Um fora na crise
O ideograma chinês para crise, que incorpora o símbolo de oportunidade, permeou as palestras do seminário Chocolates, Candies e Biscoitos – Impactos da Crise, Soluções e Oportunidades. Programada pela Editora Definição, que publica Doce Revista, esta primeira edição reuniu especialistas do setor de confectionery no dia 18 de novembro em São Paulo, sob o patrocínio da Bosch, Caramuru e Duas Rodas, com apoio da Abiad, Abicab, Abief, Abimapi e Cereal Chocotec (Ital). Em sua palestra “Cenário e Perspectivas para o Setor de Chocolates e Candies”, Oswaldo Nardinelli, ex-dirigente da Arcor, Mondelez e titular da consultoria ON 360º, sintetizou as principais e eventuais dúvidas dos presentes, respondendo questões como “Aonde estão e quem consome as mais de 600 mil toneladas de produtos deste setor, se é tão difícil encontrá-los nos PDVs?”, “Qual o melhor caminho para crescer?” “Por que é tão difícil conseguir distribuição no Brasil? e “Que aprendizados tiramos de quem já ultrapassou algumas dessas barreiras?”.
Segundo ele, embora o país passe por um momento crítico de sua economia e política, ainda exibe um enorme e forte potencial. “O setor enfrenta desafios, porém há muito mais oportunidades do que problemas para grande parte das empresas”, argumenta Nardinelli, assinalando que os atalhos para o crescimento passam por uma estratégia mais clara, focada e objetiva de marketing e vendas; pelo aprofundamento do entendimento do consumidor e do shopper e pelo foco na segmentação de clientes, principalmente no atacado.
Para o consultor, o cenário no setor de chocolates e candies acusou performance razoável no último ano, com vendas de R$ 12,1 bilhões de candies, R$ 12,6 bilhões de chocolates e crescimento geral na faixa de 5%. Segundo seu diagnóstico, a ala de confectionery exibe baixo consumo per capita, forte influência nos canais atacado e SM e, portanto, espaço para avançar com a distribuição numérica; baixo investimento publicitário, alta penetração da categoria, baixa freqüência de consumo, fácil acesso e disponibilidade de matérias- primas, além de um consumidor aberto à inovação.
Já o panorama do ponto de vista das empresas mostra as poucas existentes de grande porte dominando os segmentos rentáveis, com atuação forte na distribuição e execução de PDV e investimento em marcas. De outro lado, perfilam as pequenas e médias operações em busca de espaço, com os segmentos menos rentáveis, baixo investimento em marca e forte concentração em canais regionais. “A trilha do crescimento para essas empresas, que certamente têm capacidade para abocanhar as oportunidades, está por exemplo na definição mais clara de suas estratégias de marketing e vendas; na segmentação do canal atacado e em inovações relevantes e não incrementais”, sublinha Nardinelli. Ele completa que é imprescindível que se aprimore a gestão da política comercial e o conflito de canais, movendo o foco do sell in (negociação fortemente baseada em preços) para o sell out (negociação com foco no consumidor final) e um trade marketing estruturado, com o desenvolvimento de suas marcas no trade.
Na abertura do evento, Claudio Zanão, presidente da Abimapi (Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias, Pães e Bolos Industrializados), enfatizou entre as oportunidades no setor de forneados e panificados a preocupação cada vez maior com a saúde e a qualidade de vida, a busca por produtos saudáveis, enriquecidos com fibras, vitaminas, minerais; e o aumento de dois dígitos no setor de alimentação saudável com alimentos e bebidas diet/light, naturais e orgânicos. Com relação à adoção pelo setor de uma política voltada para a saudabilidade, Zanão frisou que a indústria está se adequando às metas estabelecidas em termos de compromisso assinados com o Ministério da Saúde (MS) e Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e que muitas empresas têm se antecipado e realizado reduções, por exemplo de sódio e gordura trans em seus produtos. “Hoje em dia praticamente todos os segmentos de biscoitos estão dentro do padrão estabelecido com o MS no caso da gordura trans e sódio e, para 2016, já estão previstas reuniões com os órgãos competentes para discutir a redução de açúcar. Além disso, os produtos estão sendo enriquecidos com fibras, vitaminas, minerais, farinhas e grãos integrais”, frisa o dirigente da Abimapi.
