Com demanda explosiva no setor de alimentos e bebidas, as gôndolas de produtos saudáveis são hoje reduto de disputas acirradas entre marcas de fabricantes de todos os portes e, principalmente, vitrine de maior concentração de inovações no campo nutricional. Além de transposições de linhas regulares de gêneros básicos, a oferta crescente engloba confeitos, guloseimas, sucos e snacks diet/light, funcionais, vegetarianos, naturais e orgânicos. O panorama atual mostra o engajamento de um consumo impulsionado pela redução drástica de diferenças sensoriais entre itens regulares e especiais. Melhorado pelo efeito da escala de produção sobre os custos dos ingredientes, o preço dos itens, hoje menos proibitivo, também contribui para o crescimento dos segmentos saudáveis. As mudanças no perfil dos consumidores decorrentes de maior conscientização em todas as faixas da população valorizam o culto à boa forma física, disseminando uma busca maior por informação. Elas também estimulam metas de longevidade e beleza, através de maior seletividade na nutrição, agora diretamente associada à saúde e bem-estar.
Dados da consultoria Euromonitor International indicam que alimentos e bebidas enquadradas nesse filão registraram um salto de vendas de 52,4% (CAGR de 8,8%) de 2013 a 2018, totalizando R$ 93,948 bilhões no último exercício. Principais interessadas no desenvolvimento dessa ala, múltis com expertise em ciência e nutrição, se debruçam sobre pesquisas tanto do lado científico industrial quanto do consumo e comportamental. A divisão Nutrition & Biosciences da corporação DuPont, por exemplo, dispõe dados de estudos que revelam hábitos alimentares recentes em todo o mundo, além de tendências que vieram para ficar. Estas, por sinal, apontam um caminho de crescimento para categorias de alimentos e bebidas à base de vegetais, em linha com a chamada dieta plant-based, comenta Gisele Barros, líder de marketing da DuPont Nutrition & Biosciences para a indústria de bebidas na América do Sul.
Levado a cabo pela a HealthFocus International, um desses estudos destaca a significativa oportunidade de mercado em alimentos à base de vegetais e a ligação com muitas das importantes tendências que estão moldando as dietas mundialmente. Os dados revelam, por exemplo, que cerca de 60% dos consumidores brasileiros estão aumentando o consumo de produtos de origem vegetal e reduzindo o consumo de produtos de origem animal, com o número chegando a 70%, globalmente.”Mas é importante fazer uma distinção entre aqueles que também estão reduzindo a proteína animal e aqueles que mantêm o mesmo consumo de proteína animal conforme o mercado se torna mais complexo e fragmentado”, pondera Gisele.
Entre outras descobertas importantes, ela detalha que os consumidores estão dispostos a pagar um pouco mais por produtos plant-based. “A proteína foi identificada como um nutriente que a maioria das pessoas quer adicionar em sua dieta (na versão vegetal, citando amêndoas, castanhas de caju, soja e sementes) e o número de lançamentos de bebidas à base de vegetais cresceu 99% em três anos (2015-2018) na América do Sul. De outro lado, o de alimentos avançou 115%, segundo dados da consultoria Innova Market Insights. Todo esse movimento plant-based evidencia que alimentos e bebidas de origem animal também podem ser produzidos à base de vegetais, ganhando sabor e qualidade, pontua ela.
Beleza em caixa
Além de buscar benefícios para a saúde na oferta de alimentos e bebidas especiais, os consumidores também são atraídos pela corrente que explora apelos de beleza corporal e rejuvenescimento. Como desenvolvimentos com esse perfil não são foco da indústria, é cada vez mais frequente o ingresso de linhas que transitam no limite do varejo de alimentos com o canal farma. Um exemplo de iniciativa nessa direção pode ser conferida no lançamento da Biotec Dermocosméticos no Congresso Internacional Consulfarma, evento internacional do setor de beleza programado para julho, em São Paulo. “Apresentamos em primeira mão o Selfish, um kit composto por seis chocolates que agem de diversas maneiras conferindo energia, ação antiestresse, efeito lifting da pele, detoxificação do fígado, efeito termogênico e proteção da cartilagem”, sintetiza Mika Yamaguchi, farmacêutica e diretora científica da Biotec. De acordo com ela os chocolates, isentos de açúcar, contêm Bio-Arct, uma biomassa marinha padronizada originária de uma alga vermelha encontrada no Mar Ártico, que fornece energia ao corpo e à pele, aumentando a produção energética e o metabolismo celular pela liberação dearginina e citrulina. “Sua composição única possibilita a ativação da mitocôndria (pulmão celular) fornecendo micronutrientes e fonte de nitrogênio ao organismo”, sublinha a especialista.
