A maioria da população brasileira consome amendoim no período das festas juninas. Atribuída mais a uma intuição geral, a frase agora tem confirmação por estudo de mercado do Conecta, plataforma de pesquisa on-line do grupo Ibope, encomendado pela Associação Brasileira das Indústrias de Chocolate, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados (Abicab). Segundo o levantamento, 87% dos brasileiros consomem guloseimas, confeitos doces e salgados à base de amendoim e também o produto in natura – em receitas culinárias – durante as festas juninas e julinas, período que compreende os meses de maio a julho. A pesquisa apurou que 21% da população retomam o consumo nas comemorações de Cosme e Damião, em setembro, e 17% têm o hábito de degustar salgadinhos à base da oleaginosa em eventos esportivos como o Brasileirão, a partir de maio.
O estudo também indica que, nas localidades onde prevalece a tradição da montagem dos arraiais típicos, o consumo de amendoim cresce 66%. No Nordeste, por exemplo, onde os festejos mobilizam habitantes locais e turistas, o índice sobe para 77%. Além disso, é costume, para 62% dos entrevistados de todas as regiões do país, prestigiar as comemorações fora do lar, nas quermesses em escolas, clubes, condomínios ou mesmo em ruas, sobretudo no Centro-Oeste (78%) e Norte (71%) do país. “A radiografia demonstra que o aumento no consumo de amendoim nas festas juninas abrange todas as regiões do Brasil e, por isso, é o principal período de vendas para o setor”, confirma André Guedes, vice-presidente de Amendoim da Abicab e diretor da Enova Foods. Ele esclarece que, para esta amostra, o Conecta entrevistou mais de 1.200 internautas brasileiros, entre homens e mulheres, a partir de 16 anos, das classes A/B/C.
Conforme o dirigente, quando questiona a preferência no consumo diário de amendoim, a pesquisa identifica que a paçoca é o tipo de confeito de amendoim mais consumido, com 69% dos entrevistados assinalando a variedade, seguida do amendoim salgado. O tipo japonês é apreciado por 59% e a variante sem pele, por 55% da amostra.
“Outro ponto a destacar é que o amendoim é um alimento versátil, pois além de ser uma das estrelas das festas juninas, também pode ser consumido em reuniões de amigos e até utilizado como um ingrediente para preparação de pratos doces e salgados, ingressando de vez no consumo diário da população”, sublinha Guedes.
Saudabilidade em alta
A vitalidade do consumo de amendoim dos brasileiros tem a ver também com a onda de alimentação saudável, responsável pela desmistificação de diversos itens antes considerados vilões, a exemplo do chocolate, hoje comprovadamente fonte de antioxidantes. Esse também é o caso do amendoim, que já foi associado a doenças por conta da aflatoxina, fungo que pode se desenvolver no armazenamento inadequado do produto. Mas tudo isso já é passado. Um outro estudo do instituto Datafolha, também encomendado pela Abicab, captou que 71% da população acreditam que o consumo do amendoim faz bem à saúde. Nos últimos 30 dias que precederam à pesquisa, 80% dos entrevistados haviam consumido o produto. A pesquisa apurou também que, para 63%, o grão pode fazer parte da dieta regular. “Os dados confirmam a entrada definitiva do alimento na rotina do brasileiro e por motivos novos, como se manter saudável e em forma”, comenta Guedes.
Segundo o Datafolha, o mito de que o amendoim é estimulante sexual ainda persiste para 56% dos homens e 50% das mulheres. Porém, vem atrás da sua imagem funcional pois, para 75% dos homens e 67% das mulheres entrevistados, o grão traz benefícios à saúde. Para 66% deles e 60% delas, o alimento seria adequado em uma dieta alimentar regular. “Mais preocupado com a saúde e o bem-estar, o consumidor se conscientiza cada vez mais das propriedades do amendoim, que vem se consolidando entre as opções de alimento do dia a dia”, analisa o dirigente da Abicab.
A varredura do Datafolha constatou ainda que o amendoim salgado sem pele é consumido por 42% dos adultos e a versão salgada com pele, por 35%. Os dois tipos perdem apenas para a paçoca prensada e o pé de moleque, campeões do ranking na categoria, consumidos por 57% e 48% dos adultos, respectivamente. “Pela forte tradição junina em todo o país, é natural que esses confeitos, há tempos parte da nossa memória gustativa, permaneçam entre os mais consumidos”, observa Guedes. Essa lembrança à qual ele se refere é acentuada principalmente na faixa etária de 4 a 15 anos, com a paçoca prensada eleita a preferida de 60% das crianças e adolescentes, seguida pelo pé de moleque (46%), amendoim com cobertura doce (29%) e amendoim com cobertura de chocolate (28%).
