Um ano complicado

Patinando em terreno da estabilidade, o setor de confectionery sente os impactos da crise

O ano de 2015 aprofundou o quadro de produção e demanda em fogo brando que já vinha refogando o setor nacional de confeitos (confectionery). O ambiente claustrofóbico fez a indústria sair desesperadamente à caça de oportunidades para tentar equilibrar os investimentos feitos em aumentos de capacidade no período em que o país ainda crescia. A busca de inovação se tornou praxe e também o ingrediente mais procurado nos desenvolvimentos. Com projetos nessa direção a indústria de chocolates e candies conseguiu marcar tentos pontuais. Uma das tacadas em comum entre os lances positivos foi o enquadramento das linhas às tendências de consumo predominantes na cena global. O aguçamento da curiosidade nacional por produtos mais saudáveis, por exemplo, estimulou a expansão de nichos, como o de variantes de guloseimas funcionais e orgânicas.

Com relação a essas frentes, a feira de doces alemã ISM, maior vitrine global do setor de confectionery, promovida no início de 2015 em Colônia (Alemanha), inseriu novidades que, no conjunto, expressam a adoção das tendências vanguardistas, a exemplo de apostas desdobradas da onda de saúde e bem-estar. Ainda mais radicais, tarjas emprestadas de alimentos especiais, como organic food, gluten free, veggie (vegetariano ou vegano) e low lactose/fructose, tingiram as embalagens de confeitos e guloseimas em exibição na mostra.

Transposta para a arena local, uma pesquisa sobre o comportamento do consumidor realizado pela Associação Paulista de Supermercados (Apas) em parceria com as consultorias Nielsen e Kantar Worldpanel revelou que alimentos saudáveis crescem acima da média e um em cada três brasileiros (32% do total) afirmam que saúde e qualidade de vida são suas maiores preocupações. Assim, o segmento dos orgânicos respondeu à tendência e, em 2015, um total de 17 produtores, responsáveis por cerca de 200 itens, se concentraram na segunda edição do Espaço Orgânico, armado na feira da Apas, promovida em maio. Foram cinco a mais que no ano anterior. Um estande conceito de 100 metros quadrados foi concebido pelo projeto Organics Brasil – ação conjunta da iniciativa privada com o IPD (Instituto de Promoção do Desenvolvimento) e Apex-Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) com empresas exportadoras – para apresentar as novidades do segmento a compradores internacionais convidados pela entidade e orientar o trade na comercialização dos itens. A iniciativa visou sobretudo demonstrar que o segmento vai além de frutas, legumes e verduras (FLV), oferecendo produtos industrializados, chocolates e candies inclusos, com potencial para estimular a fidelização do consumidor com a criação de espaços saudáveis.

Uma das estratégias de combate à queda de demanda já comprovadas pela indústria e trade doceiros é a diversificação do portfólio. Mesmo marcas tradicionais, com consumo e clientela cativos, não se arriscam a operar em um mesmo segmento com limitação de itens. A maioria das operações nos dias atuais leva em conta que a expansão para outras categorias, inclusive, assegura maior ocupação de espaço linear e visibilidade às marcas nas prateleiras do trade. As empresas que insistem na fórmula com linhas reduzidas acabam elas próprias reféns de pedidos cada vez menores, ocupando os cantos mais obscuros das gôndolas. Foi em parte a resistência em mudar ou expandir o mix que conduziu a Balas Juquinha, uma das marcas icônicas do filão de candies, a anunciar em março passado o encerramento de suas atividades, depois de mais de 60 anos (ver quadro à pág. 16 ).

