Aprovada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em outubro passado, a norma brasileira de rotulagem vigente prevê que produtos com altos teores de gorduras saturadas, além de sódio e açúcares adicionados estampem alerta nutricional na parte frontal da embalagem.
Pautadas por essas exigências legais e pelo mercado mais consciente, as empresas buscam se adequar sem perder a qualidade e característica de seus produtos. Rechaçada pelos consumidores, a quantidade de gordura saturada informada nos rótulos de alimentos industrializados receberá maior destaque na embalagem, a partir do próximo ano. Segundo a norma da Anvisa, os alertas valem para o caso de as guloseimas ultrapassarem 6g a cada 100g nas categorias sólidos e semissólidos e 3g a cada 100ml, no caso dos líquidos. Trata-se de uma alteração que vem ao encontro da crescente busca por saudabilidade dos brasileiros e representa um desafio para a indústria.
A substituição, entretanto, não é tão fácil, uma vez que a gordura certa vai além dos objetivos nutricionais, sejam elas empresas do ramo de panificação, biscoitos, chocolates, confeitos e laticínios, sejam de produtos plant-based, argumenta Rodrigo Guardini Miyake, responsável pela área de inovação ao cliente da sueca AAK, referência no fornecimento de óleos e gorduras especiais. Em um recheio de biscoito, exemplifica ele, é desejável que a gordura apresente um comportamento de cristalização que mantenha a textura adequada, pois entre o túnel de resfriamento até o processo de empacotamento deve desenvolver uma quantidade de cristais apropriada para que o recheio se mantenha firme e estável o suficiente. “É fundamental para reduzir as perdas do processo e suportar o peso dos biscoitos dentro do pacote”, alerta o especialista.
Ao mesmo tempo, ele orienta, é necessário que, na temperatura da boca, esses cristais se derretam, caso contrário, acontece a sensação de “cerosidade” do produto. Ou seja, os cristais têm propriedades intimamente ligadas ao teor de ácidos graxos saturados da gordura. Aliada a essa característica, a gordura saturada é usada para aumentar a validade dos produtos nas gôndolas.
Até 2023, a Anvisa também pretende eliminar dos produtos a gordura trans, muito requisitada quando o assunto é prazo de validade (shelf life). Esse movimento vem sendo desenhado desde a primeira década dos anos 2000 e já representou quedas substanciais do uso dessa alteração química. De acordo com a agência, o volume de produção anual de gordura trans no Brasil caiu mais de 74 mil toneladas em quatro anos – de 2013 a 2017. A gordura saturada, por sua vez, é presente e vem se mostrando uma substituta da indústria para conferir aspectos sensoriais desejados, o que a trans também é capaz de fazer e de forma barata.
Dados da Euromonitor Internacional mostram que, em 2020, a venda de produtos focados na saudabilidade atingiram R$ 100 bilhões no Brasil, maior faturamento da série histórica e alta de 3,5% em relação a 2019. Para não perder essa fatia de mercado, as empresas buscam soluções para adequação das fórmulas, a fim de diminuir a quantidade de gorduras saturadas de suas composições sem perder as características sensoriais e a validade estendida que esse tipo de gordura confere. “A saída é adotar uma nova forma de produzir, com novas matérias-primas, avaliando como isso impacta no resultado final do produto e questões mercadológicas”, comenta Rodrigo Miyake.