Sobra gordura para queimar nos dados oficiais. Mais da metade da população brasileira está obesa e, culpa de maus hábitos alimentares, uma em cada três crianças tem excesso de peso. Em reação a este problema crônico, pois entre seus alertas consta o levantamento de 11 anos atrás da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde, o ministro da Saúde Ricardo Barros formalizou em 14 de março perante a Organização das Nações Unidas o compromisso de conter o crescimento da obesidade adulta até 2019, calçado em três metas: implantar políticas intersetoriais de saúde e segurança alimentar e nutricional e, para brasileiros adultos nos próximos dois anos, ampliar no mínimo em 17,8% o contingente de consumidores de hortifrútis e baixar no mínimo em 30% a ingestão regular de refrigerantes e sucos artificiais (refrescos em pó).
No atual vai da valsa, pisca o sinal de que, depois dos sucos sintéticos, as bolas da vez serão outros supérfluos açucarados, tipo chocolates, confeitos e biscoitos como os recheados, deglutidos aliás por mais de 60% das crianças abaixo de dois anos.
Em nota de esclarecimento exclusiva para Plásticos em Revista (coirmã de Doce Revista, ambas sob o guarda-chuva da Editora Definição Ltda.), o ministro Ricardo Barros assinala que, antes do comprometimento feito à ONU, publicou portaria proibindo a venda, promoção, publicidade ou propaganda de alimentos industrializados, com excesso de açúcar, gordura e sódio e prontos para consumo dentro do seu ministério. “A proposta é estender essas regras aos demais órgãos e entidades da administração direta federal”, ele assinala. Além disso, Barros lança ainda neste semestre a campanha Saúde Brasil, destinada a incentivar a adoção de hábitos saudáveis.
Do anúncio do plano à chegada desta edição aos leitores, Ricardo Barros não explicou como fará para conscientizar a sociedade e baixar em 30% o consumo nacional de refrigerantes e refrescos em pó até 2019. Uma incógnita de eriçar os nervos da principal representação desses dois produtos, a Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas Não Alcoólicas (Abir). “O conteúdo da fala do ministro causou maior preocupação do que o número 30% em si”, pondera o presidente da entidade, Alexandre Kruel Jobim. “Ao referir-se à redução do consumo entre adultos de refrigerantes e sucos artificiais como uma das saídas para o problema, o ministro passa ao largo de soluções que combatam efetivamente a obesidade, tida como doença multifatorial na comunidade de saúde”. Jobim também não digere bem a supressão das contribuições de sua entidade no pronunciamento do compromisso feito em Brasília por Ricardo Barros no evento Encontro Regional para Enfrentamento da Obesidade Infantil. “Causou certa surpresa não ter sido mencionado que a indústria brasileira de bebidas tem mantido rodadas de conversas tanto com o Ministério da Saúde (MS), para construir propostas de redução de açúcar nas bebidas, quanto com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para a elaboração de modelos eficientes de rotulagem nutricional”. Além de iniciativas estimuladoras do consumo consciente e hábitos saudáveis, acentua o dirigente, o setor de bebidas não alcoólicas suspendeu ações de marketing voltadas para crianças.
Altos e baixos
Até o fechamento desta edição, a Abir não liberou os indicadores de refrigerantes e refrescos em pó em 2016. Mas sinais de que onde há fumaça há fogo já eram emitidos em junho de 2015, quando Ambev, Coca-Cola Brasil e PepsiCo anunciaram ter deixado de vender refrigerantes em escolas, passando a oferecer apenas suco 100% integral, água mineral, água de coco e bebidas lácteas. Sensores do mercado prenunciam que a demanda nacional de sucos integrais vai crescer 36,3% entre 2016 e 2018 (ou 10,8% ao ano), chegando a 492 milhões de litros. Esse ritmo de expansão, no entanto, é bem mais lento do que no triênio anterior, quando o consumo de suco integral em embalagens cartonadas no Brasil (incluindo água de coco) subiu em torno de 30% ao ano, saindo de 167 milhões de litros em 2012 para 361 milhões de litros em 2015. Já o reduto de refrigerantes atingiu seu ponto de maturidade, com declínio nas vendas desde 2011 e redução do consumo per capita na maioria das subcategorias, inclusas refrigerantes base cola e de baixa caloria (diet/light), tendência complicada de ser revertida em 2017, sob a prensa da recessão sem dó e sem trégua.