De acordo com o Datafolha, a abrangência da pesquisa é nacional, pois foram ouvidas 2.095 pessoas de diferentes faixas etárias, classes sociais e regiões do país, identificando hábitos de consumo relacionados a doces e confeitos à base de amendoim, tais como a paçoca prensada, pé de moleque, amendoim salgado (com e sem pele), ovinho de amendoim, amendoim japonês e pasta de amendoim doce, entre outras variantes. As entrevistas foram realizadas em capitais e cidades do interior, cobrindo o total de 132 municípios brasileiros.
Selo de qualidade
Entre os principais aspectos positivos ligados ao consumo regular do amendoim sobressaem o sabor, a qualidade e o benefício à saúde. Essa associação, entretanto, evoluiu ao longo do tempo, constata a Abicab. Em 2010, por exemplo, sabor e qualidade eram citados como pontos positivos do amendoim por 63% dos entrevistados em pesquisa encomendada à época ao instituto Ibope. Em 2015, esse número mudou para 43%. Em contrapartida, há seis anos, a saudabilidade do alimento era um ponto positivo para 29% das pessoas e saltou para 37%, em 2015. “Os benefícios nutricionais da semente se tornaram mais conhecidos e valorizados pelo consumidor, que busca aliar sabor a uma dieta alimentar equilibrada”, interpreta Guedes.
As principais influências na hora da compra em relação à escolha do produto são a qualidade e o sabor, uma vez que 38% dos entrevistados tomam a decisão com base nesse critério. Variedade, marca e preço estão em um segundo patamar, com percentuais abaixo de 20%. A satisfação com o produto brasileiro, por sua vez, é bastante alta, pois 77% dos entrevistados indicaram como excelente a qualidade das marcas nacionais.
Conferido pelo programa Pró-Amendoim às empresas que atendem aos requisitos da legislação brasileira e fabricam produtos à base de amendoim totalmente seguros, o selo “Qualidade Certificada Pró-Amendoim/Abicab” é conhecido por 55% dos consumidores. Implementado pela entidade, ele é responsável por assegurar a qualidade, a autorregulamentação e a expansão do consumo. Além disso, atesta que os produtos estão livres da aflatoxina, substância que pode causar doenças como câncer, cirrose e distúrbios nervosos.
No ano passado, o programa completou 16 anos de atividades, com um importante saldo: 100% das empresas portadoras do selo auditadas estão em conformidade. “Já que o amendoim é comprovadamente saudável, é importante que os produtos fabricados com ele também sejam reconhecidos como seguros e de alta qualidade. É exatamente isso que o selo estampado nas embalagens atesta aos consumidores”, frisa Guedes.
Consumo em voga
Revigorada pela valorização nutricional e descobertas no front da Ciência (ver ao lado) que põem em voga o consumo do amendoim, a indústria de confeitos e guloseimas à base da oleaginosa iniciou há dois anos uma ofensiva que ganhou destaque no plano internacional. Dados da consultoria Mintel, que mantém um permanente painel global de lançamentos, colocam o Brasil na quinta posição, entre países que mais lançaram produtos alimentícios com amendoim em todo o mundo. Em 2014, exercício que coincide com a intensificação na produção nacional, de todas as novidades com esse perfil, 15% foram bancados pelos Estados Unidos; 12% pela China; 10% pelo Canadá; 6% pela Índia e 4% pelo Brasil.
Vanderli Marchiori, consultora em nutrição da Abicab, ressalta que pesquisadores renomados recomendam o consumo diário do grão. “O amendoim é grande aliado da nutrição humana”, sustenta a expert. Quando consumido na quantidade adequada – Vanderli sugere 30g por dia – e em lanches intermediários, o amendoim garante a saciedade por mais de duas horas, inibindo a ingestão de guloseimas mais calóricas, ou seja, não engorda e ajuda no processo de reeducação alimentar, observa a especialista. “Rico em proteínas, fibras, antioxidantes e fitoquímicos, ele proporciona diferentes benefícios ao organismo”, frisa. Além de auxiliar no controle do peso, da gordura abdominal e dos níveis de açúcar no sangue, tem papel antioxidante que pode diminuir a incidência de Mal de Alzheimer, devido à alta concentração de vitamina E. “Pesquisa recente descobriu que os fitosterois presentes em sua composição diminuíram o desenvolvimento de tumor de próstata em até 40% e inibiram a metástase em até 50% nos animais estudados”, assinala Varderli.
