Ascensão multicanal
Em evolução pemanente, a distribuição de chocolates, biscoitos e confeitos (confectionery) no Brasil é, no mínimo, desafiadora pelas dimensões territoriais e dificuldades na infraestrutura. Em linhas gerais, os grandes volumes de biscoitos e chocolates, a exemplo de itens como tabletes e bombons, seguem para as redes de autosserviço, conveniência e lojas de departamentos. As modalidades de candies (balas, caramelos, gomas de mascar) são despejadas no atacado para pulverização no varejo tradicional (mercearias, bares e padarias). Embora esse modelo ainda predomine no país, a evolução do mercado multicanal e a especialização do atacado distribuidor vêm transfigurando a oferta para o setor de confectionery.
Em torno de 60% das vendas de balas e confeitos derivados, a grosso modo, seguem para atacadistas e distribuidores, enquanto os restantes 40% são escoados pelas redes de supermercados. No caso de chocolates, biscoitos e snacks a proporção é invertida, com a maior parcela a cargo do autosserviço e uma fatia de menor volume a cargo dos atacados. Cada vez mais capilarizada, essa estrutura hoje engloba tanto as redes de super e hipermercados, atacarejos (formato misto de atacado e autosserviço) e cadeias de lojas de vizinhança, como pequenos e médios depósitos de doces, mercearias, lojas de conveniência e espaços temáticos, além de bares, cafés, padarias, bombonieres, bancas de jornal e revistas e até mesmo redes de farmácias e drogarias. Estimulados pela onda de lojas especializadas em chocolate, em ascensão na cena doceira brasileira, fornecedores e atacadistas vêm aderindo ao formato das franquias de lojas temáticas, ligadas a marcas de fabricantes, ou de balcões varejistas especializados em doces. Descontado o desafio de integrar essa diversificada e intrincada teia, a indústria de guloseimas depende como nunca da força de vendas e distribuição. Esse efetivo é vital para abastecer uma parcela do comércio de doces, que exige entrega e atendimento diretos. Essas equipes são necessárias para dar atendimento a pedidos mais pujantes (key accounts) cabendo aos atacadistas e distribuidores a missão de cobrir os balcões de varejo dos mais variados portes.
Guloseimas doces ganham cada vez mais espaço na lista de compras do supermercado de grande parte da população. Apesar desse avanço, o varejo tradicional ainda figura como principal canal de distribuição do setor. Desdobramento recente dessa modalidade, os pontos de venda (PDVs) especializados, no entanto, vêm tomando as rédeas do giro de confeitos com expansão explosiva em grandes centros urbanos como São Paulo, maior polo de consumo do país. Esse modelo de loja, que viceja principalmente em zonas de grande circulação nos bairros mais centrais, se diferencia pela área venda de pequenas dimensões (50 a 100 metros quadrados).
Esses PDVs especializados em doces encorpam uma frente ascendente nos dias atuais de microempresas (MEs) e/ou microempreendedores individuais (MEIs), que vêm crescendo significativamente, avalia o Sindicato do Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios do Estado de São Paulo (Sincovaga). Segundo a entidade, as MEIs se destacam pela possibilidade de formalização de atividades comerciais exercidas por pessoas físicas de modo informal. Embora não existam dados precisos por categoria de atividade comercial, a figura dos vendedores ambulantes reforça a lista recente das MEIs no Estado de São Paulo. A melhoria de renda e a inclusão social de importante e significativa parcela da população metropolitana, antes afastada do mercado de consumo, explica o avanço desse segmento. A expressão numérica mais representativa de empresas individuais hoje atua em todas as regiões de São Paulo, notadamente em pontos de grande movimento de transeuntes, como terminais de passageiros. Esse comerciante tem como fonte abastecedora o atacado do setor, onde efetiva suas compras, dimensionando-as, inclusive em relação ao período de recebimento de salários.
