“Eu acho que nasci em cima de um saco de açúcar”. É assim que Nestor Heineck, fundador da Docile, define sua relação com a fabricação de doces. As recordações do universo dos candies são as primeiras que vêm a sua cabeça. A história do pai de Alexandre, Fernando e Ricardo Heineck, atuais diretores da Docile, se confunde com a trajetória da industrialização do setor de confeitos (confectionery) no Brasil. Afinal, foi em 1936, ano do seu nascimento, que Natalício e Irene, pais de Nestor, decidiram iniciar a fabricação de balas.
Natalício já tinha experiência com indústria, mas, nem por isso, a tarefa deixava de ser um desafio. Foi em uma garagem de caminhões toda de madeira que ele montou as primeiras instalações para produzir a linha de candies. “Uma das minhas primeiras lembranças é de observar, no fundo da garagem, uma fornalha onde meus pais cozinhavam as massas de bala”, lembra Nestor. Hoje, ele exulta com a trajetória da família em oito décadas no setor consolidada. Em 2016, a Docile comemora 25 anos em operação (ver quadro abaixo).
Na antiga garagem de Natalício Heineck, era feito, entre tantos procedimentos, o de deixar as balas aeradas, que rendiam cerca de 25 quilos de massa cozida por “tachada” ou batch. Para produzir a massa, o açúcar era fervido em tacho aberto com fogo direto, com o acréscimo de glucose e água e de algum corante e aroma, dependendo do sabor, relembra Nestor. Chegando na temperatura certa, acrescenta ele, sempre medida por um termômetro pendurado ao forro, bem no centro do tacho, a calda era retirada do fogo e despejada em cima de uma pedra de mármore, sobre a mesa de madeira. “Era tudo muito ligeiro para que a massa não endurecesse assim que saísse da fervura”, recorda. A memória de Nestor é precisa: a pedra de mármore tinha de 5 a 6 centímetros de espessura e ferros, nas laterais, impediam a massa de escorrer da mesa. “Naquela época, não existiam aparelhos para medir muitas coisas, então o ponto da massa, por exemplo, era avaliado manualmente mesmo”, comenta. Um dos processos finais era cortar a massa pronta com tesoura e, a partir daí, passar no cilindro que daria o formato à bala.
A Docile hoje
Maior produtora nacional de pastilhas e segunda no ranking de balas de goma no Brasil, a Docile registra uma produção mensal de 2,2 milhões de quilos. A empresa comercializa mais de 200 itens que cobrem seis linhas: balas de goma, chicles de bola, refrescos em pó, pastilhas, balas de gelatina e marshmallows. Criada em 1991 pelos irmãos Fernando, Alexandre e Ricardo Heineck, de uma família com tradição de 80 anos na fabricação de candies, a Docile possui parques industriais em Lajeado (RS) e Vitória de Santo Antão (PE). Desde o ano passado, é certificada pela BSI Brasil com o selo ISO 9001.
Em 1941, a família Heineck fez a primeira mudança para um ambiente mais amplo, na cidade de Lajeado (RS). A casa adquirida, ainda pequena para os padrões ideais de fabricação, se estruturava em dois andares. Embaixo, na parte feita de alvenaria, os Heineck instalaram seu singelo negócio, inicialmente chamado Natalício Heineck Cia. Ltda. No andar superior, construído com madeira, a família tocava o seu dia a dia. Os negócios avançaram e, em cinco anos, a fábrica já produzia balas recheadas, utilizava rolos com navalhas e necessitava de mais funcionários. Só que tudo ainda era manual, sem máquinas elétricas. As balas, exemplifica Nestor, eram embaladas uma a uma, à mão. “Comprávamos o papel em resma com folhas de 60×80, e dobrávamos até chegar ao tamanho ideal. O corte do papel era feito durante o dia, o embrulho durante a noite. E as entregas eram feitas de bicicleta, de loja em loja”, rememora.
Logo depois de formado no ginásio, Nestor, ainda com 17 anos, começou a trabalhar no negócio da família. Com a aposentadoria de seus pais, onze anos depois, ele e o irmão passaram a tocar a fábrica. Mas foi pouco o tempo que Natalício viu os filhos comandando o negócio sem a sua tutela, já que, em 1966, ele faleceu. Já casado com Isolina e com os filhos em casa, Nestor não tinha condições de bancar o estudo deles, “mesmo trabalhando dia e noite com uma equipe que já reunia cerca de 10 a 15 pessoas para o embrulho das balas”, conta.
A saída foi dar um importante salto no empreendimento: automatizá-lo. Segundo Nestor, eram tempos que as demandas do negócio já exigiam máquinas para a fabricação em grande escala. Ao viajar a São Paulo, ele deparou com uma moldadora automática de balas. Ela custava quase quatro vezes mais do que o orçamento que a família tinha guardado, mas a vontade de empreender o levou a tomar uma decisão ousada: sem saber quando ou como pagaria a máquina, colocou, além das economias, a própria casa como garantia. “A negociação deu certo. Comprei a máquina e, a partir daí, tudo evoluiu”, relata.
De forma muito natural, Nestor Heineck, sem se dar conta, passou o gosto pelo negócio para os filhos. Afinal, a infância de Alexandre, Fernando e Ricardo Heineck se dividia em quatro ambientes: escola, casa, campo de futebol e, claro, a fábrica de candies do pai.
“Lembro de pegar pedaços de massa e fazer bolinhas que eram espetadas em pedaços de lenha. Virava um pirulito feito à mão “, conta Ricardo.
Para Alexandre, essa era uma época realmente lúdica, desprovida de tantas regras e vigilâncias. “Brincávamos de esconde-esconde na fábrica e ajudávamos a fazer os saquinhos de balas comemorativos de Natal e Páscoa”.
Fernando tem gravados na memória os processos de fabricação captados no dia a dia de brincadeiras dentro da fábrica do pai. “Se tivesse que desenhar o que tinha em cada lugar, o layout da unidade, eu conseguiria “.
A partir daí, os irmãos, inicialmente trilharam caminhos bem diferentes, mas terminaram naquele universo que nunca deixou de fazer parte de suas vidas: o das guloseimas. •