Potência da engenharia elétrica e metal-mecânica, o centenário grupo Bosch (126 anos) completou 60 anos no Brasil. Sua trajetória narra uma história de sucesso que começou em 1954, na cidade de São Paulo. Atualmente a companhia alemã emprega no país cerca de 9.300 colaboradores e registrou, no ano passado, faturamento líquido de R$ 4,2 bilhões. O espectro de cobertura do seu portfólio de produtos e serviços inclui fornecimento para os setores automotivo, de ferramentas elétricas, sistemas de segurança, termotecnologia e mercado de reposição, além de máquinas de embalagem e tecnologias industriais, principalmente para o ramo alimentício. As operações do grupo na América Latina empregam cerca de 10.400 colaboradores, que contribuíram para gerar um faturamento de R$ 4,9 bilhões, incluindo as exportações e vendas das empresas coligadas. Destaque entre as grifes de máquinas que desfilaram em junho passado na Fispal Tecnologia, principal vitrine de sistemas e equipamentos para o setor alimentício, sua divisão de embalagem exibiu em primeira mão a mais moderna linha completa para empacotamento de biscoitos e confeitos. “O sistema é totalmente fabricado no Brasil e emprega o exclusivo PDS (Product Distribution System), acoplado a um alimentador Pack Feeder 4 e a embaladora horizontal flowpack 203-E, apta a operar 600 pacotes por minuto (ppm)”, detalha Alexander Röpke, gerente geral da Bosch Tecnologia de Embalagem. Engenheiro mecânico, desde 1998 nos quadros da corporação, Röpke atuou à frente das operações da Bosch no Japão, Holanda, Alemanha e, desde setembro passado, comanda a unidade brasileira. Na entrevista a seguir, o executivo analisa as perspectivas para os setores de chocolates, candies e biscoitos no Brasil e América Latina.
DR – Como avalia o cenário atual do mercado de confeitos no Brasil?
Röpke – Apesar da crise econômica que afeta fortemente os diversos setores da indústria, na área de confeitos doces e biscoitos em que atuamos ainda estamos registrando um certo crescimento. E até uma boa atividade nos investimentos por parte de nossos clientes. Temos dados da Euromonitor International, que indicam 3% a 4% de crescimento do ano passado para este ano no reduto de confeitaria. Podemos notar que as indústrias do setor vêm sofrendo forte concorrência de produtos importados. Isso se traduz em uma movimentação nos bastidores para começar a inserir uma maior variedade nos portfólios nacionais. Para a Bosch, sinaliza oportunidades para ingressarmos com linhas de equipamentos mais complexas e diferenciadas, para operar mais tipos de embalagens, ou seja, equipamentos mais flexíveis. Temos também a vantagem em relação a concorrentes nacionais, que é o suporte tecnológico da nossa matriz na Europa.
Em resumo o mercado de confeitos doces no Brasil ainda está em crescimento e ficando cada vez mais variado, exigindo sistemas e máquinas mais complexos.
Na ala de biscoitos, por exemplo, que é também um segmento de forte atuação da nossa companhia, estamos registrando um crescimento de volume do ano passado para este ano de 5% a 6%, sendo que o faturamento nessa área cresceu aproximadamente 15%. Isso quer dizer também que as linhas de produtos ficaram mais elaboradas e, consequentemente, incorporaram maior valor e custos. A propósito, um artigo publicado na mídia recentemente mostra que, na crise, os brasileiros comem mais biscoitos recheados. É o que estamos percebendo na ponta do fornecimento. Vários clientes estão investindo em equipamentos para biscoitos diferenciados, a exemplo de cookies e recheados, com chocolate ou popping no recheio ou cobertura. Essa tendência sinaliza para nós o desenvolvimento de máquinas com rendimento mais alto e maior flexibilidade. E a mudança pode ser constatada na nossa fábrica, que opera com alto índice de ocupação. O nível de investimentos no reduto de biscoitos vai muito bem e projetos que estamos avaliando para o futuro têm uma boa perspectiva também. Estamos prevendo um crescimento estável.
DR – Como vê o estágio atual do parque brasileiro de máquinas para doces?
Röpke – Temos muito clientes, especialmente no segmento mais tradicional de biscoitos, que têm parques de máquinas operando entre 15 até 20 anos de idade. Nesse caso há uma forte necessidade de renovação. As companhias multinacionais estabelecidas no país, a partir da década de 1990, ostentam um parque mais moderno, pelo tempo de permanência no país. Algumas delas adquiriram operações locais e investiram fortemente em modernização. São mais as empresas de grande porte nacionais que estão agora renovando o parque fabril.
Também temos mudanças nos tipos de embalagem, a exemplo das tradicionais estruturas portfólio, muito disseminadas no país. A maioria das empresas que opera com esse tipo de apresentação, notadamente para pacotes de biscoitos, vem mudando para a estrutura flowpack. Isso implica trocas nas linhas de máquinas. No momento, a pressão exercida pelos importados vem motivando investimentos em tecnologia de ponta. Para linhas de produtos mais recentes, a migração se dá com maior rapidez. Dá para prever que, daqui a 3-4 anos, teremos um parque fabril renovado, bem mais moderno, pois investimentos significativos já planejados estão sendo colocados em diversas frentes da indústria de confeitos.