O Sebrae-SP (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) confirma o crescimento dessa modalidade do varejo nos últimos anos, especialmente em São Paulo. De acordo com a entidade, isso se deve ao aquecimento da economia no início da década atual, à decorrente maior distribuição de renda, à ascensão de novas classes consumidoras, do crédito facilitado e dos incentivos legais para a formalização de empreendedores. Embora os trâmites legais para a abertura de pequenos negócios ainda deixem a desejar no país, a burocracia avançou muito nos últimos tempos, originando essa multiplicação de pontos comerciais dos quais o varejinho especializado de candies – a loja de bolacha, no jargão dos distribuidores que operam o modelo de venda porta a porta – é um dos campeões da preferência.
Dependendo da estratégia do empreendedor, do perfil da clientela e do nível de serviço almejado, o modelo de negócios para o funcionamento de docerias pode variar. Inexiste uma única receita de sucesso. É necessário estar atento para as características únicas de uma região ou do tipo de ponto. Para o Sebrae, as lojinhas de doces que proliferam na capital paulista são um fenômeno que, na sua essência, espelha as mudanças no próprio perfil do brasileiro. Uma ampla gama de canais se impõe para acompanhar e atender à dinâmica do próprio setor de distribuição e varejo.
Consumo familiar
Escorado na queda da inflação e dos juros, na redução do desemprego – ainda que modesta – e da inadimplência, a expectativa para 2018 era a de que o consumo das famílias avançasse em ritmo gradual, refletindo o crescimento da economia ao longo do ano. Mas o consumo, que surpreendeu em 2017 ao puxar o avanço do país e era considerado o motor da retomada em 2018, acabou perdendo o fôlego. O desemprego, ainda elevado, já vinha segurando os gastos das famílias, mas a greve dos caminhoneiros, em maio de 2017, piorou o cenário, minando a confiança de empresários e consumidores. Eles reduziram a intenção de ir às compras e de fazer financiamentos. Nas lojas, o número de mercadorias encalhadas aumentou. Assim, foram cortadas as projeções para o crescimento do consumo em 2018. Relatório do Banco Central reduziu de 3% para 2,1% a projeção de alta para os gastos das famílias no ano. Também o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) reviu sua previsão: de 3,4% para 2,3%. E a consultoria MB Associados reduziu de 3,5% para 2,6% a expectativa de crescimento do consumo.
Termômetro da demanda doméstica, o setor de supermercados, no entanto, aposta que a queda no consumo das famílias está chegando ao limite. Na avaliação da categoria, a parte de sacrifício atribuída ao consumidor já foi feita: ele mudou para marcas mais baratas e fez substituições de produtos. Refletindo esse cenário, o setor supermercadista brasileiro registrou faturamento de R$ 353,2 bilhões em 2017, com um crescimento nominal de 4,3% na comparação com 2016, capta o Departamento de Economia da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), em parceria com a Nielsen. Esse resultado representou 5,4% do Produto Interno Bruto (PIB). O setor encerrou 2017 com 89,3 mil lojas e 1,822 milhão de funcionários diretos ante 1,802 milhão registrado em 2016, criando 20 mil novas vagas de empregos no país.
O faturamento das 20 maiores empresas supermercadistas chegou a R$ 187,4 bilhões em 2017. No ano anterior, essas companhias, juntas, tinham registrado R$ 180,0 bilhões. Para a Abras, a retomada do consumo foi lenta, com o consumidor continuando a moderar seus gastos, à sombra da crise que insistiu em permanecer. Em 2018, esse panorama registrou avanços. Depois da alta de 1,9%, de janeiro a julho, as vendas dos supermercados registraram crescimento real de 3,33% em novembro, na comparação com igual período de 2017, descontada a inflação do período medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). Para a entidade, esse resultado de novembro em relação a outubro se deve à sazonalidade das festas de final de ano e refletiu também as vendas da Black Friday, de outubro. No acumulado do ano, o avanço nas vendas deve ficar ao redor de 2%, resultado positivo e, se for confirmado, acima do PIB projetado de 1,3%.
Com as eleições presidenciais de 2018, a confiança de muitos elos que compõem a economia brasileira se acentuou, englobando empresários e supermercadistas. Segundo pesquisa da GfK Brasil, considerando o cenário econômico e de negócios no país e no mundo, 65% dos empresários do setor brasileiro de autosserviço acreditam que os próximos seis meses serão prósperos e de crescimento no segmento.