Um dos pontos altos do evento foi protagonizado pelo empresário Osvaldo Nunes, fundador e presidente da Chocolândia, rede de atacados cash and carry de São Paulo, que expôs as mazelas da atividade de distribuição de uma forma bem humorada. Para resumir o que se faz hoje nos pontos e venda (PDVs), ele exibiu uma foto em que aparece aos 12 anos trabalhando em uma barraca de feira de batatas. “A gente já praticava merchandising no PDV, mesmo sem saber o nome, selecionando e colocando as batatas mais bonitas estrategicamente na parte de cima do saco”, assinala Nunes. Em outro momento descontraído, ele criticou a inconsistência do trabalho de distribuição, mostrando um filme em que, ao descarregar um caminhão, a carga e o carregador são projetados da carroceria ao solo, arrancando gargalhadas da plateia. Para o atacadista, que fatura R$ 32 milhões com suas seis lojas na capital paulista, uma das soluções aos gargalos apresentados por ele na distribuição de chocolates e candies está na mudança de comportamento dos executivos que operam do lado dos fornecedores. “A proposta é que todas as pessoas das empresas venham para a rua, saiam das salas de reuniões para ver o que acontece com os produtos, ou seja, de como funciona ou não toda a operação”, sublinha Nunes.
Getulio Ursulino Netto, presidente da Abicab (Associação Brasileira da Indústria de Chocolate, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados), fechou a primeira parte do evento traçando o cenário de curto e médio prazos e estabelecendo diretrizes para o setor. “Para alcançar um posicionamento mais competitivo, o setor tem de implementar uma mudança de eixo, saindo de um mercado de massa e mentalidade doméstica para um mercado de nichos amplos e mentalidade global”, indica o dirigente. Entre as diretrizes para a consecução dessas mudanças, ele insere a busca permanente por melhores produtos, a apresentação de pontos fortes para o público-alvo; o controle máximo de custos e o impacto positivo de clientes com produtos e serviços.
Embalagens e máquinas
Dedicada a apresentações de fornecedores de matérias-primas e máquinas, a segunda parte do seminário teve início com o especialista em embalagens de polipropileno da Braskem Jefferson Bravo, que proferiu a palestra “Os Desafios para Novos Produtos em BOPP”. Presente na maior parte das embalagens recrutadas no setor de confectionery, os filmes de polipropileno biorientado (BOPP) abocanham a maior parcela das vendas da Braskem direcionadas ao setor alimentício, que representam 27% dos negócios da companhia, repassa o executivo. Com atuação centrada na primeira e segunda geração petroquímica, a Braskem é fonte da resina básica de polipropileno, que é processada por empresas da terceira geração e transformada em filmes para embalagens flexíveis. Largamente utilizado em aplicações que requerem excelência em propriedades mecânicas e óticas, tratamento superficial (boa adesão de alumínio) e alta selagem, o BOPP vem nos últimos 25 anos dominando a cena em projetos de embalagem para chocolates, balas, gomas de mascar, snacks, biscoitos e guloseimas diversas. Entre os requisitos-chave para essa performance, Bravo enfatiza o perfil de selagem e barreira da película, que permite a solda a temperaturas mais baixas, conferindo maior velocidade às linhas de embalagem. “Quanto mais baixa a temperatura de selagem, maior é a velocidade do processo”, frisa ele.