Compostos naturais da pele de amendoim podem auxiliar na prevenção do diabetes e da obesidade. Esse é o resultado de um estudo desenvolvido no programa de pós-graduação em Ciência e Tecnologia dos Alimentos, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP). Desenvolvido pelo cientista de alimentos Adriano Costa de Camargo, o trabalho resultou em uma tese que demonstra a funcionalidade de subprodutos da indústria processadora de amendoim, ricos em compostos bioativos. “A partir da sua função antioxidante, eles neutralizam a ação de radicais livres que causam danos no DNA, podem levar a modificações genéticas e progredir para um câncer”, exemplifica Camargo. Além disso, ele continua, os radicais livres também causam danos no LDL – colesterol humano (colesterol ruim) – , desencadeando processos inflamatórios e a formação de placas nas artérias. “Pode prejudicar e até impedir o fluxo sanguíneo até o coração, podendo levar a um infarto”, frisa o especialista, atualmente pesquisador da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
No caso da pele do amendoim, ele explica, quando se ingere alimentos ricos em carboidratos (açúcares) e lipídeos (gorduras), é necessária a quebra dessas moléculas, gerando outras menores, que possam ser absorvidas e utilizadas pelo nosso organismo. Essa quebra ocorre a partir da ação de enzimas, que pode ser comparada a “tesourinhas”, ele associa. Os compostos presentes na pele do amendoim se ligam a essas enzimas e impedem completamente ou parcialmente as “tesourinhas” de fechar e “cortar ou quebrar” os açúcares e as gorduras. “Nesse caso, a diminuição da absorção de açúcares e gorduras pode ser benéfica para o gerenciamento e prevenção do diabetes e da obesidade”, complementa Camargo.
Aproveitando a revalorização da imagem do amendoim, a Santa Helena, maior fabricante de confeitos e guloseimas à base do produto, não hesitou em implementar uma modalidade que faz muito sucesso no exterior, principalmente nos EUA, mas era incipiente no país: a pasta de amendoim. Assim nasceu a Paçoquita Cremosa, hoje ícone de uma categoria que a marca ajudou a criar e é carro-chefe da indústria baseada em Ribeirão Preto (SP). Segundo a empresa, que beneficia 5-6 mil toneladas (t) mensais da oleaginosa para consumo próprio, 30% da produção nacional são consumidos internamente. “Desse total, 30% são direcionados para processamento na Santa Helena”, dimensiona Luis Roberto Bertella, diretor comercial da empresa. Segundo a Euromonitor International, o consumo de amendoim in natura (processado e não processado, com ou sem casca e não embalado) subiu de 123.500 t em 2011 para 130.200 t em 2016, cravando alta de 5,5%. Em valores, a referência saltou de R$ 3.160,1 milhões para R$ 4.724,0 milhões, no mesmo período. Confirmando a crescente industrialização e agregação de valor às linhas à base do produto, a consultoria projeta queda em volume e em valor, para 119,3 t e R$ 4328,2 milhões, em 2021.
Às vésperas da temporada de maior consumo de produtos à base do grão, a Santa Helena se mobiliza para cobrir um total de 2 mil pontos de venda (PDVs), cabendo 35% desse total ao estado de São Paulo. Eles serão devidamente decorados e abastecidos com itens à base de amendoim e motivos alusivos às festas juninas. Bertella posiciona que o período de maio a julho abocanha cerca de 30% das vendas anuais e a expectativa, para a atual temporada, é a de que as vendas avancem 10-12%, em relação ao ano passado. Para isso, a empresa aposta em lançamentos anunciados em primeira mão na Apas Show, maior feira do setor supermercadista nacional, promovida no início de maio em São Paulo. Além da Paçoquita Cremosa com Chocolate, foram destacados os snacks Amindus nos sabores Cebola e Bacon. Mas a aparição mais impactante coube à linha de aperitivo e snacks de amendoim em bandejas prontas para servir.