Essa aposta no futuro é explicada pelo resultado das eleições. No ano de 2018, o setor supermercadista comemorou mais uma conquista: a Portaria n.º 937, de 7 de novembro de 2018, do Ministério do Trabalho, formalizando o reconhecimento dos supermercados e hipermercados como “Atividade Econômica no Brasil”. A medida ratifica a importância e a força da atividade, responsável por mais de 5% do Produto Interno Bruto (PIB).
Atacado estável
Em meio à retração na economia e no consumo das famílias, o setor atacadista distribuidor registrou avanço real de 0,7% no fechamento de 2017, consolidando uma tomada de fôlego para a atividade, avalia a Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores (Abad). Pelos resultados do Ranking Abad/Nielsen2018, que contou com a participação de 572 empresas do ramo no levantamento, o setor atingiu faturamento de R$ 259,8 bilhões. Embora sinalize estabilidade, o resultado foi considerado satisfatório, tendo em vista que, em 2017, o PIB brasileiro não passou de 1,0%.
Com isso, os agentes de distribuição respondem hoje por uma fatia de 53,6% do mercado mercearil nacional, que compreende produtos de uso comum das famílias, como alimentos, bebidas, limpeza, higiene e cuidados pessoais, atingindo a soma de R$ 484,9 bilhões em 2017. Esse foi o décimo segundo ano consecutivo em que a participação do atacado no reduto permaneceu superior a 50%.
Apurados a partir de dados fornecidos voluntariamente por empresas do setor associadas à Abad e analisados pela consultoria Nielsen, em parceria com a FIA (Fundação Instituto de Administração), os números indicaram que o formato de atacarejo cresceu 11% em 2017, repetindo o índice do exercício anterior e consolidando o modelo como importante canal de abastecimento das famílias em período de alto desemprego e busca por economia. De acordo com a Abad, o atacarejo não tira mercado dos demais modelos de negócio do setor, como o distribuidor e o atacadista com entrega.
Em vez disso, avalia a Nielsen, o formato tem incomodado principalmente os hipermercados, que cravaram crescimento de 1,4% em 2017 na comparação com o período anterior. No cenário atual, capta a consultoria, as famílias têm feito as compras de abastecimento (maior volume) no atacarejo em detrimento dos hipermercados e as compras de reposição (semanais ou diárias) continuam sendo feitas no varejo de vizinhança, principal cliente do setor atacadista distribuidor.
No primeiro semestre de 2018, a pesquisa mensal da Abad, apurada pela FIA, mostrou, em termos nominais, crescimento de 8,82% em junho na comparação com maio e variação positiva de 3,44% em relação a junho de 2017. No acumulado de janeiro a junho, no entanto, houve queda de 3,24% em relação ao mesmo período de 2017. O desempenho do primeiro semestre foi bastante prejudicado pelo ritmo da retomada econômica, que não se consolidou, principalmente por conta da crise de abastecimento gerada pela greve dos caminhoneiros e do desemprego, que é o grande gargalo da economia. Ainda há uma grande desconfiança dos consumidores, acentuada pelas incertezas em relação ao cenário político. A expectativa do setor, no entanto, era de que o desempenho de junho – o melhor de 2018 – se sustentasse, ditando o ritmo do segundo semestre, período tradicionalmente melhor para o atacado, projetando crescimento de 1% para o exercício.
Em relação ao formato dos canais de vendas de doces, os distribuidores especializados do setor praticamente baniram o antigo modelo de atacado de balcão, privilegiando de forma agressiva o sistema de autosserviço inspirado nos hipermercados, mais particularmente em seu conceito de exposição de mercadorias por seções. Com o auxílio desse tipo de estrutura, atacadistas doceiros conquistam clientes finais, normalmente famílias com crianças, além de atender o crescente número de autônomos que produzem doces e quitutes caseiros como forma de incrementar o orçamento doméstico. Além de bares, lanchonetes, padarias (com o típico front end de exposição de candies) e cantinas escolares, o atacado especializado tem incorporado à sua lista de clientela variantes de formato misto, como minilojas doceiras, mercadinhos e rotisserias anexos a restaurantes.
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