Entre as inovações em foco para o material, Bravo destaca a elevação de barreira a umidade, gases e aromas; o aumento da performance de selagem; melhorias na retenção de tratamento ou aumento na qualidade da metalização e impressão; aumento no encolhimento e a adoção de embalagens inteligentes. Nesse compartimento, ele exemplifica com soluções que mesclam materiais e formatos, exibindo uma estrutura para biscoitos com berço rígido de material transparente e fechamento à base de BOPP, com “janela” abre e fecha para o consumo dosado do conteúdo da embalagem.
Bravo enfatizou ainda a plataforma Weclycle, menina dos olhos do centro de tecnologia e inovação da Braskem, que preconiza soluções customizadas a partir da integração entre os diferentes elos da cadeia do plástico para maior qualidade e diversificação no uso de matéria-prima reciclada.
Coube ao líder global de estratégia da divisão Netzsch Confectionery (Grupo Netzsch) e titular da Fenix Consultoria, Theron Harbs, apresentar as tecnologias inovadoras e os avanços recentes no setor de equipamentos para o processamento de confeitos. Segundo o especialista, há quatro anos a Netzsch lançou tecnologias para preparação de massas (de chocolate, compounds, recheios e spreads), que foram recentemente incorporadas a linhas como a batizada de Mambo. Esse sistema, detalhado por ele, engloba uma unidade compacta, para espaço de aproximadamente 20 metros quadrados, completamente fechada para produção de compounds, recheios e coberturas. “Oferece os melhores recursos possíveis de limpeza, higiene e ergonomia para aprimorar ganhos de qualidade, evitando qualquer contaminação por substâncias externas”, sublinha Harbs. Outro destaque do portfólio enfatizado por ele é o sistema batizado de Rumba para preparo de chocolate premium, além do moinho de impacto Condux. Já o sistema de processamento Tango combina sua própria tecnologia de moinhos agitadores de esfera com o novo sistema de pré-moagem de nibs de cacau em moinho de facas, tecnologia que passou a fazer parte do portfólio de equipamentos da empresa, após a incorporação da alemã Dr.-Ing. Bauermeister GMBH. Permite, a partir de nibs de cacau, chegar a um tamanho de partícula final de 99,5% a 99,8% menor que 75 mícron (µm) em um único passe, observa Harbs, salientando que, entre outras vantagens, o conjunto se destaca pela manutenção frente a outras tecnologias, com possibilidade de troca de facas em aproximadamente 30 minutos.
Pesquisas e tendências
No último bloco, dedicado a estudos e tendências de mercado, Olegário Araújo, titular da consultoria Inteligência de Varejo, frisou que o Brasil vive, na realidade, uma crise de confiança. “Fez com que diminuíssem os investimentos, que levaram ao cenário atual. O consumidor está assustado”, grifa ele, inserindo entre os impactos reais indicadores como o do PIB com queda de 2,9% em 2015 e 1,5% em 2016; e do varejo, com decréscimo de 1% no exercício atual e 0,5% no próximo ano. “O índice de confiança do consumidor caiu 3 pontos no último mês e acumula queda de 16 pontos em nove meses”, crava Araújo.
Apesar desse quadro, ele pinça destaques positivos, a exemplo da alta de 2,6% nas vendas de biscoitos, dentro da mercearia doce auditada pela Nielsen no consumo do dia a dia nos supermercados. “Na verdade, o segmento de biscoitos cresce o dobro da mercearia”, observa. Na escala móvel anual até setembro último, o total das 131 cestas auditadas pela Nielsen acusou queda de 7% nas vendas, enquanto a mercearia doce cresceu 1,3%, repassa Araújo. Entre as explicações para a aparente contradição entre a crise no varejo e crescimento nas vendas de doces, ele insere o consumo compensatório ou a chamada indulgência. “É uma faceta que acaba se valorizando. Com menos dinheiro no bolso, o consumidor se esforça para manter algumas conquistas”, sustenta.
