Contrariando a tendência geral na economia de pisar no freio por conta da retranca em todos os segmentos de consumo, a Chocolândia abriu desde o início do ano nada menos que três novos pontos de venda (PDVs) de atacado e varejo especializado em confeitos. O último deles, por sinal, inaugurado em abril na Freguesia do Ó, zona norte da capital paulista. “Até parece que tudo vai muito bem, às mil maravilhas, mas é apenas muito trabalho e dedicação total”, elucida Osvaldo Nunes, diretor presidente da rede de atacarejos, com nove lojas na Grande São Paulo e planos para cortar a fita de mais três unidades no segundo semestre. A pergunta que fica no ar é: mas se as vendas não estão bombando, de onde vêm os recursos para investir na abertura de lojas?
Nunes conta que há cerca de três anos, quando a conjuntura econômica permitia voos mais altos, se interessou pela oferta de linhas de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para médias empresas. “Era o BNDES Fácil que atendia empresas com faturamento anual de até R$ 300 milhões”, relembra. Seguindo os trâmites de praxe, elaborou um projeto de expansão da Chocolândia, então com seis unidades, para a abertura de cinco novas lojas. Além de intuição aguçada para escolher locais para a instalação de PDVs e observar apelos nas redes sociais, a exemplo da comunidade “Quero uma Chocolândia no Meu Bairro”, Nunes segue a regra de implantar unidades, no mínimo, a cada 10-12 quilômetros de distância entre uma e outra.
“Era o início da recessão e acredito que, pelo agravamento acelerado da situação, nosso projeto não foi aprovado”, rememora o comerciante. Todavia, no apagar das luzes da gestão da ex-presidente Dilma Roussef, vários pedidos de financiamento receberam sinal verde e, entre eles, o da Chocolândia. “O cenário havia se transfigurado e, mesmo enfrentando uma recessão brava, não dava para frear o projeto. Decidimos tocar o barco para frente”, resume Nunes.
Com cerca de 60% do negócio gerados pelos cursos de culinária que a Chocolândia praticamente inventou para atrair e fidelizar a clientela. ele reconhece que crises na economia sempre foram aliadas da sua operação. Diante da queda na renda, os clientes do atacado buscavam nos cursos de chocolate, bolos, doces diversos e até sashimi, especialização para iniciar pequenos negócios e complementar a renda familiar. Até determinado patamar, nota Nunes, o desemprego até contribui para o avanço do negócio, pois gera clientes com capital mínimo para aprender a produzir guloseimas, se abastecer nas lojas e partir para a venda autônoma. “Mas hoje em dia o desemprego passou do ponto. As pessoas não têm o mínimo para começar a fazer doces”, lamenta o empresário.
Faro para o comércio
Ele comenta que foi surpreendido quando, ao iniciar o processo de contratação de pessoal para a loja da Freguesia do Ó, sem qualquer publicidade, recebeu nada menos que 30 mil currículos. “Tem famílias inteiras desempregadas”, sublinha Nunes, completando que, ao analisar o cadastro de candidatos para a loja de São Vicente, que abriu as portas em fevereiro, notou que vários deles moravam no mesmo endereço. “Era um prédio inteiro de desempregados”, assinala. O empresário, no entanto, vê como um desafio ao seu faro fino para o comércio de candies a missão de empreender em meio ao atual panorama adverso. A unidade de 800 metros quadrados de área, recém-inaugurada na Baixada Santista, superou as expectativas de venda logo no primeiro mês.
Uma amostra desse tino para o negócio fica clara com a abertura da unidade do Sacomã, também em fevereiro passado. Ao observar o crescente deslocamento do comércio popular, com bancos, lojas de departamento, agências de serviços como os Correios, para a comunidade da favela de Heliópolis, ele decidiu por conta própria, isto é, sem recursos do BNDES, abrir a filial por lá. “Com a expansão do comércio na comunidade, que tem 200 mil habitantes, as pessoas vinham menos vezes à nossa loja matriz, no Ipiranga, mas resolvemos isso com uma Chocolândia no local”, argumenta Nunes. Por conta disso e, após ter inaugurado as unidades de São Vicente e da Freguesia do Ó, ainda restam mais três para concluir o projeto aprovado no banco de desenvolvimento.
Em 31 anos de operação, as lojas da Chocolândia evoluíram de atacado doceiro para o que Nunes define como “um supermercado diferente”, incorporando seções de higiene e limpeza, panificação, açougue e FLV (frutas, legumes e verduras), num total de 14 departamentos. Mas o principal chamariz do negócio continua sendo o completo arsenal culinário para a fabricação de doces (chocolate, bolos, guloseimas) e a intensa programação de cursos, que movimenta 9 mil alunos por mês, somando todas as unidades. Tanto no site como em cada loja, clientes são informados de que a venda de chocolate artesanal pode auferir lucro de até 300%. Nunes esclarece que, com investimento inicial no curso, na compra de apetrechos de cozinha e matéria-prima básica, é possível alcançar esse resultado. O custo de uma barra de um quilo de chocolate ou cobertura é cerca de R$ 18,00, orça o dirigente. No caso de um ovo de chocolate, ele exemplifica, entram mais despesas com itens de embalagem (papel chumbo, laço, papel vegetal e suporte), que podem ser adquiridos na loja por no máximo R$ 4,00 para cada unidade. “Com custos nesse patamar, o lucro é certo, pois o quilo de chocolate sai por no máximo R$ 88 contra R$ 180 a R$ 240 de um produto industrializado de marca”, confronta o atacadista.
Por conta da demanda nutrida pelos cursos, a Chocolândia honra o nome com a oferta de chocolate e/ou cobertura de todos os fornecedores e marcas do mercado, com destaque para Harald, Barry Callebaut e Garoto, as três mais vendidas atualmente. “Também operamos com outras marcas e variantes com bom giro dependendo da aplicação, como as linhas da Puratos, Cargill e Mavalério”, elenca Nunes. Ele, aliás, se considera o maior distribuidor individual da categoria no país, tendo mantido a média de 3 milhões de quilos vendidos na Páscoa nos últimos anos. “O recorde foi em 2012, quando atingimos a marca de 3.640 toneladas despejadas na semana santa”, crava o diretor.
Entre os planos que incluem as três novas lojas a serem abertas no próximo semestre, ele também cogita a implantação de um centro de distribuição (CD) amplo o suficiente para alimentar toda a rede. Assim que atingir a meta de uma Chocolândia a cada 10-12 quilômetros de distância na Grande São Paulo, Nunes pretende reduzir o intervalo entre lojas para 5-6 quilômetros. “Todos querem uma Chocolândia no seu bairro”, ele frisa. •