Os chocolates Selfish incorporam ainda o Modulip GC, que confere ação antiestresse, atuando principalmente na modulação do cortisol. “Trata-se de um dipeptídeo obtido a partir de dois produtos naturais (triptofano e ácido glutâmico da beterraba), um ativo protetor das terminações nervosas dos malefícios do cortisol, também modulando esse hormônio que sofre um aumento quando estamos estressados”, afirma Mika. A linha exibe também o nutracêutico Osteosil para proteção da cartilagem, que age na diminuição da dor das articulações. Segundo a farmacêutica, a estrutura molecular desse ativo “possui função silanol e uma parte da função fósforo, exercendo ação sinérgica sobre o crescimento ósseo, formação das cartilagens, das articulações e outros tecidos conjuntivos”.
Para efeito lifting e rejuvenescedor da pele, o Exsynutriment estimula fibroblastos, aumenta a produção de proteínas estruturais e a produção de colágeno tipo I (ossos, artérias, pele), explica Mika. “Esse ativo é o ácido ortosilícico estabilizado em colágeno marinho hidrolisado e foi desenvolvido para ser idêntico às moléculas presentes na natureza, sendo 100% biocompatível com o organismo”, ela detalha. Com Desmovit e Glycoxil, os chocolates Selfish agem ainda na detoxificação do fígado e da pele. Enquanto o Desmovit limpa e recupera as funções do fígado para agir contra a inflamação sem os inconvenientes dos produtos desintoxicantes que levam o fígado a trabalhar mais, o Glycoxil é capaz de reverter os danos do açúcar na pele, frisa a diretora. Por fim, o Slim Green Coffee confere ação termogênica. Esse ativo, explica Mika, melhora o metabolismo da glicose e atua na redução da resistência à insulina. Sem contraindicação, ela indica a ingestão de um chocolate ao dia.
Novos perfis de consumo
Na tentativa de desvendar e aprofundar as preferências do consumidor brasileiro, recente estudo da consultoria Nielsen capta que a população está mais negociadora (55% dos entrevistados vão direto à loja para efetuar a compra), mais conectada (64% têm um smartphone), mais saudável (57% reduziram o consumo de gordura e 56% diminuíram a ingestão de sal), mais prática (64% escolhem as marcas pelo baixo preço) e mais sustentável (42,4% estão mudando seus hábitos pelo impacto no meio ambiente), repassa Ricardo Alvarenga, diretor do Painel de Lares da Nielsen Brasil. “É preciso entender o consumidor além de seus dados demográficos, combinando nível socioeconômico, gênero e idade com seu estilo de vida, hábitos e atitudes”, assinala ele. Tanta complexidade e multiplicidade de valores e escolhas compeliu a empresa a criar cinco novos perfis para o consumidor brasileiro (consciente pragmático, equilibrista, consciente sonhador, conectado e aspiracional), informa Alvarenga. “O Brasil é, em sua maioria, equilibrista, com 27% da população classificada nessa categoria. Em seguida, temos os aspiracionais (22%) e os consciente pragmáticos (21%), enquanto os conectados e os consciente sonhadores estão empatados com 15%”, indica. O especialista lembra que cada consumidor possui uma combinação desses perfis, embora um deles sempre predomine. O consciente pragmático é o “sabe tudo”, aquele que segue fielmente seus hábitos e preferências. O equilibrista é o “negociante”, aquele que busca fazer escolhas inteligentes para conseguir consumir tudo o que quer. Já o consciente sonhador é o “tranquilão”, aquele que busca levar uma vida sossegada, na qual possa cuidar de si e do mundo. O conectado é aquele “sempre online”, que se diverte, se comunica e passa a maior parte do seu tempo na internet. E o aspiracional é o “pra frentex”, que busca aliar seu bem-estar próprio ao coletivo, perfil predominante nas classes A, B1 e B2, com idade entre 26 e 45 anos e maioria feminina (64%). Está mudando seus hábitos para ser mais saudável e proteger o meio ambiente. Esse perfil consome muita informação, o que o torna mais exigente: 33% comparam preços no celular enquanto está fazendo compras, 70% vêm produtos e preços no aplicativo/internet antes de ir à loja, 72% gostam de comprar e experimentar novos produtos, 55% veem atentamente as informações nutricionais, 67% estão dispostos a pagar mais por marcas que pensam no meio ambiente e 81% gastam mais com produtos que melhoram a saúde.