O Brasil em regime de engorda
De acordo com a pesquisa Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), do Ministério da Saúde (MS), o excesso de peso no Brasil aumentou 26,3% na última década: de 42,6% em 2006 para 53,8% em 2016. Entre os os homens, passou de 47,5% para 57,7% no período e, entre as mulheres, de 38,5% para 50,5%. Segundo o estudo, Rio Branco é a capital com maior predomínio de excesso de peso: 60,6 casos para cada 100 mil habitantes. O levantamento revela que o excesso de peso piora com a idade e é maior entre os quem possuem menos escolaridade. A Vigitel diferencia excesso de peso ou sobrepeso de obesidade. A pessoa com sobrepeso tem Índice de Massa Corporal (IMC) igual ou supera 25 kg/m2. Pela pesquisa, a obesidade prevalece a partir dos 25 anos de idade. Quanto à escolaridade, o contigente de pessoas com até oito anos de estudo apresenta índice de obesidade de 23,5%. O percentual cai para 18,3% entre os brasileiros com nove a 11 anos de estudo e para 14,9% entre os que têm 12 ou mais anos de formação educacional.
Estudo do Rabobank projeta queda de 4,5% nas vendas de refrigerantes em 2016 em relação a 2015, chegando a 14,9 bilhões de litros. Para 2017, a previsão é de recuo de 0,7%, percentual equiparado a 14,8 bilhões de litros. Nas entrelinhas desses cálculos, pulsa a mudança nos hábitos dos consumidores, por força da crise e do culto à saudabilidade. Por tabela, será uma pedreira para a indústria de refrigerantes retomar o crescimento real nas vendas. Por essas e outras, o consumo de água engarrafada tem expandido à margem da recessão e abocanhou terreno deixado pelo arrefecimento nas vendas de carbonatados. Aliás, a contração do movimento de refrigerantes de baixa caloria antecede o piripaque atual da economia e, desde 2015, a perda de poder aquisitivo e reajustes de preço acima da inflação aceleraram a descida nas vendas do segmento. Em paralelo, tal como ocorre em outros mercados maduros, o consumo brasileiro de refrigerantes cai ano a ano, à medida em que cresce a percepção pública de que essas bebidas contêm teores muito altos de açúcar ou adoçantes artificiais. Jobim, da Abir, calcula em 75 litros o consumo per capita brasileiro de refrigerantes, bons degraus abaixo da liderança mundial do México, com índice de 160 litros (ver box à pág. 18).
Determinados tipos de sucos integrais ensaiam mandar bem em cima dos refrigerantes em sinuca de bico. Por exemplo, sucos funcionais e bebidas chamadas totalmente naturais – sem açúcar, conservantes e transgênicos. Vips em refrigerantes têm botado um nessa canoa. A Sucos Del Valle, controlada da Coca-Cola, por exemplo, entrou no mercado de suco 100% integral em janeiro de 2015. A Do Bem, comprada em 2016 pela Ambev, também oferece o mesmo suco pronto para consumo.
No balanço de 2015, captou a Nielsen, as vendas no varejo de refrescos em pó acusaram avanço de 2%, enquanto sucos e néctares registraram salto de 6%. Com a tendência em alta dos produtos naturais ou integrais, sem açúcar e com maiores propriedades nutricionais, uma parcela dos consumidores migrou da categoria de refrescos em pó para sucos e néctares. Em contrapartida, com o poder de compra chicoteado pelo desemprego e inflação crescentes, outra fração do povaréu fez o caminho inverso, retomando o consumo de refrescos em pó e bebidas mistas, a preços mais em conta. Dados colhidos na ponta do varejo pela Euromonitor International desenham a expansão de sucos e refrescos no país entre 2010 e 2015.
Segundo a consultoria, o segmento de refrescos em pó saltou de R$ 2,772 bilhões em 2010 para R$ 4,664 bilhões em 2015, projetando avanço para R$ 5,461 bilhões em 2020. O filão de sucos prontos para beber, por sua vez, pulou de R$ 4,204 bilhões para R$ 9,350 bilhões no mesmo quinquênio, devendo alcançar R$ 15,048 bilhões daqui a três anos. Em relação a volumes, monitoramento da Abir indica que, de 2010 a 2015, a produção nacional de refrescos em pó avançou de 4,355 bilhões de litros para 4,813 bilhões. Já o total de néctares e sucos prontos saiu de 743,7 milhões de litros em 2019 para 1,258 bilhão de litros em 2015 ou -3,7% em relação ao exercício anterior.
