Mais saúde no pacote
Um dos maiores desafios do setor de alimentos vem sendo encarado de frente pela indústria de guloseimas do tipo snacks. A sinalização de enquadramento ao acordo firmado em 2018 entre associações representantes dos fabricantes de alimentos e o Ministério da Saúde (MS) para redução de gorduras, sódio e açúcar nos produtos industrializados vem ganhando corpo exatamente nesse segmento.
“Como já era previsto, o pacto para reduzir a quantidade de açúcar adicionada aos produtos traria mudanças nas empresas que atuam nas categorias de snacks e adaptações na formulação desses itens com teores (de açúcar, sódio e gordura) acima do estipulado já eram esperadas”, argumenta Marina Ferreira, especialista em alimentos e bebidas da Mintel. Apesar do cenário desafiador para as marcas de snacks nos próximos anos, acrescenta ela, há diversas oportunidades para as empresas adequarem seus produtos às novas regras e demandas do mercado, mantendo a categoria atrativa para os consumidores.
O hábito dos brasileiros de consumir snacks favorece a consolidação do segmento saudável, exemplifica Marina. O consumo de lanchinhos entre as refeições segue forte entre os brasileiros e, de acordo com um recente estudo da Mintel, 96% da população consumiu snacks nos três meses anteriores à realização da pesquisa. Segundo o Relatório Mintel Alimentação Saudável – Tendências – Brasil – Dezembro 2018, 48% dos brasileiros que afirmaram já ter/adotar hábitos de alimentação saudável – ou estar tentando adotar – já fazem refeições em porções menores e com maior frequência durante o dia ou pequenas refeições (snacks/lanchinhos) a cada três horas.
“Esse cenário indica oportunidade para as marcas seguirem investindo em linhas saudáveis para serem consumidas como refeições intermediárias. Mas é necessário focar também em opções saudáveis mais acessíveis, para manter o ritmo de crescimento e sair do mercado de nicho”, observa a especialista da Mintel. A pesquisa da consultoria captou que, atualmente, 42% dos brasileiros acreditam que snacks saudáveis são, em geral, muito mais caros, reporta ela.
A preocupação com a saúde emocional também gera oportunidade para o mercado de snacks, analisa Marina. Os brasileiros andam preocupados com o seu estado emocional. Não é para menos. De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), 9,3% da população brasileira apresentam algum distúrbio de ansiedade, revela ela. Além desse transtorno, o diagnóstico de problemas vinculados ao campo emocional, como depressão e estresse, também tem crescido entre a população. “Em função disso, torna-se cada vez mais importante que as marcas desenvolvam opções que, além de benefícios para o corpo, também sejam capazes de impactar positivamente na mente e nas emoções”, nota Marina. Pela pesquisa da Mintel, 38% dos brasileiros têm interesse em snacks feitos com ingredientes que beneficiem a saúde emocional e melhorem o humor.
Os snacks com substâncias como o ácido gama-aminobutírico (GABA) e o triptofano, exemplifica a especialista, podem ganhar espaço ao destacarem os possíveis benefícios para alívio do estresse e depressão, já que esses elementos estimulam a produção de serotonina, neurotransmissor que atua no cérebro e no sistema nervoso, proporcionando sensação de bem-estar. “Os snacks com outras substâncias também têm espaço para crescer na medida em que salientam os benefícios para a saúde emocional”, frisa ela.
Já o consumo de snacks na academia pode crescer com maior gama de produtos adequados à ocasião. A pesquisa da Mintel revela que apenas 10% dos entrevistados consumiram snacks na academia, percentual inferior a outras situações de consumo. O dado pode indicar a pouca variedade de opções disponíveis para serem consumidas em momentos que tragam benefícios procurados por atletas e praticantes de esportes, como alto teor de proteína. De acordo com dados do GNPD (Global New Products Database/banco global de lançamentos), da Mintel, existe uma concentração de snacks com alto teor de proteína no segmento de barrinhas de cereal, limitando a escolha dos consumidores. Somado a isso, produtos com formatos adequados para o consumo durante a prática esportiva ainda têm oferta limitada. “Posicionar itens que naturalmente possuam alto teor de proteína como uma opção para o consumo na academia é uma possibilidade para fomentar o consumo”, comenta Marina.
As pastas e cremes feitos de castanhas (nuts), usadas hoje principalmente como acompanhamento para pães e biscoitos, podem ganhar a finalidade esportiva se relançadas com formatos mais práticos, já que são opções naturalmente ricas em proteína, orienta ela. Pela pesquisa da Mintel, 23% dos brasileiros acreditam que cremes e pastas, como Nutella e creme de amendoim, podem ser consumidos como snacks. Além disso, outras guloseimas com alto teor de proteína, incluindo aqueles com whey protein (proteína do soro de leite), podem ganhar espaço na academia de ginástica ao associar essa substância a outros benefícios além do ganho de massa muscular.