A Nielsen ouviu mais de 21 mil pessoas em 8.240 lares pesquisados. O questionário contou com 100 questões, divididas em módulos de entendimento: tempo livre e hobbies; atitude, valores e metas; meios de comunicação; hábitos de compras (antes, durante e após), e preocupações com saudabilidade, detalha Alvarenga. Entre os perfis afeitos à tendência saúde e bem-estar, ele destaca o consciente sonhador, predominantemente feminino (72%) e mais presente nas classes C2, D e E. É responsável pelas compras de casa e, embora não tenha sido impactado pela crise, se preocupa com o custo de vida e a economia, mas principalmente com o meio ambiente. “Esse perfil vai três vezes mais ao hortifruti que os outros, e à feira pelo menos uma vez por mês. Reduziu o consumo do que julga fazer mal (no caso desse grupo, especificamente cafeína, lactose e glúten), compra produtos orgânicos e faz exercícios físicos”, observa. Além de mudar seus hábitos de consumo por causa do meio ambiente, esse consumidor está disposto a pagar mais caro por marcas sustentáveis, e tenta viver um dia de cada vez, desenvolvendo a sua espiritualidade.
“No dia a dia, a indústria, os profissionais de marketing, donos de comércio e varejistas podem usar essas informações para traçar estratégias, corrigir rotas e oferecer uma experiência mais personalizada ao seu público”, indica Alvarenga. Ao se perguntarem “quem é o meu consumidor?” podem identificar os perfis onde têm maior atuação, analisar como escolhem as marcas e os canais de compra, quais são seus hábitos e quais mídias acompanham, entre outros itens. Com os novos perfis elaborados pela Nielsen, considera ele, será possível responder perguntas como “o meu consumidor abandona minha categoria por falta de produtos saudáveis?”, entre outras, com enorme valor de mercado.
Avanço dos orgânicos
Do lado da indústria, há mais certezas do que questionamentos sobre a demanda de itens saudáveis. E a constatação unânime é que esse setor vai de vento em popa. Com base em projeção da Euromonitor, que estima crescimento de 4,41% ao ano até 2021, Fabiano Vasconcellos, diretor comercial da Jasmine, desbravadora do mercado de saudáveis, ressalta que, nos últimos três anos, por exemplo, as vendas alcançaram quase R$ 100 bilhões e o Brasil já ocupa a quinta posição do ranking dos países mais importantes para o setor. Para ele, tudo isso reforça que essa é uma área excelente para se abrir um novo negócio e investir sem medo. “É preciso notar que nos últimos anos houve um crescimento de estudos quanto ao uso de agrotóxicos na produção de alimentos e, por meio da divulgação de pesquisas, surgiu uma maior preocupação da população em relação ao tema”, comenta Vasconcellos. Além disso, acrescenta ele, outros fatores como “a era dos influenciadores”, que ditam tendências ao público jovem, e o próprio engajamento da indústria alimentícia brasileira têm instigado o consumidor a procurar opções saudáveis na rotina, inclusive snacks isentos de açúcar ou com quantidade reduzida do insumo. “A Apex Brasil – Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos divulgou no ano passado que o mercado brasileiro de alimentos orgânicos cresce a taxas de 40% ao ano, uma cifra considerável e que comprova o avanço notável da demanda”, sublinha o dirigente.
Vasconcellos observa que produtos saudáveis importados ainda representam grande concorrência no mercado brasileiro. Um dos desafios das empresas é, por sinal, quebrar esse paradigma para que a indústria nacional desse filão seja mais reconhecida. “Muito mais do que itens que incentivam o hábito da alimentação saudável, a Jasmine propõe um novo estilo ao consumidor, buscando transformar vidas por meio do alimento e, para isso, oferece diversas ferramentas informativas que auxiliam as pessoas a terem consciência sobre aquilo que comem”, grifa o diretor.
Para facilitar o ato de compra, exemplifica ele, a empresa lançou há dois anos um color code que identifica o portfólio da Jasmine em quatro categorias: sem glúten, zero açúcar, integrais e orgânicos. Controlada da francesa Nutrition et Santé, subsidiária da farmacêutica japonesa Otsuka, a Jasmine possui mais de 150 itens em seu catálogo. “Somos uma empresa multicategoria e multibenefícios, com produtos para todas as refeições e ocasiões do dia como biscoitos, granolas, pães sem glúten, açúcar mascavo, arroz integral, snacks de frutas, sucos e molhos orgânicos”, detalha Vasconcellos. Todos as linhas são naturais, isto é, não contêm aditivos artificias, frisa ele, completando que a orgânica, por exemplo, conta com certificação dos órgãos competentes para usar a nomenclatura.
