Os consumidores brasileiros em sua maioria não se interessam, não compram e não relacionam alimentos orgânicos a empresas e marcas com nome feito nesse ramo de negócio. A maior parte dos que valorizam o selo de orgânico e consome itens do segmento com alguma frequência restringe as compras a verduras, legumes e frutas, por conta do alto preço cobrado por esses produtos. Uns poucos realmente buscam, por exemplo, um chocolate com a tarja. ”Isso ajuda a explicar a dificuldade do segmento em verticalizar sua cadeia”, comenta Ming Liu, diretor executivo do Organis (Conselho Brasileiro da Produção Orgânica e Sustentável), ao anunciar os resultados de uma pesquisa inédita realizada em nove capitais de quatro regiões do país, entre março e abril. Primeiro no gênero dedicado ao tema, o levantamento constatou que apenas 15% da população urbana entrevistada alegaram ter consumido algum alimento ou bebida orgânica no último mês. Na entrevista a seguir, Ming Liu detalha os resultados da pesquisa.
DR – O que motivou a realização desse estudo?
Ming Liu – O Brasil dispõe de poucos dados oficiais sobre o mercado orgânico. Precisávamos ter o perfil por região, com consumo, costumes e percepção do consumidor de orgânicos. Essa pesquisa ajudará nas estratégias comerciais dos produtores, empresas e varejistas. Se há cerca de 600 feiras orgânicas mapeadas no Brasil e a cada ano o crescimento do setor chega em 20%, temos um potencial de aumento do consumo.
DR – Como foi feito o planejamento e realização da pesquisa?
Ming Liu – A pesquisa é uma parceria entre o Organis e o instituto de pesquisa e opinião pública Market Analysis. Na metodologia aplicada foram realizadas 905 entrevistas, com adultos entre 18 e 69 anos, residentes em nove capitais: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Salvador, Porto Alegre, Curitiba, Goiânia e Brasília. As entrevistas foram realizadas no domicílio dos entrevistados, entre março e abril de 2017, e objetivou saber basicamente quem são os consumidores, o que consomem e se conhecem o setor de forma que possamos conhecer o potencial futuro deste segmento. A margem de erro da pesquisa é de 3,3% para mais ou para menos.
DR – Quais as principais conclusões?
Ming Liu – O estudo revelou que 15% da população urbana são consumidores de produtos orgânicos, em especial a região Sul onde o consumo dobra em relação ao dado nacional. Verduras, legumes e frutas são os alimentos mais consumidos, mas há disposição de introduzir outros produtos orgânicos nos hábitos de consumo. Não existe uma marca forte que represente o setor de orgânicos e a percepção do consumidor é para marcas que aparecem mais na mídia e nas gôndolas dos supermercados, ponto de venda (PDV) mais relevante. A maior barreira para o consumo é o preço e maior clareza sobre os benefícios desses produtos e a aplicação da certificação. Apesar do movimento crescente de orgânicos, 25% da população não estão interessados em mudar o hábito de consumo do convencional para orgânico.
DR – Fala-se muito no crescimento do chocolate orgânico no Brasil. Ele existe de fato?
Ming Liu – Ainda que não haja pesquisas específicas sobre o volume de produção, consumo e demanda de chocolates orgânicos no Brasil, é possível ter uma pista de que há cada vez mais pessoas interessadas nesse estilo de vida. A produção de chocolates com alto teor de cacau já é uma realidade bem aceita pelos brasileiros. As estatísticas disponíveis sobre o mercado nacional de orgânicos mostram que o país vem registrando nos últimos cinco anos um crescimento acima de 15% ao ano. Em 2016, o índice chegou a 30%, e movimentou R$ 2,5 bilhões, de acordo com a consultoria Agronomic Consulting. Esse mesmo número foi registrado pela Chokolah, marca que produz chocolate a partir de amêndoas 100% orgânicas, desde 2009.
(N.R.: a Chokolah lidera o mercado de chocolate orgânico no Brasil ao lado da Amma Chocolate, sua única grande concorrente).
DR – O que explica o avanço do mercado de chocolate orgânico no país?
Ming Liu – Trata-se de uma mudança de comportamento pela qual muitos brasileiros já passaram ou estão passando. Assim como ocorreu com o café e a cerveja, o consumidor de chocolates também passa por um processo de refinação. Para exemplificar, veja o caso do suco néctar e o suco integral. Enquanto o primeiro custa em média R$ 4,50, o outro sai por no mínimo R$ 12. E mesmo em período de crise, observamos os sucos integrais ganhando cada vez mais espaço nas prateleiras. Muito além dos produtos gourmet, os consumidores estão interessados em superalimentos, ou seja, produtos muito ricos em nutrientes e benéficos para a saúde. Como o chocolate comum contém uma mistura de gordura, leite e açúcar, resultando num produto extremamente doce, o brasileiro vai levar algum tempo para se acostumar às diferentes proporcionalidades de cacau. As diferenças entre o chocolate orgânico e o chocolate comum vão da fermentação do cacau, passando pela secagem e beneficiamento do cacau já na fábrica. Enquanto um chocolate comum leva no máximo sete dias para ser preparado, o orgânico necessita de ao menos um mês.
DR – E o que acontece do lado da produção?
Ming Liu – Ainda assim a demanda brasileira é muito superior à produção, mas os produtores ainda não veem razão para aumentar a variedade da oferta, como no caso do mercado de industrializados. A cadeia de orgânicos ainda está em construção e precisa superar seus atuais gargalos. Há falta de insumos, sementes de qualidade, além da falta de conhecimento técnico, sendo esses os principais entraves da cadeia de fornecimento. •