Para a consultora da Mintel, apostar na personalização, permitindo que os consumidores customizem os snacks de acordo com o seu próprio gosto, necessidades nutricionais e demandas pessoais, é um dos caminhos promissores, assegurando às empresas a aceitação de versões mais saudáveis de snacks. “Os benefícios para a saúde seguem como chamariz, porém, mais do que vantagens para o corpo, os snacks com propriedades benéficas para a mente tendem a ganhar relevância, refletindo a maior preocupação dos brasileiros com a saúde emocional”, enfatiza.
Já as inovações em termos de sabores e formatos, conclui, continuam como prioridade para a diferenciação dos snacks. Sabores que remetem à infância, inspirados em comidas de rua e formatos próprios para a prática esportiva e consumo fora de casa são apostas com alto potencial de sucesso.
Crescimento de dois dígitos
Em ascensão na cena alimentícia, a oferta de snacks saudáveis ganha musculatura com apostas em variações inusitadas e, até mesmo, gourmet. Especializada no segmento, a Pic-Me inova oferecendo opções como purê de frutas, chips assados, pipocas com nacos de frutas e acaba de adicionar ao seu portfólio os Homus Chips. Thiago Burgers, CEO da empresa, confirma a tendência de consumidores em geral de reduzir ingestão de alimentos com teor elevado de sódio, gorduras, açúcar. “Essas são questões muito faladas e discutidas em diversas mídias e fóruns. Mais do que discussões, isso vem impactando de forma direta os resultados de muitas indústrias, caso de multinacionais que tiveram quedas acentuadas no volume por conta de ataques a quantidade de açúcar e sódio”, assinala.
No Brasil, prossegue o dirigente, cerca de 35% das crianças entre 5 e 9 anos estão com excesso de peso, sendo que 16% dos meninos nesta idade já são obesos, um problema de saúde pública que tende a permanecer na fase de crescimento das crianças. Na fase adulta, o cenário é ainda pior, com 54% da população nas capitais acima do peso. “Diante de todos esses dados e alertas, as pessoas estão ficando mais conscientes. Em pesquisa que conduzimos em 2018, 64% das pessoas declararam que a tabela nutricional é um fator determinante na hora de escolher um snack”, repassa Burgers, observando que produtos saudáveis têm crescido a taxas anuais de dois dígitos.
No caso da Pic-Me, ele enfatiza que a marca já nasceu com saudabilidade e naturalidade em seu DNA. Especialista em snacks prontos para o consumo, ela se preocupa com os valores nutricionais do que coloca nas prateleiras. O purê de frutas, linha de estreia da empresa, leva apenas frutas na formulação, sem qualquer adição de açúcar ou gordura. Os chips, por serem assados, têm até seis vezes menos gordura do que os tipos fritos convencionais. “Esses são alguns dos exemplos dentre os 36 itens que temos atualmente em nosso portfólio. Hoje é possível ter saudabilidade sem abrir mão de sabor”, grifa o empresário.
Educação do cliente
Controlada do grupo Revel Foods – detentor das marcas Monama, Empório da Papinha, Tivva e Minutri, a Farovitta também se posiciona nas gôndolas de snacks saudáveis, com uma linha 100% sem glúten, sem lácteos (que engloba o zero lactose e sem a proteína do leite), sem conservantes, sem aditivos químicos e com boa parte dos insumos de origem orgânica, descreve Manuela Barreto, diretora comercial do grupo. “O público está cada vez mais exigente e com mais acesso à informação. Assim, acaba optando por produtos mais saudáveis e temas como redução de açúcar, por exemplo, já viraram febre”, comenta. Para ela, muitas empresas hoje em dia entendem essa nova demanda e, por isso, buscam maneiras de reformular os produtos, recrutando cada vez mais ingredientes naturais. “Nossa preocupação vai além da saudabilidade, pois queremos manter o padrão de sabor, com temperos selecionados e reduzindo insumos que são prejudiciais à saúde”, assinala. Para isso, a Farovitta mantém a postos um time de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e fornecedores de primeira linha. “Nosso foco é exatamente levar para as pessoas produtos que todos amam e que fazem bem ao corpo”, sublinha a executiva. Ela comenta que a marca vivencia um processo que considera “educar o cliente”. “O esforço é para fazer todos entenderem a importância de uma alimentação saudável por meio de divulgação em redes sociais, blogs e intervenção direta nos pontos de venda, entre outros. Além disso, nos preocupamos em ter uma fábrica isenta de itens que entendemos que não são legais para a saúde, como glúten e lácteos”, frisa a diretora. Ela ressalta que, como a marca conta com 10 anos, já é conhecida e reconhecida como de alimentação verdadeiramente saudável.