Os dados mais recentes disponíveis do setor são referentes à produção das categorias de balas e gomas de mascar, cobrindo o período de janeiro a junho de 2015. Eles indicam uma produção de 184 mil toneladas (t) e, para efeito de comparação, no mesmo período do exercício anterior (2014), as estatísticas apontavam uma produção de 186 mil (t), repassa a Abicab (Associação Brasileira da Indústria de Chocolate, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados). “Portanto, em 2015, houve uma queda de 2,5% em relação ao mesmo período de 2014. Acreditamos que ela foi motivada pela situação política e econômica do país, que resultou em uma retração no consumo em todo o Brasil”, associa Getulio Ursulino Netto, presidente da entidade. Apesar de focalizar apenas o primeiro semestre de 2015, esse resultado certamente influenciou o período seguinte, com reflexos diretos no varejo nacional, conforme já haviam captado as planilhas da Mintel. Pelos monitores da consultoria o giro de balas e doces vinha acusando freio desde 2014, com queda em volume de 263 mil toneladas (t) para 223 mil (t) (ver quadro abaixo).

Segundo Ursulino Netto, os dados indicam que, nos últimos anos, os segmentos que conquistaram maior participação foram o de balas de goma/gelatina, balas recheadas e confeitos. “A percepção é de que essas categorias foram as que mais investiram em inovações, garantindo assim o crescimento de sua fatia no mercado”, assinala o dirigente. Em contrapartida, observa, os segmentos que mais perderam participação foram o de gomas de mascar regulares e o de pirulitos convencionais. “Atribuímos esse resultado ao melhor desempenho das outras categorias que partiram para a inovação. Esses redutos, no entanto, devem se estabilizar tão logo apresentem novidades”, considera o dirigente.

Trilha do crescimento
A acomodação geral no setor de balas e candies foi responsável por um declínio na demanda que deixou marcas na atividade doceira. Enquanto os volumes foram paulatinamente diminuindo o ritmo, a receita desenhou trajetória inversa. Dados da Euromonitor International captam que, em 2009, a demanda de confeitos açucarados (sugar confectionery) correspondia a um faturamento geral de R$ 6,013 bilhões. Em 2014, indica a mesma fonte, as vendas no varejo da categoria atingiram R$ 8,03 bilhões, projetando, para 2019, uma alta de 10,5%, totalizando R$ 8,87 bilhões. Em balas de goma, de gelatina e pastilhas, o consumo brasileiro cinco anos atrás somou R$ 1,3 bilhão, faturamento que bateu em R$ 2,2 bilhões em 2014 e projeta alta de 14,4% nos próximos cinco anos, com vendas na faixa de R$ 2,5 bilhões. Já o segmento de toffees e caramelos que, em 2009, somou R$ 383 milhões, fechou 2014 com R$ 729 milhões e deve avançar 31,7% no próximo quinquênio, totalizando R$ 961 milhões.

A inovação é hoje em dia o principal catalisador dos projetos de expansão nas linhas de produção, desenvolvimentos e marketing. É assim que a indústria de balas, pirulitos e caramelos, entre outras variantes, vem conseguindo sobrepujar a estagnação dominante no passado. No momento as empresas ainda se empenham em sacudir a estabilidade, com mais automação nas fábricas e linhas de melhor relação qualidade/preço.

Com os investimentos feitos em expansões, desenvolvimentos e inovações, os últimos quatro anos fecharam com produção acima de 400 mil toneladas de candies (com exceção de 2014), mostrando que a indústria vinha sustentando uma trilha de crescimento. Os aprimoramentos no conceito e imagem dos produtos refletiram diretamente na cena doméstica, ganhando maior impulsão com o crescimento da demanda puxada pelas classes de baixa renda, por sua vez capitalizadas pelo crédito farto e incremento no salário mínimo. Apesar do consumo em segmentos como o de balas, confeitos e derivados ser predominantemente por impulso, o ganho de poder aquisitivo de uma fatia maior da população afetou a intenção de compra. Itens que antes não faziam parte do consumo entraram na lista, quando essa massa teve seu poder de compra aumentado.

