Produtividade em primeiro lugar

A recessão acentuada nos quatro últimos exercícios fez a indústria nacional de máquinas receber com reservas qualquer previsão de alta. No início deste ano, no entanto, com o encaminhamento das reformas para melhor equacionamento do déficit fiscal e ainda sem o impacto das delações da JBS, a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) arriscou uma estimativa em torno de 5% de alta na receita líquida do setor para 2017. Apoiada em uma visão mais otimista do mercado de bens de capital, que estendia o mesmo crescimento para o consumo aparente (vendas internas e importações), esse prognóstico vinha acompanhado da justificativa de que não era um sinal de retomada. Em termos de receita, compara a Abimaq, a indústria de máquinas é hoje 50% do que foi em 2013, e uma expansão dessa ordem não reporia a profunda queda dos últimos anos. Sob esse pano de fundo, São Paulo sediou em junho mais uma edição da Fispal Tecnologia, principal vitrine do segmento de máquinas para alimentos e bebidas. Com número de expositores (440) e público visitante (superior a 40 mil) considerados satisfatórios, a apresentação de sistemas mais econômicos e eficientes deram a tônica da mostra. “Como toda a economia brasileira, o setor de confeitos (confectionery) também reduziu muito a marcha”, comenta Thomas Koblinsky Jr., consultor e diretor da Komatec, representação comercial de marcas importadas de máquinas e sistemas para o reduto de chocolates, biscoitos e candies. Segundo ele, os poucos projetos mantidos no período foram destinados às áreas de automação para redução de mão de obra e custos operacionais. “Poucos ou nenhum projeto de expansão e/ou aumento de volumes surgiram no nosso radar”, observa ele.

Koblinsky Jr.,da Komatec nenhum projeto de expansão de fábrica no radar.

Confirmando a previsão otimista da Abimaq, Koblinsky Jr. reporta que, apesar da crise ter alcançado profundidade abissal em 2016, o atual exercício iniciou com boas perspectivas. “Estamos com alguns projetos em curso no segmento de candies, sendo um deles referente à implantação de uma nova tecnologia de extrusão”, sintetiza o consultor, sem abrir detalhes. Além disso, ele sinaliza movimentação no setor de biscoitos para uma de suas novas representadas: a holandesa Houdijk, com a inovadora Houdijk Capper, sistema de aplicação de creme para biscoitos recheados.

Com relação à Fispal, ele destaca poucas novidades, com a otimização de sistemas de manutenção e gestão de linhas de produção, integrados à demonstração de Indústria 4.0 exibida na mostra, entre os pontos altos. Com direito a sessão de avant-première, uma das principais atrações foi um ensaio da Indústria 4.0, desenvolvido em parceria com o Instituto Mauá de Tecnologia, MCK Automação e Zorfa Tec Consultoria. Instalado numa área de 300 metros quadrados, o espaço protegido por vidro transparente possibilitou aos visitantes vivenciarem uma linha de produção (de sorvete, no caso) personalizada, com as tecnologias aplicadas aos processos produtivos de um ambiente da Indústria 4.0. A ideia era promover a experiência inédita de programar e acompanhar a produção, com a entrega de um produto totalmente customizado, de acordo com as preferências do consumidor. Além de robôs e braços mecânicos, o demonstrador exibiu as tecnologias de ponta para a elaboração de um produto, a partir de receita previamente selecionada e inserida pelo visitante na base de dados do sistema. Depois de acompanhar as etapas de acionamento dos equipamentos, cada visitante recebia uma amostra do produto final (sorvete de sabor, textura e cor por ele selecionado), em um recipiente personalizado com o nome da pessoa, por meio de um simpático robô de rodinhas. Ao mesmo tempo, outro robô entregava a pazinha para consumo do sorvete. Filas de visitantes foram inevitáveis.

Demonstrador da Indústria 4.0 produção personalizada ao vivo na Fispal.

 
Periféricos em alta
Para o diretor da Komatec, a feira deveria ter realização bianual, aumentando a frequência de visitantes e expositores. “Daria mais tempo para o desenvolvimento e apresentação de novidades pois, sendo anual, muitos expositores importantes perderam o interesse pelo alto investimento e resultados abaixo da expectativa”, pondera o executivo, incluindo entre as ausências mais sentidas nomes como Tetrapak, Masipack, Bosch e Cavanna, que já não compareceram na feira do ano passado. “Essa saída voluntária pode ser atribuída ao efeito da Interpack (maior feira do setor, promovida a cada três anos, na Alemanha), realizada em maio passado; pelo efeito da crise e também pela repetição”, assinala o trader.

Benedito e Jefferson Salles, da Macfare demanda maior de empresas de pequeno porte.

Em sua primeira participação na Fispal Tecnologia, a fabricante de linhas especiais e embaladoras Macfare se animou pelo interesse gerado por seu mais novo item: um puxador de massa para balas mastigáveis e de coco, com capacidade para até 3 quilos por batch. “Apesar de ter ingressado recentemente no portfólio, já é um sucesso de vendas”, observa Jefferson Salles, diretor administrativo da indústria sediada em Piracibaca (SP). Pelas dimensões compactas, o equipamento movimenta uma demanda localizada em empresas de pequeno porte e fabricantes semi-industriais, transformando-se na menina dos olhos de microempreendedores, acrescenta Benedito Salles, diretor industrial da Macfare.

