Por conta das nuvens carregadas no horizonte da economia, a indústria de chocolates concordou em reajustar de 7% a 10% os preços dos ovos de Páscoa, sinalizando abrir mão de rentabilidade, uma vez que a inflação medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) cravou 10,67% em 2015. Tudo isso para tentar repetir a campanha do ano passado que, para o varejo, foi a pior dos últimos oito anos, conforme o indicador de atividade do comércio da Serasa Experian. Em meio à insegurança reforçada por índices negativos diários veio, em fevereiro, o aumento na alíquota do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) incidente sobre o chocolate, que de R$ 0,09 (chocolate branco) e R$ 0,12 (demais chocolates) por quilo será de 5% cobrados sobre os preços de venda dos produtos, a partir de maio. Comemorada este ano em 27 de março, a Páscoa já negociada pela indústria com a devida antecedência, certamente terá um sabor rançoso por conta das indefinições geradas pelo aumento do imposto. Desde o anúncio da alta, a Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados (Abicab), que prevê demanda estável nesta Páscoa, avalia os impactos da medida para o setor.
A previsão de estabilidade na produção embute uma performance que, na ponta do varejo, se traduz em demanda crescente, apesar de menos intensa. Dados da Euromonitor International captam que de 2010 a 2015 as vendas de chocolate no varejo nacional, inclusa a Páscoa, subiram de 265,8 mil toneladas (t) para 329,7 mil t, cravando avanço de 24,1%. Em valores o salto foi ainda maior, repassa a consultoria, uma vez que o giro saiu de R$ 8,385 bilhões para R$ 13,948 bilhões, uma alta de 66,3% no período. Sem incorporar possíveis impactos da carga tributária em sua projeção, a Euromonitor estima que o giro de chocolate cresça 17% nos próximos cinco anos, para 385,9 mil t, totalizando vendas de R$ 17,738 bilhões em 2020, com alta de 27,2% (ver quadro à direita).
Pela contabilidade da Abicab, o volume de produção para a Páscoa atual é similar ao da campanha de 2015, quando foram produzidas 19,7 mil t de chocolate ou 80 milhões de ovos. Para Ubiracy Fonseca, vice-presidente de chocolate da entidade, a indústria se depara com um mercado consumidor retraído, número maior de desempregados e custos mais altos. Ele calcula, com base em dados dos associados, que o custo médio de produção de chocolate subiu 18% nos últimos 12 meses. O preço do cacau, principal e mais caro insumo dos produtos, alcançou 32% no período e o preço do açúcar, que também está sobrevalorizado, avançou 30%.
Apesar desse handicap, a Páscoa 2016 honrou a tradição e ofereceu oportunidades para quem estava em busca de uma vaga temporária. Segundo a Abicab, cerca de 29 mil vagas foram criadas para a Páscoa. Em 2015 foram 26,5 mil contratações e, em 2014 e 2013, os números foram ainda mais modestos, com 24 mil e 20 mil contratações, respectivamente.
Para amortecer a alta nos custos e mitigar a perda real de receita, as indústrias introduziram algumas mudanças nas linhas, mexendo na gramatura dos ovos, nas embalagens, licenciamentos, no sortimento de brindes e até na logística de distribuição. A primeira e mais imediata medida se deu na readequação do tamanho dos ovos. Na campanha de 2015, os itens de maior procura foram puxados pelos ovos de 400g. A ideia geral é centrar o foco nos tamanhos pequenos e médios, a exemplo de ovos de 250g, observa Fonseca. Além disso, acrescenta ele, outras mudanças contemplaram a fabricação propriamente, com a redução, por exemplo, nos tipos de formas para chocolate, aumentando a produtividade da linha de produção. Assim, os fabricantes tentam superar a retração econômica com ovos menores para atender a um público com menos dinheiro para gastar. “O desafio é produzir mais com menos”, resume Fonseca.
Tamanhos menores
Confirmando a expectativa de vendas em volume iguais às de 2015, a indústria espera um crescimento nominal em valores inferior a 10% que, em termos reais, significa perda de receita em relação à inflação dos últimos 12 meses. Anderson Freire, gerente de marketing de chocolates e biscoitos da Arcor, informa que a empresa espera faturar R$ 80 milhões, assinalando um crescimento de exatos 10% na receita em relação ao ano passado. Em 2015, a empresa conquistou aumento de quase um ponto de share em unidades vendidas, e foi a fabricante que obteve a menor retração, segundo dados da Nielsen. “Vendemos 7 milhões de ovos e alcançamos um faturamento de R$ 72 milhões, desempenho que contribuiu para alcançarmos 8,5% de market share em valor”, sublinha o gerente.