Atualmente a demanda de itens sofisticados tem sido abastecida tanto por linhas fabricadas no Brasil como trazidas do exterior. As importações, por sinal, cresceram 40% em volume no período mais crítico da virada no segmento, entre 2007 e 2011, capta a consultoria Mintel. Já em 2013, o faturamento da categoria cresceu 7% comparado ao ano anterior, chegando a R$ 11,4 bilhões, e um total de crescimento de 26% nos últimos cinco anos. Pelas previsões da consultoria o mercado brasileiro de candies deve crescer 31% entre 2014 e 2019 em termos de valor, chegando a R$ 15,8 bilhões. É provável que o aumento de preço do açúcar e a inflação continuem sendo os principais fatores que impulsionam o crescimento em valor da categoria. Segundo a Mintel, balas e doces industrializados no Brasil têm variado levemente em termos de volume desde 2009, atingindo o consumo de 262 mil t em 2014, um crescimento de 0,2% comparado ao ano anterior, e um avanço total de 3% nos últimos cinco anos. A previsão em termos de volume é de um crescimento constante, porém menor. A estabilização populacional e o consumo moderado devido à alta de preços deverão contribuir para esse desempenho mais contido. Assim a previsão de crescimento em volume de vendas é de 3% entre 2014 e 2019, chegando a 270 mil t.

O segmento de balas e caramelos domina as vendas nacionais da categoria, tanto em termos de valor quanto em volume, com participação de 79% e 67% respectivamente, capta a pesquisa do consumidor levada a cabo pela consultoria em 2014. Pelo levantamento, 83% dos entrevistados consumiram pelo menos algum tipo de bala nos seis meses anteriores a julho de 2014, enquanto que gomas de mascar registraram um consumo de 67%. Embora o valor do segmento de balas tenha crescido desde 2010 em 10%, o volume se manteve em constante declínio, apurou a Mintel.

Reflexos da crise
Depois de anos bombando, o primeiro semestre de 2015 registrou recuo na produção de chocolates no país. Segundo dados da Abicab, o setor apresentou um decréscimo de 6%, índice de desempenho inferior em relação ao mesmo período de 2014. Em volume, foram produzidas 231 mil t em 2015 e 245,8 mil t no período anterior, repassa Ubiracy Fonseca, vice-presidente de chocolate da entidade. “A retração é reflexo da atual crise econômica brasileira, que trouxe como consequências o aumento da inflação, PIB cada vez menor e crescimento de desemprego”, avalia o dirigente, em linha com o presidente da entidade, acrescentando que a indústria chocolateira nacional procurou fazer o melhor. Foi buscar maior produtividade e inovações, entregando produtos adequados ao atual momento. “Sacrificamos margens para manter a demanda da melhor forma possível”, assinala Fonseca.

No cenário de crise política e econômica que o país vive, observa ele, a retração também foi sentida nos volumes exportados, representando 17,8% das vendas, enquanto as importações acusaram expansão de 23,3% no primeiro semestre de 2015 comparado a 2014. De acordo com o vice-presidente da Abicab, o chocolate premium é o único segmento do setor que não sofreu queda durante 2015. Depois de ter avançado dois dígitos continuadamente nos últimos anos, no ano passado o segmento se manteve estável, enquanto os demais filões apresentaram queda em torno de 6% até o final do primeiro semestre comparado ao mesmo período de 2014. “De qualquer forma, o volume total comercializado ainda é pequeno, em relação a todo o mercado. Das cerca de 500 mil t produzidas em 2014, o segmento premium representou algo em torno de 4%, ou seja 20 mil t”, dimensiona Fonseca.

Apesar do baixo consumo per capita no país, estimado em 2-3 quilos/habitante/ano, a indústria nacional de chocolate ocupa posição de relevância entre os produtores globais. Com produção na faixa de 700-800 mil toneladas anuais, o Brasil é atualmente o terceiro maior produtor mundial, atrás dos Estados Unidos e Alemanha. Para se ter uma ideia dessa dimensão, a subsidiária brasileira da Mondelez, dona da Lacta e uma das líderes do setor de chocolate no país, é a quarta maior operação global da companhia, justamente atrás dos Estados Unidos, Reino Unido e França.

