Campo fértil
Com potencial que insere o país entre os principais celeiros da produção global de alimentos, o Brasil continua atraindo as atenções e investimentos, lastreados na fartura de matérias-primas básicas. Eventuais dificuldades no suprimento de itens como trigo e cacau têm sido contornados por fontes no exterior e abundância nos demais ingredientes. Em açúcar, o país ostenta posição de liderança mundial na produção e exportação. Essa riqueza em commodities e a autossuficiência em insumos como xaropes de frutose, glicose, ácido cítrico, estabilizantes, corantes, aromas e fragrâncias conferem competitividade crescente ao menu de produtos nacionais, com destaque para o setor de chocolates, biscoitos e confeitos (confectionery). No terreno agroindustrial, as culturas que em paralelo reabastecem a fabricação desses itens também avançam. Atraídos por oportunidades nesse campo fértil, grupos internacionais bancam investimentos crescentes no país e o ingresso de capitais nos últimos anos transformou o perfil de diversas atividades, a exemplo do setor açucareiro.
Na condição de maior fonte do insumo, o Brasil polariza as atenções dos grandes grupos investidores globais. Recente movimentação no reduto consolidou a joint-venture entre as gigantes Cargill e Copersucar. Sem impor restrições, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) aprovou a aliança entre as duas empresas para combinar suas atividades globais de comercialização de açúcar. A Copersucar reúne a produção de quase cem usinas de açúcar no Brasil e é considerada a maior comercializadora de açúcar e etanol no mundo. Uma das maiores companhias globais de capital fechado – com receita de US$ 137 bilhões,140 mil funcionários e atuação em 65 países –, a Cargill está presente nos principais países produtores de açúcar ao redor do mundo e, no Brasil, opera o Terminal de Exportação de Açúcar a Granel (Teag), no complexo portuário de Santos (SP), em conjunto com outras empresas. A joint-venture gera economias e ganhos de escala para as empresas, que têm negócios complementares.
O setor açucareiro nacional movimenta cerca de R$ 60 bilhões anuais, montante equivalente a 2% do PIB (Produto Interno Bruto) ou 18% da matriz energética do país, capta a ProCana Brasil – Centro de Informações Sucroenergéticas. Segundo a consultoria JOB Economia e Planejamento, o setor sucroalcooleiro no Brasil continuou enfrentando dificuldades nesse primeiro semestre.
O elevado endividamento do setor tem acarretado em restrições de crédito por parte das instituições financeiras, agravando ainda mais a situação. Além disso, os baixos preços do açúcar no mercado internacional contribuíram para um cenário desfavorável. Os preços, porém, já atingiram um patamar baixo e as expectativas daqui para a frente tendem a ser mais positivas.
No mercado interno de açúcar, com a entressafra no Centro-Sul, principal região produtora do país, o primeiro trimestre registrou preços em queda. Com exportações realizadas abaixo da expectativa, os estoques disponíveis no mercado doméstico se mostraram mais elevados, estimulando assim a oferta do produto por parte das unidades produtoras.
No início do segundo trimestre, os preços esboçaram alta, resultante de um início de safra voltada para a produção de etanol. Porém, essa alta não se sustentou e o movimento de queda, verificado no primeiro trimestre, retomou pulso, em boa parte em função dos preços no mercado internacional de açúcar. Este, por sua vez, apresentou tendência de baixa no primeiro semestre.
Os preços recuaram tanto em cents/lb (em maior intensidade) como em centavos-R$/lb (em menor intensidade). Nesse caso a apreciação do dólar em relação ao real compensou parte da queda registrada em cents/lb. Os elevados estoques mundiais e as boas safras, particularmente na Índia e Tailândia, foram os principais responsáveis pela queda de preços verificada. Os gráficos na página ao lado mostram: (a) o comportamento dos preços do açúcar demerara ao longo do primeiro semestre de 2015 (médias mensais de preços em cents/lb e em centavos-R$/lb), tomando como base o 1º vencimento da Bolsa de Nova York e (b) os preços médios mensais negociados em São Paulo (cor até 250 ICUMSA) apurados pelo Índice JOB Economia de preços.
