O setor brasileiro de confeitos (confectionery) ocupa hoje a quinta posição no ranking mundial. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados (Abicab), a produção atingiu 353 mil toneladas (t) em 2015, ficando atrás da China (1.507 mil t), Estados Unidos (1.084 mil t), Alemanha (419 mil t) e Rússia (373 mil t). Os produtos brasileiros são exportados para 130 países, porém ainda não constam embarques expressivos para a China, maior parceiro comercial do Brasil na atualidade. “Pode ser por causa do paladar chinês, que é radicalmente diferente do nosso”, arrisca um palpite Tomaz Dantas de Carvalho, diretor da Interbrax, empresa com mais de 40 anos na área de negócios internacionais, especializada em assessoria para importar da China. Formado em Direito na FMU, Carvalho atua à frente da Interbrax desde 2007 e, em 2013, passou a exercer o cargo de diretor estratégico administrativo. Além de adotar técnicas de negociação da Harvard Business School, o executivo passou pelo curso European Union After Enlargement, da Universidade de Lodz, na Polônia, onde estudou Direito Internacional. Ao morar em Hangzhou, na China, de 2011 a 2013, tornou-se conhecedor das peculiaridades do mercado chinês, dos hábitos gastronômicos e de como os chineses se relacionam com questões ligadas a higiene, educação e segurança. Na entrevista a seguir, Carvalho relata algumas de suas experiências na China e dá dicas de como o setor nacional de confectionery pode intensificar o relacionamento comercial com aquele país.
DR – Quais as principais dificuldades enfrentadas pelos exportadores brasileiros para ingressar na China?
Carvalho – São pelo menos quatro desafios. O primeiro é a adequação ao paladar chinês, que é radicalmente diferente do nosso. Quando morei lá, era comum encontrar nos supermercados balas de carne, de algas, leite misturado com chá e muitas outras iguarias. O chinês que vem ao Brasil imediatamente estranha a quantidade de açúcar nos doces e sal nos pratos salgados. Na minha primeira semana, perdi um quilo só pela falta de sal. É curioso que na China, ao ir ao supermercado, não se acha pacote de açúcar, mas uma bandeja com um bloco enorme de açúcar e um martelo. O cliente martela a borda, pesa e leva seu pedaço.
A segunda dificuldade é localizar um comprador. A não ser que se invista capital em um stand nas principais feiras de alimentos no país (que são Sial e FHC), é muito difícil prosperar. O negócio não se limita apenas a negociar preços. Será necessário amostras, negociações de custos, aprovar a fábrica ou o produto em determinados certificados (equivalente a Inmetro ou Anvisa aqui no Brasil) e, principalmente, definir estratégias de marketing, promoções etc.
O terceiro desafio a vencer é o da alta reputação dos Estados Unidos e da Europa. O chinês considera que produtos dos Estados Unidos e da Alemanha são os melhores. Portanto, ao receber uma cotação nossa e outra europeia, eles podem preferir a outra.
Por último, acordos bilaterais são fundamentais, apesar de o Brasil ter pouquíssimos. Um caso de sucesso foi o acordo China-Chile. O Chile zerou o imposto de importação de máquinas chinesas e a China fez o mesmo com vinhos chilenos. Lá, eles são baratos, acessíveis e de alta qualidade.
DR – Tem conhecimento do embarque de confeitos do Brasil para a China?
Carvalho – Esse movimento representa muito pouco, já que 99% das nossas exportações são commodities como grãos e minério. No entanto, a Interbrax está apta a gerenciar e providenciar a exportação de material sensível ao calor, a exemplo de contêineres climatizados para chocolates, doces, sorvetes etc., com um trabalho competente e ainda conta com empresas seguradoras que arcam com tudo caso ocorra algum problema.
DR – Sendo maior parceiro comercial do Brasil hoje em dia, é mais fácil iniciar negociações com os chineses?
Carvalho – Estamos num momento em que a China é o principal parceiro de dezenas de países, portanto não significa tanto assim. Vale comentar que a América Latina representa apenas 3% no volume mundial de comércio.
DR – Quais as perspectivas de exportação de linhas de confeitos para a China nos próximos anos?
Carvalho – Vejo potencial, mas temos que ter determinação e força de vontade, pois há muitas barreiras a vencer. Com a orientação correta e objetiva ganha-se agilidade. As principais barreiras são, como já disse, a adequação ao paladar chinês, a aquisição de certificados específicos, a promoção e marketing na China e, obviamente, preços atraentes.
DR – Quais categorias têm maiores chances de seduzir o consumo chinês?
Carvalho – Acredito que biscoitos e snacks, pois vejo um mercado muito bem organizado nos outros produtos, já com os principais players do mundo. Ocorre que os fabricantes nacionais dessas categorias consideram necessárias apenas adaptações na embalagem, com relação ao idioma e, ocasionalmente, a alguma exigência sanitária. Mas é preciso mudar a formulação, pois as quantidades de sal e açúcar, por exemplo, consumidas pelos brasileiros diferem muito do paladar oriental em geral.
DR – A China é hoje um grande produtor de confeitos. Mas como é o consumo internamente?
Carvalho – É bastante reduzido porque culturalmente não existe forte hábito desse tipo de consumo. Entretanto, os chineses ficam encantados com produtos com apelo orgânico, natural, sustentável, vitaminado ou que tenham um valor nutricional extra. Há uma grande preocupação com o peso e se o produto faz bem ou não ao corpo.
DR – Quais fatores culturais pesam contra e a favor de linhas de guloseimas fabricadas no Brasil?
Carvalho – O público chinês quer produtos que façam bem à saúde. Por exemplo, produtos naturais, orgânicos, vitaminados etc. Alguns anos atrás houve a moda do própolis, e seu preço chegou a valorizar mais de 5 vezes. O fornecedor que tiver, por exemplo, produtos sem açúcar, com colágeno, com vitamina C, enfim, algo que traga benefícios, vai vender muito.
DR – Restrições a ingredientes artificiais podem inibir o consumo chinês a produtos vindos de fora do país?
Carvalho – No geral, o que é restrito aqui é também restrito lá, seguindo em linhas gerais o padrão americano da FDA (Food and Drug Administration). A restrição vai depender diretamente da classificação fiscal do produto e nós, da Interbrax, podemos ajudar a verificar isso.
DR – Poderia dar uma ideia do potencial de consumo de doces da China?
Carvalho – Exatamente em 2012 a China passou a ter mais de 50% de população urbana, deixando de ser classificada como um país rural. Até 2030 as cidades receberão mais de 350 milhões de chineses, gerando novos hábitos típicos de cidade, como comer snacks e doces. Portanto, a curva é positiva. A tendência é aumentar o consumo.
DR – Fabricantes de doces brasileiros que tentaram exportar para a China esbarraram na alta burocracia. Como enfrentar essa questão?
Carvalho – É preciso contar com empresas especializadas como a Interbrax e ter atitude de perseverança, disciplina e de flexibilidade para fazer alterações necessárias para obter uma aprovação. Isso não se limita à China, mas a quase todos os países. Quando se trata de alimento, existe uma análise mais criteriosa. •