Sinais de dias melhores na economia induzem uma retomada discreta na trajetória de crescimento da indústria brasileira de chocolates, biscoitos e confeitos (confectionery). Com medidas de praxe na orientação da produção, marketing e vendas, o setor recalibrou a oferta à demanda e, energizado, vem superando a desaceleração anterior. Mesmo com um PIB (Produto Interno Bruto) estabilizado, o desempenho do setor de confectionery vem correspondendo a previsões com viés de elevação. Destacam-se nesse cenário nichos que ampliam sua projeção, a exemplo dos subsegmentos de chocolates, biscoitos e candies especiais, de apelo indulgente ou funcionais, de maior valor e preço final, desdobrados de macrotendências globais de nutrição e alimentos. Entre os exemplos, cintilam chocolates premium – antes gourmet e agora chamados de artesanal – e linhas de guloseimas com ingredientes naturais, orgânicos e/ou vegan, além do movimento power plant.
O consumo decorrente do fortalecimento no poder aquisitivo, fruto da política econômica implementada em décadas recentes, continuou sendo o principal combustível da demanda de chocolates e candies até se exaurir com a última recessão. Com produção e vendas declinantes até meados da década atual, o setor de confectionery só conseguiu estabilizar a demanda geral nos exercícios seguintes e, mesmo assim, exibe como os demais setores da indústria baixos índices nos últimos anos. Mas um sopro favorável bafejou os últimos semestres, com variação positiva na produção e consumo aparente de chocolates, confirmam dados preliminares da Associação Brasileira da Indústria de Chocolate, Amendoim e Balas (Abicab). No primeiro semestre de 2019, as indústrias de chocolate produziram 277 mil toneladas (t), volume 2,5% superior ao mesmo período do exercício anterior. “Os dados reforçam a tendência de retomada, que já havia apresentado resultado positivo em 2018. O aumento de volume no semestre foi apoiado especialmente pelo lançamento de itens e categorias e, por isso, há otimismo em relação ao número total de 2019, ainda fase final de levantamento”, analisa Ubiracy Fonseca, presidente da Abicab.
Com relação ao setor de balas, complementa o dirigente, o volume produzido nos seis primeiros meses de 2019 manteve a retração e a tendência já identificada no ano anterior, puxada por queda na demanda doméstica e nas exportações. Mesmo diante desse cenário, enfatiza Fonsêca, as indústrias de candies têm intensificado apostas na diversificação de portfólio e nas inovações em fórmulas e apresentações, tentando reverter o quadro. “Em paralelo, temos trabalhado para ampliar a exposição das associadas no mercado internacional, viabilizando a participação em feiras e eventos, como o Yummex (Dubai/Emirados Árabes), Sweets & Snacks Expo (Chicago/EUA) e ISM (Colônia/Alemanha)”, sublinha o presidente da Abicab.
Ele lembra que a melhora na renda e o fortalecimento de classes emergentes, ao longo das últimas duas décadas, revitalizaram a atividade do setor de confectionery, estagnada durante os anos 1970 e 80 no Brasil. Com isso, um vasto contingente de consumidores ingressou no mercado e o salto dessa demanda foi o combustível para as perspectivas de crescimento do setor. Ao mesmo tempo, mudanças nos hábitos de consumo – de um lado mais indulgente e, de outro, interessado em saudabilidade e sustentabilidade – foram realinhadas a um perfil que passou a predominar no cenário doméstico. Além de uma renovação em todas as frentes de guloseimas, a formação desse público determinou um freio na estagnação verificada em períodos anteriores.
Retomada do crescimento
Detentora de fatia superior a 9% do PIB nacional, a indústria de alimentos em geral (bebidas inclusas) não passou incólume por uma das piores recessões da história do país. Ainda assim, fechou 2018 com receita da ordem de R$ 656 bilhões, cravando crescimento nominal de 2,4% em relação a 2017, capta a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia). Segundo a entidade, a produção do setor registrou queda de 3,5% em relação a 2017, quando houve alta de 1,7% no índice.
Depois de anos consecutivos de quedas na produção, vendas e investimentos, as indústrias de alimentação previam uma retomada do crescimento no início de 2019. Essa expectativa levava em conta a previsão de crescimento da safra de grãos em relação ao ano anterior, a inflação mais baixa, a perspectiva de estabilização no nível de desemprego e de melhora geral na economia, com a aprovação de reformas pelo governo. As vendas do setor de fato registraram crescimento de 1,3% no primeiro semestre de 2019 em relação ao mesmo período do ano anterior, capta a pesquisa conjuntural da Abia.
Os dados acumulados de junho 2018 a junho de 2019 mostram uma trajetória de recuperação gradual de crescimento. As vendas no período evoluíram positivamente em 1,1%, alinhadas à dinâmica da economia do país. Com a aprovação das reformas estruturantes ainda por vir – como a administrativa e a tributária –, a tendência é que todos os setores da economia cresçam de uma forma mais sustentável e mais rápida, aposta a entidade.