“Acreditamos que é possível transformar as pessoas por meio dos alimentos”, repisa o executivo. Ele pondera que a comida saudável favorece e estimula novas experiências, amplia a visão de mundo e aumenta a qualidade de vida. Ingerir bons alimentos, segue Vasconcellos, sempre conduz a uma mudança geral, que começa de dentro para fora. “Por isso, em 2018, lançamos um programa para fomentar o desenvolvimento de produtos e conteúdos, proporcionando às pessoas uma vida mais ativa, saudável e consciente”, diz. Dessa forma, a marca apoia propostas de empreendedores, programadores, chefs, pesquisadores, profissionais da saúde, educadores e designers que atuam no ecossistema da alimentação saudável.
A expectativa é que a gama que compõe o portfólio de 150 itens seja renovada anualmente entre 15% a 25%. Presente nesse mix desde o princípio, a granola é um dos pontos altos da marca. Possui uma variedade de nutrientes e vitaminas, além de ser uma forma de incluir fibras na rotina alimentar. É produzida a partir de misturas de cereais, grãos integrais, frutas secas e oleaginosas e assim compõe um alimento completo, melhorando a absorção de nutrientes, que conferem a sensação de saciedade e auxiliam no controle do peso, colesterol e glicemia, informa Vasconcellos. Além disso, a linha sem glúten tem se tornado um grande diferencial da Jasmine. “Somos a única empresa do Brasil a contar com uma panificação própria sem glúten com validade de até cinco meses, preservando os valores de produto vegan, natural e saudável”, lembra ele.
Para assegurar essas qualidades, a Jasmine investiu R$ 90 milhões na fábrica de Campina Grande do Sul (PR), inaugurada em 2017. Outros R$ 10 milhões foram despejados na aquisição da máquina de pães da linha sem glúten, com capacidade para 100 mil pães/hora, relata o diretor comercial. Com relação às tendências, ele ressalta a de orgânicos como sendo a onda do momento. Segundo a Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), repassa, o Brasil está se consolidando como um grande produtor e exportador de alimentos orgânicos, com mais de 15 mil propriedades certificadas e em processo de transição. A prática, frisa ele, não se preocupa só com a saúde dos consumidores, mas também com o impacto que causa para os animais e o meio ambiente. A Jasmine, assinala, foi a primeira empresa brasileira a apostar fichas na agricultura orgânica, sendo pioneira no desenvolvimento de uma linha de orgânicos integrais, livre de adubos químicos, agrotóxicos e sementes transgênicas. “Prezamos produtos naturais e sem adição de quimicos artificiais, entre eles os conservantes prejudiciais à saúde”, conclui.
Vegano na incubadora
No compartimento de guloseimas doces, um reduto que evoluiu da oferta exclusiva para diabéticos a opções sensorialmente aprovadas para um público muito maior, antenado em saúde e bem-estar, sobressai a Doce Amor. “Há 20 anos desenvolvemos o suspiro diet, zero lactose e zero glúten, sob a marca Merenguinho que, por ser inovador à época – quando o mercado estava começando a dar importância a questão do diabetes – foi muito bem recebido”, rememora Elaine Camargo, diretora da empresa. Ela lembra ainda que o único limitador era o alto custo das matérias-primas, pois a clara de ovo era o único ingrediente fora da lista de insumos importados. Atualmente, acrescenta ela, o Merenguinho Diet atende a restrições de celíacos, diabéticos e intolerantes à lactose e, inclusive, conta com uma versão vegana na incubadora, que deve estrear até o final do ano, antecipa Elaine.
Desde sua estreia nas gôndolas de guloseimas especiais, a Doce Amor tem sustentado em suas propostas de desenvolvimentos, que todos têm direito ao prazer de desfrutar um doce, incluindo diabéticos e portadores de intolerâncias alimentares. Por conta dessa preocupação, a empresa é focada no atendimento dos mais diversos perfis de consumidores, com ou sem restrição alimentar. “A biotecnologia tem sobressaído por abrir possibilidades de desenvolvimento na área dos alimentos, onde a tendência mais relevante no momento é a questão do produto natural”, observa a executiva. Escorada nesse conceito, a Doce Amor vem expandindo o portfólio com itens como tortas, doces, quindins, brigadeiros e outras opções, todas concebidas dentro do espectro de produto natural, vegano ou orgânico e isentas de açúcar.
Nos últimos anos, com o aumento das questões de saúde como alergias e intolerâncias, ampliou-se o leque de consumidores atrás de itens enquadrados nas correntes de saúde e bem-estar, nota a diretora da Doce Amor. Produtos com esse perfil no passado só eram encontrados em lojas especializadas. Mas agora estão cada vez mais disponíveis em pontos de venda convencionais, conferindo escala à indústria e pressionando custos e a queda de preços finais. No fundo, ela sublinha, o que mais influencia o consumidor a optar por alimentos especiais é a preocupação crescente com a saúde, mesmo que questões como alergias e intolerâncias alimentares sejam mais comuns. •