Ele comenta que a motivação para enfatizar linhas de pré-processamento e periféricos para a fabricação de candies é decorrente da forte queda no segmento de embaladoras, no qual a empresa é especializada. “Desde o ano passado, esse declínio vem se acentuando, com muito poucas oportunidades surgidas”, ressalta Jefferson Salles. Em contrapartida, a procura por linhas de pequeno porte e equipamentos auxiliares avulsos tem mantido pulso, principalmente no setor de confectionery. “A participação na Fispal injetou algum otimismo, mas a maioria das consultas envolve projetos de média e longa maturação”, repassa ele.

Puxador de massa para balas sucesso de vendas da Macfare na Fispal.

Outro aspecto positivo na visão do empresário é a profusão de fábricas dos mais variados portes em busca de inovações para driblar de modo criativo a crise e retomar o crescimento gradativo das vendas. “Temos visto alguns bons resultados, com a adaptação de linhas ou o simples emprego de maquinário auxiliar, principalmente no segmento de chocolates, que se mantém mais estável”, nota o diretor administrativo. Com relação ao parque nacional de máquinas, ele percebe uma movimentação maior no comércio de equipamentos usados e reformados. Sem contar as grandes empresas do setor de confectionery, com acesso a importações, as pequenas e médias indústrias enfrentam a dificuldade de conseguir crédito para investimentos . “Esse contingente, que representa boa parte das venda dos nossos equipamentos, deixou de investir em embaladoras para economizar e investir em seus insumos básicos e essenciais de produção”, analisa Salles.

Essa intensificação no segmento de reforma e atualização de máquinas (retrofit) tem sido também registrada nos talonários de pedidos da ARV-Alricande, indústria de embaladoras estabelecida há 28 anos em Mogi das Cruzes (SP). “Os serviços de reforma e peças de reposição para linhas de embalagem nacionais e importadas têm dominado a nossa programação, com um crescimento forte na demanda de indústrias em busca de recuperação de equipamentos nesse momento de crise”, avalia João Ricardo Gonçalves, gestor da ARV. Com a queda vertiginosa nos pedidos de novas linhas, a companhia aproveitou o último ano para promover uma completa reestruturação, conferindo maior destaque à divisão de projetos e reformas, que foi ampliada. “Com isso, fechamos 2016 com um cenário positivo em relação aos anos anteriores e abrimos esse primeiro semestre com um surpreendente melhor resultado dos últimos cinco anos”, assinala Gonçalves, sem abrir números.

Investimentos permanentes

Gonçalves, da ARV reformas e fornecimento de peças de reposição em alta.

A boa performance nos projetos de retrofit reativou os ânimos na ARV para aprimoramentos em sua linha de encartuchadeiras automáticas, com aplicações em frascos, tubos, sachês, blisters e saquinhos. “Para segmentos que utilizam cartuchos e demandam muita mão de obra, a automação se torna fundamental nesse momento, potencializando a aplicação da nossa linha de máquinas”, nota o executvo da ARV. Entre os projetos destacados na Fispal Tecnologia, ele sublinha a linha de sachês de alta produção e a encartuchadeira de display para chocolates e barrinhas de cereais e/ou de frutas, com capacidade para até 150 unidades por minuto. “Eram projetos previstos apenas para 2018, que antecipamos e, após a feira, tivemos a confirmação de compra da primeira unidade”, grifa ele. Também chamou a atenção no estande da empresa a linha de dosadores para achocolatados e bebidas lácteas de alta produção, um mercado que responde atualmente por boa parte de nosso faturamento”, posiciona Gonçalves.

Quando começou a sentir a retranca nos pedidos de embaladoras flowpack para o segmento de candies, que sustentavam a fábrica em Guarulhos (SP), a Feul Pack tomou a acertada decisão de ingressar em um segmento com poucos concorrentes. Assim, ela se especializou em linhas completas para fabricação de paçocas de amendoim (do tipo rolha, quadrada e/ou retangular), produzindo desde os sistemas para refinação do açúcar, misturadores, moedores e integradores de massa, até a prensa e as embaladoras flowpack e tipo portfólio de dobras laterais. “Fornecemos tudo para a produção da paçoca e, inclusive, damos suporte técnico e assessoria, que inclui a montagem do galpão e a receita do produto em si”, detalha Flavio Ferreira, diretor da Feul Pack. Com isso, ele confirma, a empresa tem enfrentado a crise generalizada no setor com a carteira de pedidos preservada.

Ferreira, da Feul Pack especialização em linhas completas para paçoca prensada.