DR – Com relação a tendências em embalagens, quais as mais fortes no momento?
Röpke – No Brasil, estão sendo adaptadas tendências já amplamente disseminadas no mundo todo, a exemplo de embalagens individuais, monodose ou single pack. São estruturas que se enquadram na corrente global da portabilidade e mobilidade, exigindo adaptações a etapas. Por exemplo, ao invés de termos 20 unidades em um pacote único, temos pacotes pequenos com duas ou mais porções em embalagens secundárias, facilitando o consumo e conferindo maior conveniência. Para a Bosch, essa movimentação reverte na oferta de linhas de alta velocidade e alto rendimento, porque em um sistema de embalagem é mais simples produzir um pacote com 50 unidades do que dez, com cinco. É preciso rodar muito mais rápido para atender essa necessidade.
Em outra frente, temos as embalagens hermeticamente fechadas. Um exemplo pode ser conferido nos envoltórios de bombons do tipo bola. Anteriormente, os produtos eram acondicionados em uma estrutura do tipo torção (twist) ou dupla torção (double twist) que tinha como ponto fraco a baixa selagem. Submetia o produto a riscos de contaminação, resultando em menor vida de prateleira. As tecnologias atuais permitem que essa mesma estrutura apresente selagem hermética, preservando o bombom contra contaminações e elevando o prazo de validade. Em biscoitos, outra tendência inexorável é a migração de embalagem portfólio de linhas horizontais com dobras e selagem nas extremidades para as estruturas flowpack de alta selagem.
Do lado da produção, as tendências puxam para itens mais naturais com menos conservantes, exigindo maior performance da embalagem para sua preservação. Linhas de embalagem de alta velocidade já acompanham essas tendências. Se a aplicação for uma embalagem individual, vai requerer uma linha de alta velocidade. A alimentação não poderá ser mais feita manualmente e a embalagem final da linha também não poderá ser manual. Produtos atuais requerem total automação no processo de embalagem.
DR – Como analisa as perspectivas para confeitos na América Latina?
Röpke – Somos responsáveis por toda coordenação de vendas da Bosch Embalagem para confeitos e biscoitos na região. Também, no caso das linhas vindas da Suíça ou da Alemanha para o Chile ou Peru, a coordenação é feita por aqui. Isto é, a conveniência e decisão de fornecer uma linha do Brasil ou de alguma outra unidade no exterior parte da nossa unidade. Observamos que o mercado também está crescendo na América Latina, com destaque para a Colômbia. Também percebemos estabilidade no mercado do Chile. Já o México apresenta uma trajetória interessante. O setor mexicano de confeitaria é extremamente criativo e uma das inovações recentes é o desenvolvimento de linhas de doces que misturam sabores locais de receitas tradicionais, criando linhas industrializadas inusitadas. Um exemplo são candies com notas sabor de pimenta chili, que se transformaram em produtos com potencial de representar o turismo nacional. Do ponto de vista do Brasil, temos melhores chances de exportar para a América Latina agora em função do câmbio favorável. Por outro lado, devemos assegurar níveis de eficiência e índices de competitividade para competir com concorrentes internacionais.
DR – Com relação às vendas, qual o balanço do desempenho da Bosch?
Röpke – No ano passado tivemos um crescimento forte, em torno de 30% de alta no faturamento. Esse resultado, porém, tem algumas razões específicas. Por exemplo, trouxemos vários equipamentos atualizados para atender necessidades que estão avançando no Brasil, especialmente no campo de embalagens individuais de alta velocidade. Não é possível estabelecer comparações com as vendas para o mercado regular. Crescemos muito mais intensamente do ano passado para este ano, sobretudo porque introduzimos equipamentos e sistemas novos.
Já é reconhecido que, em termos de custos, não somos o fornecedor mais em conta. Para o cliente, o mais importante é o custo da produção. Nesse compartimento, além do custo de uma máquina, entra muito forte a eficiência da linha e o volume de material de embalagem consumido. Particularmente, somos muito fortes em altíssima eficiência com redução no consumo de material, como filme plástico. Nossas tecnologias de selagem mais avançadas, desenvolvidas junto à filial da Suíça, permitem a obtenção de soldas mais finas e, consequentemente, reduções no consumo de matéria-prima. Temos condições de oferecer, por exemplo, um flowpack mais fechado, mais apertado, porque nossas linhas são de alta precisão. O investimento inicial em uma linha da Bosch pode ser um pouco mais alto, mas ele vai ter um retorno muito rápido.
DR – Como avalia os segmentos de chocolate e candies?