Próximo ao limite de sua capacidade desde meados da década passada, o setor chocolateiro vinha avançando de braçadas até 2012. As mudanças em curso nos hábitos de consumo, com os conceitos de saúde e bem-estar em pauta na preferência do consumidor, certamente pesaram na construção desse cenário. A partir daí, no entanto, a demanda começou a sinalizar saturação. Segundo dados da Abicab, a produção de chocolate (incluindo achocolatado em pó) em 2014 ficou em 781 mil t, 3,7% menor que a do ano anterior. Os números de 2015 ainda não foram consolidados pela entidade. Com consumo aparente de 775 mil t, volume 3,2% menor que o do exercício precedente, o setor registrou exportações de 29 mil t contra importações de 23 mil t em 2014. Enquanto os embarques assinalaram queda de 3,5%, as importações de chocolate cravaram alta de 17,8%, contabiliza a Abicab. Já no balcão do varejo o setor movimentou vendas de US$ 5,53 bilhões no último exercício, capta a Euromonitor International. Pelas planilhas da consultoria, há cinco anos elas totalizaram de US$ 3,58 bilhões e, conforme projeção da empresa, o setor deve alcançar em 2019 faturamento de US$ 7,48 bilhões.

A agitação em torno da produção, venda e consumo de chocolate no Brasil, entretanto, não tem precedentes em toda trajetória da categoria. De vilão da alimentação sadia, o chocolate virou a coquecluche do ramo funcional, entrando na lista dos alimentos que comprovadamente trazem benefício à saúde. A tiracolo dessas constatações, proliferam avanços tecnológicos e empreendimentos tanto do lado do fornecimento como da venda ao varejo.

Mesmo com a constatação da estabilidade na demanda, a indústria brasileira de chocolate segue bancando investimentos como o do grupo gaúcho Vonpar. Ao ingressar no filão alimentício há cerca de 2,5 anos, aportou cerca de R$ 160 milhões para integração das operações e expansão da linha de chocolates da Neugebauer, hoje sob seu controle. O projeto da planta de chocolate segue o figurino das mais modernas instalações para processamento de cacau em todo o mundo. Ela reúne maquinário de procedência europeia, basicamente da Suíça, Alemanha e Itália, elevando a capacidade anterior em cerca de 200%. A Vonpar anunciou aumentar os volumes de produção e, desde o ano passado, a capacidade total da unidade está entre 2 mil t e 3 mil t/mês de diferentes tipos de produtos (barras, confeitos e bombons), o triplo da antiga planta de Porto Alegre.

Já o investimento anunciado pela Ferrero de R$ 200 milhões na ampliação de sua fábrica em Poços de Caldas (MG) foi o maior aporte do grupo italiano bancado no país, desde a inauguração da unidade há 20 anos, além de maior injeção de recursos programada para o biênio 2014/2015 nas subsidiárias da companhia pelo mundo.

Posicionada entre os principais supridores de cobertura (chocolate industrial) do país, a Harald também investiu cerca de R$ 30 milhões para expandir sua atuação no mercado premium. O projeto incluiu a instalação de uma segunda unidade em Marília (SP). Sediada em Santana de Parnaíba (SP), a empresa opera no filão de coberturas com a marca Melken, fornecida a indústrias de alimentos, padarias, confeitarias e sorveterias. Ao inserir a grife Unique, que consumiu dois anos de pesquisas, a Harald ingressou no chamado mercado premium ou de chocolate fino. Mas ela vinha operando no limite de sua capacidade para atender a demanda crescente do mercado chocolateiro nacional. Gargalos como esse deverão ser superados com a fusão anunciada em abril passado com a japonesa Fuji Oil, uma das maiores fabricantes globais de gorduras especiais, cremes vegetais, proteína de soja e derivados de cacau. A processadora de óleos, que já era fornecedora da Harald, investiu cerca de R$ 640 milhões (24 bilhões de ienes) por 83% do capital da indústria brasileira. A Fuji já atuava no mercado brasileiro na área de óleos e gorduras comestíveis e, com a incorporação da Harald, expande sua presença para o segmento de chocolates, no qual já opera em outros países.