Ainda assim, ele informa ter colhido boas perspectivas em mais uma participação na Fispal Tecnologia. Com um currículo que inclui equipamentos instalados na Arcor para a linha de paçoca Amor, campeã no segmento; na Brassuco (Paçoca Lual) e na Kux (paçoca Moreninha do Rio), seu estande foi endereço certeiro para empreendedores que vislumbram ingressar no setor doceiro ou incorporar a paçoca no menu, sem fazer investimentos pesados. “Poderia ser melhor, mas as dificuldades com as linhas de crédito para o comprador de máquinas impedem que as vendas deslanchem”, observa Ferreira.

Na Raumak, fabricante de empacotadoras baseada em Jaraguá do Sul (SC), o diretor comercial e administrativo Luis Sérgio Kuroski argumenta que os concorrentes da empresa hoje são as grandes marcas mundiais. Em decorrência dos investimentos feitos em tecnologia, a Raumak detém seu espaço nessa disputa, principalmente com a tendência de as indústrias de alimentos de médio e grande porte deixarem de importar soluções. Contrariando a regra vigente no setor de máquinas, a Raumak fechou seu balanço do ano passado com alta nominal de 16%, cifra também projetada para o exercício atual. “Somos uma empresa extremamente conservadora e este fato foi primordial para continuarmos crescendo. O ano de 2016 foi excepcional e 2017 não será diferente”, avalia Kuroski. Sem contar os contatos promissores feitos na Fispal, ele considera que este segundo semestre já consolidou o fechamento da meta. “Estamos trabalhando agora para o primeiro trimestre de 2018”, grifa.

Lab de soluções

Rafaela, das Balas Antonina redução de dez para três operadores.

Uma das inovações introduzidas nesta edição da Fispal Tecnologia foi o espaço destinado à solução de desafios formulados por fabricantes de alimentos a cargo de profissionais do Senai-SP. Antes do início da feira, empreendedores em busca de soluções para suas indústrias foram cadastrados pela internet no Lab de Soluções. A fabricante de balas de banana Antonina, por exemplo, procurava um equipamento que realizasse o descascamento da fruta in natura de forma eficiente. A empresa teve a sua demanda incluída entre os desafios acolhidos pelo Senai e, durante a realização da Fispal, equipes multidisciplinares de profissionais da instituição apresentaram as soluções desenvolvidas.

“No nosso caso, de três opções foi selecionado um sistema semiautomático, isto é, que requer de dois a três operadores. Quando for implementado vai ser mão na roda à nossa operação, pois utilizamos no mínimo dez funcionários para descascar as bananas”, relata Rafaela Takasaki Correa, diretora da Soter, indústria paranaense que fabrica há 37 anos as balas Antonina. Segundo ela, a produção hoje alcança cerca de 500 quilos por dia e as balas à base de banana in natura são distribuídas em todo estado do Paraná. Já em curso, o próximo passo visa desenvolver parceria com um fabricante de máquinas e introduzir a solução apresentada pela equipe do Senai, conta a executiva.

Mais de 1.600 representantes de empresas estiveram presentes no Lab de Soluções do Senai, onde foi possível vivenciar todo processo de geração de ideias para solucionar os desafios das empresas com a ajuda de profissionais de diversas aéreas tecnológicas da entidade, informa Cristiana Ambiel, coordenadora técnica da unidade Barra Funda e do Lab de Soluções, montado na Fispal. “Fomos procurados não só por empresas que enfrentam problemas na linha de produção, mas também por outras que buscam melhorias e, principalmente, desenvolvimento de produtos”, acrescenta a especialista.

Linha encartuchadeira projeto da ARV para barras de chocolate e de cereais.

Segundo o dirigente da Raumak, apesar da aparente estagnação, existe por parte das indústrias de alimentos um empenho permanente para o aprimoramento do parque fabril, visando reduzir custos e aumentar a produtividade. Ele observa que a desaceleração econômica nitidamente retardou investimentos na área, mas há sinais promissores sendo emitidos pelo mercado. Para ele, as empresas de médio e grande porte não permitem o sucateamento de seu parque fabril, sempre bancando melhoramentos. “Já as pequenas empresas vêm sentindo muito, principalmente pelas dificuldades de financiamento e indisponibilidade de canais para capital de giro”, sublinha Kuroski.

Kuroski, da Raumak ainda comemorando os resultados da Fispal.

A Raumak, detalha ele, atua apenas sob encomenda e, por isso, não possui um portfólio de linhas standard. Todos os pedidos ganham assim status de projetos especiais, com caracteristicas distintas de movimentação e acondicionamento, sempre buscando soluções customizadas e foco em alta produtividade. Na Fispal, a empresa optou por exibir a reformulação completa que vem sendo empregada nas linhas, tanto pelo design como pela tecnologia embarcada. Kuroski avalia como primoroso o trabalho da equipe de engenharia na adaptação ao conceito da Indústria 4.0. Ele detalha que os avanços da Raumak na incorporação de tecnologia embarcada incluem os mais modernos conceitos eletrônicos e mecânicos e, em paralelo, a empresa promove uma análise eficaz de valor, para que os custos acompanhem a capacidade de investimento dos clientes. “Estamos ainda comemorando os resultados da Fispal que, efetivamente, nos surpreenderam”, grifa.

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