A maior preocupação, segundo ele, foi reduzir o tamanho dos ovos e adequar a linha aos custos de produção, além de implementar uma comunicação enfatizando o momento de encantamento da data. “A pretensão é não privilegiar a quantidade de chocolate, tanto que o maior ovo vendido pela empresa tem 220g”, comenta o executivo.
A maior aposta da Arcor para a comemoração, acrescenta Freire, continua sendo a campanha direcionada ao público infantil. A demanda dos ovos da linha Tortuguita colocam a empresa em segundo lugar em unidades vendidas no segmento e, para 2016, brinquedos que acompanham os ovos infantis serão o grande diferencial, frisa ele. “A proposta foi trazer utilidades divertidas e funcionais. Pensamos em brinquedos de utilidade no dia a dia das crianças e em itens que pudessem fazer parte da rotina delas, a exemplo de lanternas, sombrinhas, copos e maletas”, antecipa Freire. Entre as opções de maior impacto ele encaixa uma lancheira com cantil acoplado que acompanha os ovos da Tortuguita, inspirada na personagem campeã de vendas no segmento. Além da diferenciação por meio dos brinquedos, a Arcor investe em novas apresentações e sabores, e em licenciamentos, também uma ferramenta de diferenciação, que atinge consumidores através de personagens fortes e reconhecidos no mercado.
Operando uma outra providência decorrente da crise, alguns fabricantes adotaram mais caixas de papel cartão e mesmo outros materiais alternativos no lugar das embalagens de folhas laminadas à base de filmes plásticos. “Além de diminuir custos, outra vantagem é que a caixa pode ser usada como um expositor na loja”, argumenta Keila Broedel, gerente de marketing da Garoto, completando que a mudança ainda reduz custos com material promocional.
A campanha da Garoto, repassa ela, enfatiza ovos de chocolate com mais cacau na fórmula, mudança recentemente implementada em toda linha da empresa. Além dos itens tradicionais, escorados nas grifes já conhecidas, Keila pinça entre as novidades o ovo Talento Doce de Leite, à base de chocolate branco com doce de leite crocante, inspirado no tablete que é hit entre os consumidores da marca. Outra atração da atual campanha, ela acrescenta, é o Talento Colorir. Com uma embalagem personalizável, o ovo vem com um kit de cinco lápis de cor e um minilivro para colorir, estimulando o potencial artístico dos consumidores. “A criançada vai entrar no clima com o divertido Coelho Baton, lançamento especialmente desenvolvido com o chocolate ao leite com mais leite na fórmula”, salienta a executiva, informando que os ovos trazem indicações sobre porcionamento e quantidade ideal de consumo.
Segundo Keila, o clima na Garoto é de otimismo. A empresa, reforça ela, conta com um portfólio amplo e variado, desenvolvido para atender aos mais diversos perfis e pesquisas têm apontado que o consumidor, em momentos de crise econômica, poupa nos itens básicos, mas não nos que lhe proporciona momentos de prazer. “E a Páscoa tem essa característica, pois o brasileiro gosta de estar em família, entre entes queridos, compartilhando bons momentos”, frisa.
Já a Nestlé, controladora da Garoto, reduziu as linhas e reajustou preços na faixa de 10%, orça André Laporta, gerente de marketing da companhia, esperando vendas estáveis em volume em relação a 2015. Seguindo a tendência de tamanhos menores para que o consumidor não deixe de comprar o produto, a marca ajustou seu portfólio de ovos para gramaturas que variam de 90g a 360g. “O único acima é o Alpino de 700g. Já o Especialidades de 750g foi retirado do catálogo e, neste ano, ele só será oferecido na versão de 350g”, relata Laporta. Além disso, acrescenta ele, a Nestlé reduziu o tamanho dos ovos Sensação e Prestígio, que passaram a ter 240g. Outra providência foi retirar da lista linhas com menor giro, como Charge e Chokito. De acordo com o gerente, os ovos com diminuição de tamanho não tiveram a tabela de preços reajustada. Laporta informa que a empresa manteve 30% do portfólio voltado para ovos com licenciamentos de marcas. O maior destaque vai para a linha Star Wars, licenciada do megassucesso das telonas que bateu recordes de audiência em todo o planeta. “O ovo de chocolate ao leite vem em formato de speaker para os fãs da série, nas opções Kylo Ren e Stormtrooper”, antecipa ele, completando que, para os fãs de Kit Kat, a Nestlé desenvolveu um ovo de chocolate ao leite e pedacinhos do tablete, que traz como surpresa um exclusivo headphone.