Röpke – Vejo que a indústria especialmente de candies está precisando inovar um pouco mais. Há um número expressivo de empresas que estão há bastante tempo com embalagens e linhas tradicionais já ultrapassadas. Voltando ao exemplo do México, entendo que a indústria daqui vai ter que inovar para poder se destacar dos itens que vêm de fora do país. Temos o exemplo recente de empresas suíças, como a Lindt na ala de chocolate, entrando fortemente aqui. A indústria brasileira ainda não descobriu uma maneira criativa de, por exemplo, explorar e incorporar sabores e receitas locais. Tem-se, de um lado, chocolate fino do tipo belga ou suíço e, de outro, um doce mais popular e caseiro do tipo goiabinha. Falta algo intermediário, que promova o mix, agregue um sabor diferenciado genuinamente nacional em um chocolate fino.
DR – Qual é a fatia do Brasil nas operações da Bosch e os planos para 2015 e os próximos anos?
Röpke – A previsão é que iremos continuar crescendo bem acima do mercado, atualmente na faixa de 5-6%, também nos próximos anos. A ideia é continuar a trazer equipamentos diferenciados e fazer desenvolvimentos locais atendendo a exigências específicas. Temos aqui um volume expressivo de máquinas que são importadas diretamente da Suíça para a Colômbia e outros destinos na região. Essas vendas não são computadas no resultado da unidade no Brasil e América Latina. Mesmo assim, comparando com outras áreas como a região Ásia Pacífico, o volume para o Brasil ainda é relativamente baixo. Diria que temos um potencial muito grande, a reboque da necessidade de renovar o parque industrial.
DR – O que destacaria em termos de inovação nos sistemas de empacotamento?
Röpke – Dentro dessa onda de embalagens individuais introduzimos um equipamento de distribuição de produtos (PDS/Product Distribution System), que sobressai por transportar itens como biscoitos e cookies não mais empilhados, como é o caso das calhas vibratórias. O PDS opera o transporte dos produtos deitados, lado a lado, preservando a integridade de cada unidade, podendo ser aplicado a itens como biscoitos ou cookies com cobertura de chocolate (topping) em alta velocidade, sem danificar o produto. O dispositivo integra um sistema acoplado a uma unidade alimentadora (pack feeder) PF4 e à nova empacotadora flowpack horizontal 203-E, podendo alcançar velocidade de 600 pacotes por minuto (ppm). O sistema permite acrescentar várias linhas, alimentando 4-5 empacotadoras simultaneamente.
DR – O que hoje em dia sobressai na ala de embalagens para confeitos?
Röpke – As principais tendências em embalagens têm destacado as estruturas stand up pouch e recursos de abrir e refechar o pacote, como novos tipos de zíper que não exigem tanto alinhamento. São semelhantes a fechos à base de velcro, que podemos inserir nas embalagens. Uma vantagem extra pode ser obtida com o emprego de materiais mais nobres, como o poliéster, nessas estruturas. Além do acabamento e visual melhorados, aumentam a vida de prateleira dos itens embalados. Temos duas vertentes fortes hoje em dia: a de clientes que estão procurando se destacar com qualidade e apresentações especiais; e a dos que buscam simplificar as embalagens e reduzir custos. Nesse caso entramos com nossos equipamentos de alta velocidade que podem fabricar os pacotes tradicionais do tipo almofada, porém em velocidade bem mais alta, conferindo à linha maior rendimento. Com relação aos materiais, o filme de BOPP (plástico à base de polipropileno) ainda domina a maioria das aplicações, mas o poliéster está entrando com força, principalmente nos segmentos de biscoitos, caramelos e chocolates premium.
DR – Quanto a produtos acabados, quais as tendências mais em voga?
Röpke – Estamos diariamente presenciando o avanço da frente de alimentos e doces mais saudáveis, com menos açúcar, menos gordura, menos sódio e ingredientes artificiais. Nesse reduto em particular a Bosch possui a habilidade única de fornecer equipamentos para o processamento desse tipo de guloseima ou confeito. Nossa matriz na Alemanha desenvolve e fornece desde cozinhadores e instalações pré-processamento até as moldadoras para chocolates e/ou barras de cereais, os quais podem ser integrados em linhas inteiras. No Brasil, fazemos toda a parte de embalagem final, com pacotes hermeticamente fechados, para produtos com menos conservantes e, portanto, mais sensíveis. Somos os únicos aptos a fabricar e fornecer linhas completas, desde o processamento até a embalagem final. As linhas de confeitos glúten free, isentos de lactose, frutose, variantes orgânicas e vegetarianas, exibidas na última feira ISM, de Colônia (Alemanha) – maior mostra global da indústria de doces –, no início do ano, reforçam a mais recente tendência no setor, que deve ganhar força no país. A crescente preocupação do público em geral com a saúde e bem-estar já constatada em diversas pesquisas é a antessala dessa ofensiva. E já estamos vendo os primeiros indicadores com várias empresas produzindo alimentos com baixa lactose e sem glúten. Temos fabricantes europeus vendendo produtos com esse perfil no Brasil e já estamos em tratativas com clientes locais para embalar produtos desse tipo. A aplicação requer uma linha diferenciada com cuidados especiais com relação a contaminantes, pois são itens consumidos por portadores de intolerâncias alimentares e/ou alergias, exigindo uma área separada ou enclausurada de produção.