Há cinco anos disputando um lugar ao sol na cena de snacks saudáveis, a Miss Croc surgiu com a proposta de produzir alimentos crocantes e nutritivos. A marca nasceu com a criação de uma linha de crisps crocantes, introduzida como alternativa para incrementar pratos e trazer mais sabor e nutrição à alimentação, relata Paula Franco, diretora da empresa. Os itens do portfólio, frisa ela, são submetidos a rígidos processos de fabricação que, ao lado de conceitos éticos e sustentáveis, vêm consolidando a marca. “Pesquisas recentes comprovam que alimentos livres de glúten e lactose, orgânicos, fortificados, funcionais, probióticos e energéticos estão entre as tendências para alimentação em 2019 e é por essa trilha que conduzimos nossos desenvolvimentos”, assinala Paula. Atualmente os consumidores são mais conscientes, informados e olham os rótulos em busca de inovação. “Por isso, a indústria de snacks precisa adequar seus processos, rever suas matérias-primas, a origem dos ingredientes, o uso de aditivos e ser cada vez mais transparente”, sublinha a executiva.
Além de investir em pesquisa e desenvolvimento buscando adequar as linhas às tendências saudáveis, a Miss Croc mantém uma nutricionista interna e participa de uma rede com vários profissionais da área da nutrição funcional, completa Paula. “Quando desenvolvemos um produto, analisamos cautelosamente todos os ingredientes que farão parte de sua formulação e não abrimos mão de reduzir o teor de sódio, a qualidade das gorduras e açúcar”, grifa a diretora.
Frutas secas em alta
Estreante no circuito de snacks, a La Violetera projeta faturamento de R$ 4 milhões com snacks saudáveis até o final do ano. Para isso, aposta fichas na linha de snacks VC+ que, em conjunto com a categoria de frutas secas, vai compor cerca de 8% do faturamento total da empresa neste ano, projeta Felix Boeing Jr, CEO da tradicional importadora, distribuidora e agora fabricante de snacks. “A linha VC+ é um produto com uma capilaridade muito grande que, inclusive, ampliou nossa penetração para lojas de conveniência”, destaca o executivo, acrescentando que os snacks foram desenvolvidos após dois anos de estudos no mercado brasileiro e no exterior. “Monitoramos tendências e desenvolvemos um time multifuncional responsável por observar insights gerados pelo gerenciamento de categorias, analisar a pesquisa de campo realizada nos Estados Unidos e com o consumidor final aqui no Brasil, além de realizar testes no mercado com distribuidores parceiros”, detalha o CEO.
Para ele, o consumidor, de uma forma geral, vem modernizando o seu estilo de consumo e cada vez mais busca produtos que sejam saudáveis e rápidos de consumir. Comprova a tendência, o crescente consumo de frutas secas, colocando a La Violetera como a líder na ala de importação, com 15,3% de share no país. “O VC+ se enquadra nessa proposta de distribuição por ser alimento funcional, de porção individual e com calorias ideais para lanches rápidos e intermediários, além de uma embalagem moderna que atrai o consumidor”, resume Boeing Jr.
Mais conhecida pelas linhas de granolas, mercado que ajudou a desbravar no país, a Tia Sônia ingressa no reduto de snacks saudáveis com itens certificados por selos veganos e orgânicos, indica Sandra Bérard, gerente de marketing da indústria. “A ideia é reforçar para o consumidor que o produto que ele está ingerindo realmente faz bem”, assinala ela. Com mais de 100 itens voltados para alimentação saudável e natural em seu portfólio, a Tia Sônia engorda as gôndolas de snacks saudáveis com oito linhas de itens 100% naturais, sem glúten, sem lactose, zero açúcar e veganos, repassa a executiva.
Para que os snacks se enquadrem no figurino saudável, nota Sandra, é necessário substituir os ingredientes mais comuns, como sal e açúcar, por opções especiais, a exemplo de açúcar de coco no lugar de açúcar refinado e de sal do Himalaia em substituição ao sal de cozinha, além de utilizar temperos como cúrcuma, entre outros, e inserir opções integrais e orgânicas. “A preocupação com saudabilidade é geral. Por isso, oferecemos dicas de como consumir os produtos, seja no lanche das crianças e até para pessoas que praticam exercício físico, no pré e pós-treino”, grifa a executiva. Além das diversas opções de granolas, a Tia Sônia exibe em seu menu de snacks barrinhas de cereais, cookies, grãos selecionados, produtos funcionais e integrais, além de pasta de amendoim, pasta de castanha de caju e uma linha de aperitivos snacks nas versões caramelizado, coquinho, frutas, mix de castanhas, nuts e temperado. A única preocupação é com o fornecimento de ingredientes naturais e orgânicos., uma vez que é mais comum encontrar fornecedores de matérias-primas de itens que não são saudáveis do que fornecedores de alimentos orgânicos, exemplifica Sandra. “Acreditamos que, com a demanda de ingredientes naturais, integrais e orgânicos crescendo gradativamente, o fornecimento desses produtos também passará a ser mais prático”, prevê a executiva. ■
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