O consumo brasileiro de chocolate segue consistente – ainda que menor em volume e mais encorpado em valor – e hoje se desdobra em várias frentes. Ao conquistar o status de alimento, além de sinônimo de indulgência, continua sendo um dos últimos itens da lista de compras a ser cortado na crise pelo relativo baixo desembolso diante da recompensa que proporciona. Por uma singularidade brasileira, transformou-se em alternativa ao desemprego, com uma parcela de consumidores aderindo à produção artesanal para complementar a renda doméstica (ver à página 18).
A data em que o consumo tradicionalmente cresce acima da média é a Páscoa. Acompanhando a estabilização na produção e demanda, a comemoração em 2019 seguiu o figurino. As grandes fabricantes de chocolates no país registraram um desempenho entre a estabilidade e crescimento nominal de 5-10%. O volume de chocolates produzido para a Páscoa de 2019 mostrou total descolamento da movimentação no varejo. Foram despejadas 11 mil toneladas (t) de chocolate.
Pelo monitoramento da Abicab, o mercado de chocolates registrou avanço de 6,5% em 2018, comparado ao período anterior, totalizando 671 mil t do produto em todas as formas, incluindo achocolatados em pó. Essa alta, contudo, mostra variação negativa de -14,3%, se comparada à produção de 2014, que fechou com 784 mil t (ver gráfico abaixo). Pelas estimativas da consultoria Euromonitor International, as vendas de chocolates no Brasil cravaram avanço em torno de 7% em volume em 2018, totalizando 274,5 mil t. Em valor, a alta atingiu aproximadamente 11%, com R$ 13,284 bilhões contabilizados pelo varejo.
Dados da consultoria de inteligência de mercado Mintel também confirmam a retomada das vendas de chocolate no país, projetando uma receita de R$ 14,646 bilhões em 2019, equivalente ao consumo de 293,5 mil t. Os dados representam alta de 6,4% em valor e 2,2% em volume, em relação à projeção de 2018. Segundo ainda a Mintel, o mercado de chocolate acusou avanço de R$ 45,81 para R$ 47,95 no preço por quilo de 2018 em relação ao exercício anterior, com estimativa de se firmar em R$ 49,9 em 2019. Já o volume consumidor por quilo variou de 1,351 para 1,372 no ano passado, projetando 1,393 para 2019.
Atentas às mudanças no setor e a uma demanda diferenciada, as redes de chocolaterias como Cacau Show, Brasil Cacau e Kopenhagen (Grupo CRM) degustam a expansão que mudou de vez a concorrência nesse filão. Pelos radares da Abicab, essas redes especializadas saltaram de 200 lojas para mais de 4 mil unidades em uma década. Ganhando cada vez mais espaço e relevância, o segmento de chocolates premium já ronda 7-8% da produção nacional, estima a entidade.
O Brasil é o terceiro maior mercado consumidor de chocolates no mundo e continua exibindo potencial para avançar. Cada brasileiro consumiu, em média, 2,5 quilo do produto em 2017-18, quase o dobro de dez anos atrás, porém menos que a metade dos Estados Unidos.
Apostas em maior valor
Já o mercado brasileiro de candies abrange uma gama ampla de confeitos doces (balas, pirulitos, chicles) que, a exemplo do que ocorre em outras categorias de alimentos, hoje busca se revitalizar, incorporando tendências globais da ala de nutrição e saúde.
Mas o convívio ao longo de muitos anos com um quadro de superoferta transformou o segmento em um balcão de vendas de commodities. Sem perspectivas de exportar maiores volumes e, mesmo assim, com baixa rentabilidade, a categoria foi buscar novos filões de consumo doméstico e a radiografia atualizada flagra a disseminação farta nas apostas em desenvolvimentos de maior valor agregado. Mesmo assim, desde 2014, acentuam-se déficits na produção e consumo. Levantamento da Abicab capta que a partir de 2016, a produção de candies voltou a operar no azul, com alta de 1,3% em relação ao ano anterior. Mas em 2017, voltou a recuar, com déficit acentuado de 20% na produção. Em 2018, continuou a trajetória com queda em torno de 9% (ver gráf. à página 14).
