de 2018 em relação ao exercício anterior, com estimativa de se estabilizar em R$ 49,90 no presente exercício. Já o volume consumidor por quilo variou de 1,351 para 1,372 no ano passado, projetando 1,393 para 2019.
Entre os empreendimentos que vicejam na cena chocolateira por conta dessa demanda inflexível, sobressai a Florestal Alimentos, potência do reduto de candies que, por sinal, chegou a operar com chocolate no passado. “Como na época a vocação da empresa estava focada no segmento de confeitos, o chocolate foi descontinuado, mas agora voltamos com força total”, argumenta Adriano Orso, gerente de marketing do grupo, que incorporou no ano passado a operação da Chocolates Planalto, tradicional fabricante da Serra Gaúcha.
Oferta qualificada
O retorno da empresa ao segmento se apoia na estratégia de direcionar esforços para uma oferta mais qualificada, afirma Orso. “Estruturamos uma linha inicial formada por 22 itens com as marcas Hollander e Florestal, com chocolate de alta qualidade, ênfase no sabor e indulgência, sem deixar o benefício funcional de lado, agregando às receitas alto teor de cacau”, resume o gerente. Apesar desse perfil, acrescenta ele, a linha não foi concebida com o propósito de focar nichos de público, mas sob medida para consumidores que valorizam o puro chocolate.
Desbravadora da industrialização de candies no Sul do país, a Florestal anunciou em setembro último a aquisição de 100% da Planalto, sem abrir o investimento. Fabricante número um de pirulitos planos na América Latina, ela conta com distribuição nacional e exporta linhas de balas, gomas de mascar, pirulitos e marshmallows para mais de 80 países dos cinco continentes, reporta Orso. Ele acrescenta que, com a aquisição, a empresa amplia a oferta de guloseimas, agora também orientada a produtos premium de fabricação artesanal. “Somamos toda a experiência e tradição de mais de 80 anos na elaboração, fabricação e comercialização de doces que compõem uma linha de mais de 400 itens, à uma indústria de chocolates que também tem como referência a qualidade dos seus produtos”, assinala.
Em paralelo, a empresa pretende desenvolver uma rede de franquias, abrindo oportunidade de negócio a investidores, além de também expandir a distribuição dos chocolates da Planalto pelo país. A ideia, repassa o gerente, é consolidar a marca e permitir a clientes e consumidores do portólio da Florestal conhecerem os chocolates produzidos na Serra Gaúcha.
Fundada em 1977, a Chocolates Planalto nasceu com o propósito de produzir em escala semi-industrial linhas de bombons e confeitos que consolidaram as cidades gaúchas de Gramado e Canela como produtoras de chocolate artesanal. A empresa atribuiu seu nome à localização na cidade de Gramado: o bairro Planalto. “Coincidentemente, Florestal também é o nome do bairro onde nossa indústria de candies iniciou suas atividades, no município de Lajeado (RS), no Vale do Taquari”, observa Orso. Ele completa que a partir de receitas antigas, aprimoradas na Serra Gaúcha ao longo do tempo, a marca passou a contar com uma ampla linha de produtos, entre os quais sobressaem tabletes, bombons, drágeas e trufas, além de versões exclusivas que são desenvolvidas constantemente.
Caminho da saudabilidade
Com foco no aspecto saudabilidade, a Erlan também ingressa na competição com a linha de barras de frutas, chocolates, balas e mixed nuts zero açúcar Livefit. Os produtos podem ser conferidos no trade doceiro desde abril e marcam as recentes mudanças na marca, agora também focada em saúde e bem-estar. Rosalina Vilela, diretora da empresa mineira, argumenta que o segmento de chocolates saudáveis cresce a uma taxa de dois dígitos e o lançamento de Livefit superou as expectativas. “Temos certeza que este e o caminho certo a ser seguido”, assinala a empresária. Para ela, não se trata de um fenômeno passageiro. A onda de saudabilidade, nota, veio para ficar e, mais que um hábito de consumo, se transformou em estilo de vida. “Cada vez mais as pessoas buscam uma alimentação correta, com menos conservantes e o mínimo possível de aditivos. É o que estamos transpondo às linhas de guloseimas, como chocolates e balas”, frisa a executiva.
Segundo ela, existem dois pilares fundamentais para a estratégia de inovação dos próximos anos: o da saudabilidade, especialmente o filão zero açúcar; e o do prazer sem culpa, propiciado pelos alimentos saborosos com ingredientes naturais e funcionais. Rosalina acentua que a linha Livefit se enquadra exatamente nessa estratégia e é o principal lançamento da Erlan. “São itens sem açúcar, com elementos funcionais na sua formulação e sabor inigualável. Na linha de balas, por exemplo, os produtos são zero açúcar e incorporam ingredientes especiais como o hibisco, matchá, gengibre e mel e vitamina C”, detalha a diretora. Já a linha de chocolates exibe quatro opções zero açúcar, inclusive de chocolate branco, com adição de whey protein e uma versão com 55% de sólidos de cacau, ideal para quem busca sabor e textura e quer abrir mão do açúcar . “A linha de mixed nuts zero açúcar traz uma perfeita combinação de castanhas, fibras e frutas. E a linha de barras de frutas, com alto teor de fibras, combina sabor e saudabilidade para consumir sem culpa em qualquer ocasião”, completa ela.
Encorpando a frente que prioriza lançamentos em função de mudanças nos hábitos de consumo, a Erlan iniciou o ano agressiva, com essas novidades na ala que mistura indulgência e saudabilidade. Rosalina nota que, cada vez mais inserido no dia a dia das pessoas, o mercado de produtos naturais exibe crescimento expressivo. Segundo pesquisa da Euromonitor International, repassa ela, cerca de 79% de entrevistados globais dizem substituir alimentos convencionais por versões mais nutritivas. E nos últimos cinco anos, as vendas de itens com essas características avançaram a uma taxa média de 12,3% ao ano. “A previsão é que o mercado brasileiro de produtos saudáveis cresça anualmente 4,4% até 2021”, repassa Rosalina.
Com base no relatório Tendências Mundiais de Alimentação e Bebidas, assinado pela Mintel, ela sublinha que quatro em cada cinco brasileiros estão dispostos a gastar mais se o alimento tiver maior valor nutricional. Lojas especializadas em produtos saudáveis crescem acima de 18% e, seja para emagrecer, para ter uma alimentação mais adequada ou para não sofrer tanto diante de intolerâncias alimentares, os consumidores de produtos naturais, orgânicos e especiais asseguram a pontos de venda especializados nesses produtos um crescimento de dois dígitos. ”Isso aconteceu mesmo nos três últimos anos de crise econômica”, assinala a executiva.■
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