México: o imposto agridoce
Quatro anos atrás, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) apontou o México como o país de maior número de obesos no planeta. Uma parcela de 32,8% dos mexicanos adultos acusava sobrepeso e a obesidade infantil triplicou em uma década no país que lidera o consumo mundial de refrigerantes – 163 litros per capita há três anos. Em entrevista por e-mail a Plásticos em Revista (coirmã de Doce Revista, ambas sob o guarda-chuva da Editora Definição Ltda.), a embaixada do México informa que, entre as armas para combater a obesidade, foi instituída uma garfada no bolso sem similar no mundo. Desde janeiro de 2014, delimitam as fontes da embaixada no Brasil, o consumidor mexicano paga o imposto de 1 peso na compra de bebidas açucaradas – sejam refrigerantes, sucos, xaropes, essências ou extratos. No mesmo ano de estreia do tributo, o consumo de refrigerantes caiu entre 6% e 12%, calcula a entidade Centro de Investigación y Docencia Económicas (CIDE), razão para o staff da embaixada concluir que o imposto aparenta estar funcionando. Não está claro, seguem as fontes, se a diminuição do consumo concentrou-se em crianças ou adultos ou entre quem bebia muito ou pouco refrigerante. É possível que o grau do impacto varie conforme as categorias de público. Além desse imposto, o governo mexicano proibiu a venda de bebidas açucaradas em escolas, exceto universidades, e restringe desde 2015 a venda, distribuição e despesas com determinados alimentos preparados nas dependências de instituições educacionais, desde o nível pré-escolar ao superior. Em janeiro último, uma ministra da Suprema Corte de Justicia de la Nación propôs um apoio a uma engarrafadora capaz de anular as restrições a junkfood e bebidas açucaradas em universidades. A proposta foi aprovada para universidades públicas, sob a justificativa da consciência suficiente dos estudantes para decidir se consomem ou não alimentos nocivos à saúde. Em outra ofensiva, acrescentam as fontes da embaixada, o governo do México vetou, em 15 de julho de 2014, a publicidade de refrigerantes açucarados, bebidas gasosas, snacks, confeitos e chocolates no cinema e na programação televisiva infantil. Uma parcela de 30% das crianças sofre com excesso de peso no país. Dessa forma, assinala a equipe da embaixada, saíram do ar 10.233 anúncios de alimentos altamente calóricos, decepando em torno de 40% da verba publicitária para a TV.
Restrições questionáveis
A experiência internacional revela, em essência, duas ações tentadas pela saúde pública para inibir o consumo de bebidas açucaradas, refrigerantes à frente. Uma delas é a restrição à publicidade das marcas. No Brasil, já oficializou-se a proibição de anunciar marcas de refrigerantes em programas de TV para menores abaixo de 12 anos e, em complemento, vetou-se a venda dos produtos açucarados em cantinas escolares. “A imposição de medidas por vias como a legislação restritiva não é uma solução eficaz”, sustenta o presidente da Abir. “O melhor caminho é a autorregulamentação e, quanto ao consumo para crianças de até 12 anos, a decisão deve ser dos pais e responsáveis”.
A outra trilha palmilhada para amainar o consumo de bebidas açucaradas é a da pedagogia pelo bolso, musa inspiradora de diversos projetos de lei por aqui. Até o momento, o México é o único país a tributar a venda de refrigerantes. “A medida foi adotada pelo país em 2014 e não tem dado certo”, avalia Jobim. “Dados do governo atestam que as taxas de obesidade adulta subiram, assim como aumentou o consumo de refrigerantes”. Para o presidente da Abir, o tratamento da obesidade deve começar pela educação e não pela tributação, pois trata-se de anomalia de múltiplas causas e seu controle depende do engajamento do governo, indústria e sociedade em geral. A propósito, encaixa Jobim, o consumo de refrigerantes corresponde apenas a 4% das 2.000 calorias diárias ingeridas em média pelos brasileiros. “Mais de 70% do açúcar consumido pela população provém do produto in natura e o restante cabe aos alimentos industrializados”. •