Face aos desafios que se impõem com a crise que, como se viu, é seletiva em seus alvos, Araújo nota que a missão maior consiste em conciliar planos de curto e longo prazos. No planejamento para o presente, ele orienta modelar o negócio para atingir os clientes de hoje, melhorar o alinhamento entre atividades funcionais e definição do negócio; concentrar-se na sincronização e construir pontes de informação com os fornecedores e clientes. “É preciso melhorar a produtividade para fazer a travessia de 2016 com rentabilidade”, justifica. Já dentro do planejamento para o futuro, ele observa que o consumidor/shopper está mais volátil e, por isso, é preciso redefinir o posicionamento e sortimento da loja, remodelar o negócio para competir por clientes e mercados no futuro; buscar obstinadamente a produtividade e gerenciar a mudança para desenvolver as operações e os processos do futuro. “Mas isso tem que começar a ser feito já”, assinala.
Com base nos 11 mil lares auditados semanalmente, a Kantar Worldpanel acompanhou de perto o boom no consumo dos brasileiros nos últimos dez anos. De 2006 a 2014, enquanto o consumo em volume aumentou 36%, o valor gasto que acompanha de perto a renda média domiciliar saltou 127%, repassa Tathiane Frezarin, gerente de atendimento e negócios da consultoria. “Para 2015, com base no primeiro semestre, o consumo dos brasileiros deve cravar alta de 1% em valor e queda de 8% em volume, em relação ao ano anterior”, observa a executiva. Para ela, a racionalização imposta atualmente ao consumo conduz a uma volta ao lar, com as famílias buscando opções para equilibrar o orçamento. Dentro desse cenário, hoje em dia incluem-se, por exemplo, despesas com comunicação (cerca de R$ 61,00 mensais com celular para renda de até R$ 2.993,00) e lazer dentro de casa (internet e TV por assinatura, com gasto mensal de R$ 138,00, abrangendo mais de 4,2 milhões de famílias). “As famílias racionalizam gastos assim com linhas inseridas em planos controle, que crescem 32%, e mitigando despesas com refeições fora de casa”, assinala Tathiane, completando que mais de um milhão de famílias deixaram de fazer refeições fora do lar.
Segundo ela, o atacarejo (formato misto de atacado e varejo) tem tido um papel fundamental dentro desse novo cenário de consumo, sendo o único canal que exibe crescimento. “A função desse canal agora é aproveitar as visitas, cada vez menos freqüentes aos pontos de venda tradicionais, para impulsionar a sofisticação”, afirma a consultora. Cerca de 95% do volume do atacarejo no primeiro semestre deste ano provêm da troca com outros canais. O atacarejo abocanhou no período compras de 22 categorias de produtos, incluindo entre os itens da lista guloseimas como biscoitos, açúcar, iogurte e massa instantânea. “As categorias que mais crescem no atacarejo são as de alto fluxo. Assim o atacarejo vem para substituir a compra de categorias desenvolvidas que acontecia em outros canais”, sublinha a consultora.
Tathiane concluiu sua apresentação observando que há muitas oportunidades de crescimento, mesmo em um quadro de racionalização no consumo. A guisa de exemplo, ela assinala que, com base em 254 marcas monitoradas pela Kantar, no primeiro semestre de 2015 versus o mesmo período do ano anterior, 131 delas retraíram, com variação de 5%; e 66 mantiveram-se estáveis, com variação entre -5% e +5%. “ Das 57 marcas que acusaram crescimento, com variação positiva de 5%, 24 delas cresceram mais que 10% em volume, cravando mais de 1 ponto de penetração”, grifa a executiva. Dessas 24 marcas em destaque, ela pinça grifes campeãs do segmento de confectionery, como a dos biscoitos recheados Oreo (Mondelez) e das batatas chips Lays (PepsiCo). Na cena de chocolates, os destaques foram para os bombons Serenata de Amor (Garoto), Amor Carioca (Neugebauer), Sonho de Valsa (Mondelez) e caixa de novidades da Arcor; o confeito Bis e os tabletes Garoto, Shot (Lacta), Kit Kat e Prestígio (Nestlé).
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