Irracionalidade no cacau
Análise da TH Consultoria e Estudos de Mercado capta que, nos três meses entre o final de março e início de julho, os preços subiram quase
US$ 600, impulsionados exclusivamente por compras de especuladores nas bolsas de cacau, sem respaldo comercial. Parafraseando o ex-presidente do Federal Reserve norte-americano, Alan Greenspan, o mercado de cacau está claramente atravessando um período de “exuberância irracional”. A irracionalidade reside no fato de o avanço ter ocorrido no ambiente de uma conjuntura fundamental do mercado mundial que está longe de apresentar elementos para justificar uma alta dessa envergadura. As previsões da safra global são neutras, há estoques abundantes no mercado e a demanda está em retração.
Os preços aos atuais níveis são altamente favoráveis aos cacauicultores e aos governos dos grandes países produtores na África Ocidental, que derivam parte substancial das suas receitas da tributação sobre as exportações de cacau, mas vem sendo mal recebidos pelo mercado consumidor. As vendas de chocolate estão fracas no mundo inteiro e a indústria do ramo praticamente se afastou do mercado comprador há vários meses.
O setor mais atingido pela retração da demanda é a indústria processadora de cacau, que sofre a redução simultânea do volume das suas vendas e das suas margens de rentabilidade. De um lado, a falta de interesse comprador das fábricas de chocolate resultou na queda sucessiva das moagens mundiais desde meados do ano passado. No caso específico do Brasil, as moagens totais dos 12 meses entre junho do ano passado e maio diminuíram para 223.346 toneladas (t), 8,9% abaixo das 245.224 t do igual período anterior. Do outro lado, o mesmo desinteresse comprador da indústria consumidora provocou a deterioração dos ratios dos produtos de cacau. Tomando por base as cotações spot no mercado de Nova York, o ratio combinado da manteiga de cacau e do pó de cacau natural 10/12% vem caindo desde o final de 2013 e, nos últimos três meses, despencou de 3,06 para 2,80. A combinação dos dois fatores negativos fez com que muitas das fábricas de cacau ao redor do mundo, principalmente aquelas que não têm equipamento para produzir os tipos sofisticados de pó alcalinizado de preços mais valorizados, já estejam operando no vermelho.
Para devolver racionalidade à conjuntura fundamental é preciso que a indústria chocolateira retorne ao mercado comprador, o que ocorrerá em uma de duas situações. A mais provável é que os preços percam o suporte dos fundos especulativos e sofram uma correção para baixo, voltando a estimular a expansão da demanda. A outra, de menor grau de probabilidade, mas que não pode ser descartada, é a quebra da próxima safra mundial provocada por fatores climáticos ou outros. Isso imprimiria um viés altista ao quadro e obrigaria as indústrias de chocolate a voltar ao mercado aceitando os preços altos, que também acabariam sendo assimilados pelos consumidores e conduziriam à retomada, mesmo que mais lenta, da demanda.
Oferta generosa
A indústria processadora de cacau no Brasil se concentra nas atividades de companhias globais como as americanas Cargill e ADM Joanes e a suíça Barry Callebaut. As exceções nesse clube são a Indeca e a IBC (Indústria Brasileira de Cacau), únicas empresas de controle nacional do setor. Com unidades instaladas no estado da Bahia, que detém cerca de 90% da moagem nacional, essas múltis controlam juntas mais da metade do cacau processado no planeta, somadas todas as operações espalhadas pelo globo.
O Brasil também conta com abastecimento confortável na ala de corantes, aromas e fragrâncias, com a cobertura de fabricantes locais e do exterior, entre os quais as maiores potências globais dessas especialidades. Das grifes presentes no país, sobressaem, por exemplo, as internacionais Cargill, Ingredion, IFF, Mane, Tate &Lyle, Firmenich, Givaudan-Roure, Robertet, Symrise, Takasago, Quest, Danisco, Chr. Hansen, Kerry, Döhler e Saporiti, além das nacionais Duas Rodas, Vittaflavor, YSC, All Flavors e Proaroma, entre outras. Esse quadro comporta ainda distribuidoras e tradings que abastecem a indústria de confeitos, tais como a Domondo, Mastersense, Pluriquímica, Doce Aroma, Organa, Sweet Mix, Grasse, M.Cassab, Nutra Max, Indukern, Labonathus e Vogler. No flanco dos insumos especiais e edulcorantes sobressaem a Ajinomoto, Gelita South América, Rousselot, Nexira, Naturex e Beneo-Orafti. •
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