Resultados sólidos
Com lançamentos sem parar, oferta de itens saudáveis e um parque moderno, o setor brasileiro de biscoitos vem conseguindo superar as dificuldades econômicas e apresentar resultados sólidos. Apesar do desempenho positivo, 2014 não foi um ano fácil e 2015 apresentou ainda mais desafios para as indústrias, observa Claudio Zanão, presidente da Abimapi (Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias, Pães e Bolos Industrializados). Ainda sem os números consolidados de 2015, ele prevê crescimento de 1-2% em valor no faturamento e estabilidade nos volumes da categoria. Os custos de produção foram pressionados pelos aumentos de tarifas anunciados pelo governo, acrescenta ele. “Enquanto o preço da energia elétrica elevou despesas dentro da fábrica, a alta nos combustíveis onerou o transporte. Ao mesmo tempo, a disparada o dólar encareceu as principais matérias-primas e não foi apenas o trigo, insumo-base da categoria, a exibir as maiores elevações”, sublinha. Outro componente de pressão, conclui, são as embalagens, que correspondem a até 25% dos custos. Para complicar, o ano teve no calendário diversos feriados, fator em regra negativo para as vendas do setor.

Menino travesso

Balas Juquinha visual mantido até o final.
Balas Juquinha visual mantido até o final.

Depois de  mais de 60 anos na boca e no coração dos brasileiros, as balas Juquinha pararam de ser fabricadas. Criada na década de 1950 pelo comerciante português Salvador Pestana, sócio da Salvador Pescuma Russo & Cia Ltda., que produzia refresco em pó efervescente no bairro do Pari, em São Paulo, a linha de balas mastigáveis ganhou as prateleiras dos atacados doceiros no sabor tutti-frutti. De grande aceitação em todo território nacional, a versão clássica da guloseima exibia no rótulo o desenho de um rosto de menino, mantido intocado até os dias finais de sua comercialização. Decidido a modernizar a linha de produção, em 1979 Pestana investiu em máquinas de maior capacidade e acabou acumulando dívidas. Três anos depois repassou a fábrica para o empresário italiano Giulio Sofio, que mudou a fábrica para Santo André (SP) e segurou o negócio até o final. Com faturamento anual em torno de R$ 15 milhões, a Juquinha em seu auge chegou a produzir 600 toneladas mensais de guloseimas. Mas desde 2005, foi reduzindo a marcha e, no fim de 2014, a capacidade não ultrapassava 100 toneladas, com receita de aproximadamente R$ 8 milhões. Mas para a alegria dos fãs, a Juquinha deve voltar às gôndolas neste semestre pelas mãos do atacadista carioca Antonio Tanque, que fechou a compra da tradicional marca de balas. Ex-camelô, o empresário ingressou no ramo de candies em 1994, abrindo uma operação no Mercadão de Madureira, tradicional reduto doceiro do Rio de Janeiro. Além de lojas no Mercadão, Tanque é dono de uma distribuidora e era um dos maiores clientes da Juquinha. O valor do negócio fechado com Sofio não foi revelado, mas Tanque anunciou a volta da produção das balas em fábricas terceirizadas.

Como repasses dentro da cadeia foram inevitáveis, houve, ao longo de 2015, recomposição de preços dos biscoitos na ponta. Com isso, o setor projetou aumento de valores de vendas entre 8% e 10% no ano, ao passo que os volumes cresceram entre 1% e 2% no mesmo período. Embora seja intuitivo pensar que biscoitos premium sofrem maior impacto em um cenário de fraco crescimento econômico e inflação alta, os mais penalizados foram, na realidade, os tipos populares, a exemplo das variantes planas e recheadas, nota o dirigente da Abimapi. Ao contrário daquilo que ocorre em outros segmentos da indústria, ele prossegue, a população de baixa renda não migra para uma categoria mais barata de produto. “Ela simplesmente deixa de comprar”, diz. E a alta de tributos e de tarifas de água e luz, combinada ao encarecimento de diversos artigos na gôndola, corrói o poder de compra do assalariado que tende a adquirir somente o essencial.