A projeção de um PIB na faixa de 4%, em meados da última década, reacendeu a disposição do setor brasileiro de confectionery de retomar as vendas internas. O giro de candies açucarados no balcão doméstico permanecia estagnado havia anos. Para sacudir a estabilidade, a indústria foi buscar gôndolas externas e conseguiu, através de embarques crescentes, neutralizar a quase ociosidade nas linhas de produção. De 1999 a 2004, as exportações vingaram com saltos anuais na faixa de 20%. Esse ritmo, no entanto, foi interrompido com a valorização crescente do real frente ao dólar. A disputa doméstica nesse período acabou sendo revitalizada pelo desembarque de marcas globais, que ajudaram a promover aprimoramentos sem precedentes no setor. A maioria das companhias transnacionais de confectionery aterrissou no país, sobretudo a partir da segunda metade dos anos 1990. Elas contribuíram para estabelecer novos padrões de qualidade e consumo, introduzindo conceitos de marketing e operação logística inéditos no cenário local. A chegada dessas empresas também ajudou o desenvolvimento de mercados inexistentes no país, a exemplo de confeitos especiais (diet/light, nutracêuticos ou funcionais), enquadrados na tendência de saúde e bem-estar (health and wellness), e de marcas com a tarja orgânica e/ou sustentável, ampliando o espaço dedicado a guloseimas doces no trade atacadista e varejista.
Esse olhar da indústria para o consumo doméstico abriu frentes em regiões onde o consumo per capita era ainda mais inexpressivo. Diversas empresas do setor dos mais variados portes, por exemplo, iniciaram na última década uma corrida ao Nordeste brasileiro, incluindo nomes como Mars, Nestlé, Arcor, PepsiCo e Mondelez, entre as organizações de maior envergadura. Elas atraíram os holofotes e puxaram um cordão engrossado por concorrentes mais intermediários.
Levantamento da Euromonitor International no varejo da categoria indica que, em cinco anos, as vendas de confeitos açucarados saíram de R$ 7,814 bilhões em 2013 para R$ 8,242 bilhões em 2018, projetando avanço para R$ 8,606 bilhões em 2023. Consolidadas separadamente, as vendas de gomas de mascar saltaram de R$ 3,929 bilhões em 2013 para R$ 4,928 bilhões em 2018, projetando alta para R$ 5,147 bilhões em 2023. Em volume, a consultoria apurou que no período dos últimos seis anos, as vendas caíram de 308,8 mil t em 2012 para 257,5 mil t em 2018, projetando redução para 252,9 mil t em 2023.
Distante do seu potencial, o consumo per capita de balas e confeitos de açúcar no Brasil evoluiu de 1,5 quilo por habitante/ano, no início da década passada, para 2-2,5 quilos, na média dos últimos anos, cravando 2,01 quilos na atualidade. A exemplo da demanda de chocolate, ele também varia bastante conforme a região do país. Pelas sondagens oficiais no varejo, parte de 0,50-0,95 quilo no Nordeste, alcança 2-3 quilos em alguns pontos do Sudeste e cai para menos de dois quilos em outras regiões. Esses índices, no entanto, são considerados baixos e demonstram que as vendas de candies ainda contam com muito espaço para avançar.
Brasil na vice-liderança
Com produção na faixa acima de 1 milhão de toneladas nos últimos dez anos, a indústria nacional de biscoitos sobressai na vice-liderança mundial da categoria, atrás apenas dos EUA, repassa a Abimapi (Associação Brasileira da Indústria de Biscoitos, Massas Alimentícias, Pães e Bolos Industrializados). A instituição congrega o terceiro maior mercado global produtor e consumidor de biscoitos e massas alimentícias e o sétimo em pães e bolos industrializados, além de representar 75% do setor que gera mais de 100 mil empregos diretos. Só no Brasil, responde por um terço do consumo nacional de farinha de trigo. Ela também aglutina os principais fabricantes nacionais de biscoitos, sendo que os 20 de maior porte respondem por 70% do faturamento geral da categoria, que fechou 2018 com R$ 14,332 bilhões (fábrica) em caixa, resultado 0,6% inferior ao do exercício anterior. Pelas planilhas da entidade, refletindo a performance de todo o setor, a categoria acusou redução no volume de vendas, com a colocação de aproximadamente 1,157 milhão de toneladas e retração também do consumo per capita, que caiu de 5,6 para 5,5 quilos/habitante/ano.
Os dados repercutem o comportamento do consumidor que, diante da crise econômica enfrentada no país, diminuiu sua frequência de compras, mas não retirou da cesta os produtos básicos para o dia a dia, como biscoitos do tipo água e sal/cream cracker e laminados secos doces, modalidades que foram, inclusive, os principais impulsionadores do crescimento da categoria em anos recentes.
Mudanças nos hábitos de consumo promoveram uma reviravolta nas vendas de alimentos, com reflexos diretos em categorias de guloseimas como biscoitos. As transformações nas atitudes dos consumidores também impactaram os canais de distribuição, com a valorização do formato de atacarejo e o aumento na oferta de produtos saudáveis. Por outro lado, o freio na compra por impulso, a multiplicação de marcas próprias e a retração em setores consolidados, como o de food service, inserido no corte do orçamento para entretenimento, patrocinaram o resgate das marmitas e a reabilitação da comida de rua pelo contingente formado por quem não encontra colocação formal. •