Produção estável
Na Mondelez, campeã de Páscoa com a marca Lacta, uma das tacadas envolveu a ampliação da distribuição em pontos de venda (PDVs) como hiper e supermercados e a manutenção dos preços para varejo praticados em 2015, informa Fernanda Pincherle, gerente de marketing de Lacta. Com produção estável em 25 milhões de unidades, a empresa também concentrou o mix em ovos menores, com preços inferiores a R$ 30 a unidade, para ajustar a oferta ao bolso do consumidor. Mais da metade dos produtos estarão nessa faixa de preço, sublinha a gerente.
A campanha deste ano, frisa Fernanda, traz um posicionamento, que objetiva resgatar a magia da Páscoa, auxiliando os pais e familiares de hoje a criarem memórias. “Queremos que as pessoas vejam a data com os olhos das crianças e voltem a perceber como essa é mais uma oportunidade de celebração, para reunir a família e os amigos e criar momentos especiais”, assinala a executiva. Assim, completa ela, os esforços de comunicação da marca estarão voltados para a simbologia e o significado da comemoração, com a adoção de um novo mascote na campanha, que representa a retomada dos valores da data.
Entre os lançamentos, os ovos recheados de 95g nas versões Sonho de Valsa e Ao Leite terão preços na faixa inferior a R$ 10, orça Fernanda. A Mondelez, comenta ela, promoveu ajustes internos para manter inalterados os preços dos ovos em relação ao ano passado e, graças a esses esforços, a tabela foi mantido, sem mudança no peso. A maior aposta para 2016 foi justamente a reorganização do portfólio, com o objetivo de assegurar que os brasileiros possam comprar suas marcas favoritas. Há 19 anos, o ovo Sonho de Valsa é o mais vendido e continuará disponível nas versões de 270g e 330g, exemplifica Fernanda. Além do ovo Diamante Negro, que vem com nova fórmula e mais “cristais” (disponível nas versões de 215g e 320g), o ovo Bis (230g e 318g) e o Bis Laka (240g), a Mondelez introduz na atual campanha o Laka Oreo e Bis Xtra, que chega em formato cúbico, com casca supergrossa, cheia de pedaços de Bis, repassa Fernanda.
Na faixa mais intermediária dos fabricantes de chocolate, algumas empresas cortaram gastos nos licenciamentos de marcas para ovos infantis e no arsenal de brindes, este ano também mais simples. A maioria dos brinquedos foi substituída por mimos como canecas e maletas. Esse foi o caso da Village que importou da China itens menos elaborados para reduzir custos, confirma Reinaldo Bertagnon, gerente de marketing da companhia. Em contrapartida, a fábrica aumentou a produção em 10% e nessa campanha deve totalizar 1,5 milhão de ovos, com preços reajustados entre 7 % e 8%, orça o executivo. “Acompanhando a tendência de tamanhos menores, investimos em dois lançamentos, com ovos de 120g e 150g”, informa Bertagnon. Ao todo, completa ele, a linha apresenta 25 produtos para adultos e crianças, em diversos tamanhos, com inúmeras opções de ovos de chocolate ao leite, a linha de bolos e panetones Bella Páscoa nos sabores de frutas, chocolate, trufado e light; a de Bem Casado com gotas de chocolate e a linha Mini Bella Páscoa, com gotas de chocolate para o público infantil. Todas as embalagens foram remodeladas, destaca o executivo, assinalando que, por conta desse portfólio mais completo, aposta em um crescimento de até 5% nas vendas. Desde o começo de fevereiro, a linha de Páscoa da Village vem sendo distribuída em mais de 5 mil PDVs em todo território nacional. A empresa contratou mais de 700 profissionais temporários, efetivo repartido entre a produção e promoção no PDV. Bertagnon sublinha que, para assegurar a qualidade dos serviços de entrega e reposição, a Village conta com o sistema online Agile Promoter, responsável por enviar informações em tempo real direto do varejo.
Opções para o bolso
Com mais de duas décadas de atuação na cena de chocolates, a Top Cau sobressai com uma operação que se dedica ao marketing de licenciamentos de personagens e marcas populares para o público infanto-juvenil, produzindo ovos exclusivos também para grandes redes varejistas. “Estamos trazendo muitas novidades para a atual campanha e são várias as atrações para esse público, a exemplo da linha de ovos e miniovos Jurassic World e das linhas Frozen, MTV e Kung Fu Panda”, assinala Alais Fonseca, gerente de marketing da indústria paulistana, estimando crescimento nas vendas na faixa de 7%. “O espírito e empenho no trabalho são os mesmos da campanha de 2015, quando também conseguimos alcançar os objetivos”, grifa a executiva.