Em 2014, situa Zanão, essa conjuntura afetou o consumo no Nordeste, cuja taxa de atividade econômica vinha avançando de forma muito mais acelerada do que a média do país, fenômeno que contribuiu, inclusive, para incremento de demanda na região. No ano passado, as pessoas diminuíram a frequência de idas ao ponto de venda (PDV) e passaram a fazer compras mais inteligentes, buscando e promoções no comércio. Há casos, exemplifica o dirigente, de várias donas de casa indo ao atacarejo, canal que tem se expandido de forma expressiva no país, para comprar grandes volumes aproveitando o preço mais atraente, e depois dividindo entre as famílias. Em todo o Brasil, a Kantar Worldpanel, especialista em pesquisa avançada e análise de perfil e tendências de consumo, averiguou que a frequência de compras caiu para 24,9 vezes em 2014 em comparação a 26,4 vezes no ano anterior.

Pela varredura da consultoria, as classes C, D e E têm papel fundamental para a indústria de biscoitos brasileira. Segundo reparte a Kantar, as faixas C1 e C2 foram responsáveis por 42% do consumo doméstico, enquanto D e E, juntas, corresponderam a 36%. O restante fica fragmentado entre as classes A e B. No total da amostra analisada, considerando todos os níveis de renda, casais com criança pequena e monoparentais detiveram fatia de 25% cada no consumo de 2014. Independentes e casais com pré-adolescentes também apresentaram participações relevantes com 20% e 18%, respectivamente.

Do lado do consumo per capita, o Brasil atingiu a marca de 8,40 quilos/habitante em 2014, um crescimento acumulado de 17% desde 2010, quando volume atingiu 7,18 quilos/habitante. Ainda assim, há muito potencial no mercado doméstico de biscoitos para incrementar esses números. Pela varredura da Euromonitor junto com a Abimapi, os vizinhos argentinos, por exemplo, consomem 12,44 quilos/habitante/ano. “O biscoito é, sem dúvida, unanimidade nos lares brasileiros. Todas as variedades têm seu espaço entre as preferências do consumidor, sejam tipos clássicos de maisena ou água e sal, os saborosos recheados ou na versão wafer, ou ainda os mais sofisticados como os cookies, categoria apreciadíssima pelos norte-americanos e que, graças ao maior poder aquisitivo no Brasil, decolou por aqui em anos recentes”, comenta Zanão. Prova disso é que a penetração dos biscoitos nas residências chega a uma impressionante marca de 99,6%, fixa a Kantar Worldpanel. Muitos fatores levaram o país a bater essa marca, mas a cultura da população tem papel preponderante no resultado. O hábito do consumo de biscoito, impulsionado pela sua praticidade, indulgência, relação de custo/benefício e validade mais longa, se enraizou em definitivo no cotidiano das pessoas, pondera o presidente da Abimapi.

Como não é possível expandir a penetração do biscoito, o desafio agora é colocar mais pacotes nos lares brasileiros, frisa. Para tanto, é preciso oferecer cada vez mais opções ao consumidor, apostando em lançamentos e produtos diferenciados. Nesses filões aparecem as versões tamanho família, com apelo de redução de custo por unidade, e do tipo monodose, relacionado à compra por impulso e substituição de refeição. Pela lupa da Abimapi, aliás, a categoria de biscoitos tipo club, vendido em embalagens pequenas para consumo de uma só vez, tem crescido de forma acelerada no Brasil. Apelos de praticidade, indulgência e preço colaboram para esse avanço. •

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