“Atendemos aos pedidos dos consumidores e unimos o sabor do amendoim ao do chocolate em um doce inédito no Brasil e, cuja versão regular, conquistou os paladares”, comenta Bertella, ao apresentar a Paçoquita Cremosa com Chocolate. Segundo sua projeção, essa novidade deve abocanhar de cara 30% das vendas da Paçoquita Cremosa tradicional. Até o ingresso da marca, o segmento de itens cremosos para espalhar (spreadable) engatinhava no Brasil, com produtos internacionais, a exemplo da marca Nutella (da italiana Ferrero). “A Paçoquita incorporou o sabor bem brasileiro ao confeito, agradando em cheio a preferência nacional”, sublinha o gerente. Ele lembra o episódio da consumidora que não encontrou o produto no PDV e postou um alerta nas redes sociais. “O post viralizou e ajudou a divulgar a modalidade”, lembra Bertella.
Dados da Euromonitor International ilustram o avanço da categoria no país. Em volumes, o consumo no varejo de pasta cremosa de amendoim saltou de 7.800 t para 10.500 t de 2011 a 2016, registrando alta de 34,7%. Em valores, repassa a consultoria, o avanço foi de R$ 136,7 milhões para R$ 281,6 milhões no período, cravando crescimento de 106%. Projeções da Euromonitor indicam que a categoria deve atingir receita de R$ 309,3 milhões e 11.100 t, em 2021.
Gangorra nas vendas
Outra inovação apresentada na Apas Show é a linha aperitivo, em que os amendoins são acondicionados em embalagens plásticas (potes e bandejas termoformados) com diferenciais únicos na categoria, isto é, envasados sem contato manual, com garantia de qualidade e procedência e validade de seis meses, viabilizada por injeção de gás no processo de fechamento. “Ela une os tradicionais sabores de amendoins Santa Helena em embalagens práticas e versáteis, prontas para a degustação”, assinala Bertella, completando que a novidade incorpora itens com excelente margem para o varejo e deve aumentar o consumo do amendoim por meio de uma nova experiência. Ele assegura que, embora a linha de termoformados agregue alto valor ao amendoim, que pode ser consumido em outras apresentações com menor desembolso, o preço na ponta do varejo não deve ficar acima de 20% da tabela praticada no mercado.
Apesar de reconhecer a retranca geral no consumo de confeitos e snacks, Bertella aposta em avanço nas vendas da Santa Helena e projeta crescimento em torno de 10% no fechamento do exercício em curso. Com base em dados da Nielsen, ele informa que o mercado de salgadinhos registra queda de 7%. “O resultado só não é pior porque os snacks de amendoim contribuem com crescimento de 4,5%”, assinala o executivo.
Em contraste à performance e expectativa da Santa Helena, a atuação da Malta&Rezende Alimentos confirma a curva declinante nas vendas de snacks doces e salgados, mesmo os à base de amendoim. Detentora das marcas Mary, Verinha e Maribel, a empresa paulistana avalia que o panorama atual na demanda é de baixa, com outros itens sazonais pressionando o consumo, observa Marcelo Cordeiro, diretor industrial e de marketing da indústria. “Além do momento econômico e político do país ser bem adverso à demanda em geral, a Páscoa neste ano caiu em abril, atrapalhando as programações de montagem de barracas nos PDVs”, enfatiza ele.
Para o dirigente, o giro de confeitos salgados tipo aperitivo evolui, mas de forma moderada, em função de muitas outras opções de snacks. O consumo das opções à base de amendoim ainda resiste por incluir itens de baixo desembolso, mas poderia ser muito melhor se o momento que o país vive, com 14 milhões de desempregados, fosse diferente, argumenta Cordeiro. “A crise acaba reduzindo a disposição de compra por incluir produtos que constam na lista de produtos supérfluos”, sublinha.
Já a demanda de confeitos à base de amendoim, inclusos na categoria de doces tradicionais, segue estacionada, acrescenta ele. “Houve uma diversificação de versões de embalagens, um recurso adotado pela maioria das marcas, fazendo com que os volumes de amendoim se estabilizassem, com elevação na receita por agregação de valor nas múltiplas opções oferecidas”, observa Cordeiro. Ele nota que as versões doces ainda são conservadoras e não apresentam inovações significativas, redundando na oferta dos mesmos itens, como paçoca rolha, pé de moleque e doce de amendoim (tipo Gibi). “Outras variações surgem em decorrência da sazonalidade, mas não mantêm a força de vendas em períodos fora de época”, frisa.
Por outro lado, Cordeiro confirma o avanço na demanda de produtos de maior valor, com itens mais sofisticados, por conta da atual conjuntura econômica. Mas antevê uma virada de posição, com uma mudança no perfil do consumidor em PDVs mais sofisticados. “Entre comprar doces com preços relativamente mais altos, ele acaba optando por paçocas e pé de moleque em função dos preços serem mais atrativos e por serem também gostosos”, conclui. •