Entre as inovações no portfólio, ela destaca, por exemplo, o ovo do God of War, inspirado no game de sucesso que incorpora uma miniatura do guerreiro da mitologia grega Kratos, em três versões. Baseado no longa Jurassic World, arrasa-quarteirão de 2015, a Top Cau inseriu o ovo licenciado do filme para surpreender adolescentes e adultos, acompanhado de uma réplica de fóssil. Aos apaixonados por música, o ovo MTV traz um speaker com três versões de cores diferentes. E inspirado no filme Cinderela, o ovo licenciado acompanha uma luminária em formato de sapatinho de cristal. “Também estamos trabalhando uma linha especial de chocolate trufado nos sabores maracujá, morango e tradicional e, além dos ovos, uma lata com minitabletes de chocolate ao leite dos Minions, bombons do filme Cinderela e da Peppa Pig”, grifa Alais. Quanto aos tamanhos, ela insere que a Top Cau segue a tendência da maioria dos fabricantes, com ovos para pré-Páscoa de 80g e 90g, versões intermediárias de 120g a 230g, mas também não deixou de prestigiar consumidores que não abrem mão de ovos grandes, com linhas de 300g (ovo Trufa), 400g e 600g (ovo Top Class). Disponíveis nas redes varejistas do país, as linhas de ovos de personagens como Backyardigans, Garfield e Dora agora também trazem brindes, junto com a linha de ovos da Top Cau, com destaque para o ovo Top Class de chocolate ao leite em três diferentes tamanhos, reporta Alais. Já a linha exclusiva para as Lojas Americanas, ela completa, incluem mais de 40 itens, a maioria licenciada com as principais propriedades do momento.
Na Duas Rodas, indústria de ingredientes que ingressou recentemente no segmento de chocolate, com linhas de coberturas e compounds, a expectativa é mais ambiciosa. “Com os lançamentos e estratégias previstos para o segmento em 2016, a empresa esperar alcançar um crescimento de 20% em relação ao ano passado”, sinaliza Marco Paulo Pereira Henriques, gerente de marketing da Duas Rodas. O principal lançamento, indica ele, é a linha de produtos Selecta Namur, inspirada na formulação de chocolates belgas e elaborada a partir de liquor e manteiga de cacau, além de ingredientes selecionados. Dirigida ao mercado artesanal de chocolates, panificação e confeitaria, a linha pode ser conferida nos sabores ao leite, meio amargo e branco, diferenciando-se pelo sabor, cremosidade e textura da massa, além de oferecer fácil derretimento e alto rendimento. Os produtos são comercializados em barras de 1,01 quilo e estão à venda em lojas de doces, de produtos para festas e atacados desde o final de janeiro.
Segundo Henriques, a Páscoa hoje representa 45% do faturamento total de chocolates da Duas Rodas. Por conta dessa fatia consistente, o investimento em inovação e ampliação de portfólio é constante. “Durante o 2016 teremos mais seis lançamentos, sendo quatro deles direcionados ao mercado premium, que cresce 20% ao ano no Brasil”, informa o gerente, Ele acrescenta que na temporada atual o trabalho em PDVs será o maior já executado pela companhia, com a participação, inclusive, da chef Carole Crema, da doceria La Vie en Douce, de São Paulo. “Nossa aposta para 2016 está centrada, sobretudo, no aumento do portfólio e na ampliação da presença da marca no mercado artesanal”, frisa Henriques.
Na Neugebauer, empresa do grupo Vonpar, a campanha de Páscoa também se fixou em opções que cabem no bolso dos consumidores. Com o mote Monte sua Cesta, ela incentiva o público a personalizar o presente usando o Stikadinho, o Love Me e o Bib’s, tradicionais marcas de chocolates da sua linha. Além disso, destaca entre as novidades do portfólio o bombom Amor Carioca ao leite em embalagem de 200g e com preço reduzido, repassa Sergio Copetti, diretor comercial da Neugebauer.
A depender da companhia, comenta ele, mesmo com a crise econômica, o consumidor terá como presentear toda a família. “A Neugebauer entende o realidade brasileira e, por isso, apresenta opções acessíveis a todos, a exemplo de barras de 130g em vários sabores, bombons e outros. O que não pode é passar a Páscoa sem chocolate”, sublinha o executivo. Além disso, a loja conceito da marca, no Viva Open Mall, em Porto Alegre (RS), terá uma promoção de compre e ganhe, na qual o consumidor leva uma caneca personalizada. Segundo Copetti, a previsão para esse ano é de 20% de crescimento nas vendas em relação ao mesmo período do ano passado. Mesmo com o aumento do consumo em outras datas comemorativas, a Páscoa segue concentrando até 18% das vendas anuais da Neugebauer, frisa ele. •