Nas alturas, só os preços

Com inflação alta e renda em baixa, a Páscoa acabou em fiasco no varejo nacional
Encalhes a pior campanha dos últimos oito anos.

Apesar das manjadas promoções de última hora alavancarem as vendas de chocolate na Páscoa, a campanha de 2015 teve um dos seus piores desempenhos. Pelo menos desde 2007, quando a Serasa Experian acionou seu indicador de atividade do comércio e passou a medir as vendas na data. Segundo a empresa, no final da semana da comemoração ( de 3 a 5 de abril), o giro aumentou modestos 3,2% em todo o país na comparação com o final de semana do ano anterior, quando a Páscoa caiu entre 18 e 20 de abril. Durante a semana, de 30 de março a 5 de abril, o crescimento foi nulo, replicando os mesmos níveis de vendas de idêntico período do exercício passado (de 14 a 20 de abril).
Na cidade de São Paulo, maior centro de consumo do país, capta o indicador da Serasa, as vendas realizadas na semana pascal caíram 3,7% em relação à mesma semana do último ano. No fim de semana da data, esse giro teve queda de 3,1%. Conforme opinião unânime dos analistas econômicos, com menos dinheiro no bolso em virtude da inflação alta nos primeiros meses do ano, os consumidores deixaram para comprar seus presentes de Páscoa nos últimos dias, aguardando as promoções do varejo.
Esse mesmo movimento também foi observado pela Boa Vista, administradora do Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC), que registrou queda de 0,3% nas vendas de Páscoa do comércio em todo o país. A Boa Vista considerou o período entre os dias 30 de março e 5 de abril. Em 2014, as vendas na data haviam crescido 2,4% em relação a 2013. Já os radares do SPC Brasil e da Confederação Nacional de Dirigente Logistas (CNDL) apontaram queda de 4,93% entre 29 de março e 4 de abril. Para essas entidades, as vendas na Páscoa seguem a tendência do varejo em geral e antecipam um ano de menor crescimento para o comércio. Diante do cenário econômico incerto, do desaquecimento no mercado de trabalho e da perda do poder aquisitivo, uma retomada de confiança dos consumidores ainda parece distante para movimentar a economia e reaquecer o varejo.
A quatro dias da Páscoa e em meio a estagnação da economia e a alta da inflação no país, algumas redes de supermercados anteciparam as promoções de ovos de chocolate. “Os preços tiveram aumento entre 8% e 9% em relação ao mesmo período de 2014, muito próximo da inflação”, nota Sussumu Honda, presidente do conselho consultivo da Associação Brasileira de Supermercados (Abras). Realmente o índice oficial de inflação (IPCA) cravou alta de 7,7 % em 12 meses – de março de 2014 a fevereiro de 2015. Embora a Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Estado de São Paulo esperasse crescimento zero nas vendas de Páscoa em relação ao ano passado, Honda sustenta que não houve um cenário de liquidação, mas apenas as promoções tradicionais do setor. “A indústria também manteve o nível de produção do ano passado, por isso o volume de ovos sobrando foi menor”, argumenta o dirigente. A expectativa do setor, repassa Honda, era conseguir manter as vendas dos ovos de chocolate no mesmo nível de 2014, apesar do cenário econômico ruim no país, por se tratar de um produto tradicional. No entanto, pesquisa da Kantar Worldpanel mostra que, nos últimos quatro anos, cinco milhões de brasileiros deixaram de comprar ovos de Páscoa, fazendo substituições por chocolates em versões mais baratas.
Os consumidores chegaram nessa Páscoa mais pessimistas do que no Natal. A maioria optou por itens mais em conta, ao invés de partir para o chamado trade up e experimentar um produto mais sofisticado e de maior valor. “Neste ano, não foi isso que aconteceu”, constata Sérgio Messias, gerente de inteligência de mercado da Dunnhumby, fornecedora global de soluções de marketing relacionado a bens de consumo no varejo. Em estudo realizado entre o dia 1.º e 18 de março, a empresa captou a intensidade desse pessimismo. Segundo Messias, para 82% dos entrevistados, o atual momento econômico é delicado. Desse grupo, 92% acreditam que os próximos feriados deste ano também serão “magros”. Para 95%, a Páscoa seria uma comemoração mais econômica do que a do ano passado e o número de ovos comprados também menor. Entre os produtos cortados da mesa, a maioria inseriu a colomba pascal, entre outros itens tradicionais. A conclusão foi que o consumidor iria comprar ovos de chocolate, bacalhau e vinho, mas de marcas mais em conta, usadas no dia a dia.
Ubiracy Fonseca, vice-presidente de chocolate da Abicab (Associação Brasileira da Indústria de Chocolate, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados) argumenta que, embora a entidade não divulgue estimativas de vendas, o clima no início do ano era mais otimista. Durante o Salão de Páscoa, evento que promove a divulgação das novidades dos principais fabricantes de ovos de chocolate, realizado em janeiro, as expectativas para a Páscoa 2015, obviamente, eram diferentes de um associado para o outro. “Cada empresa tem suas estratégias e algumas têm canais de distribuição diferentes. Ainda não temos números fechados quanto ao desempenho da Páscoa 2015, pois alguns associados fazem promoções durante algumas semanas após a data”, repassa ele.
Para o dirigente, o cenário econômico e político que o país vive deve ter prejudicado “e muito” o desempenho das vendas. O quadro certamente se agravou desde a realização do Salão da Abicab, observa o executivo, inserindo na lista as manifestações nas ruas, a divulgação dos dados negativos do PIB de 2014 e o pessimismo em todos os setores produtivos. “Além de tudo isso, estamos vivendo uma crise hídrica quase sem precedentes, aumentos de impostos, da inflação, da corrupção, elevação fortíssima da energia, do dólar, dos combustíveis e uma queda vertiginosa da confiança no governo divulgada em muitas pesquisas. Todos esses fatores foram extremamente negativos, evidentemente não só para o setor de chocolates no Brasil, mas para toda a economia”, grifa Fonseca.

Ciclos de 18 meses
Para Oswaldo Nardinelli, diretor da ON 360º Consultoria Empresarial, especializada no setor de confectionery, a campanha deste ano deve ser avaliada dentro de um contexto maior do país. “Várias indústrias de diferentes setores estão tendo retração de vendas”, observa ele, completando que o fenômeno envolve desde bens duráveis até bens de consumo. Mas não é o primeiro ano que a Páscoa sinaliza problemas, nota. Já no ano passado também as vendas não foram tão boas como se estava imaginando. “A indústria tem que repensar um pouco o modelo da Páscoa. Ela demanda um planejamento muito grande”, assinala o consultor, com base em sua larga experiência no ramo, no comando da Mondelez (dona da Lacta) e da Arcor (ver à pág. 10). Ele exemplifica com a Páscoa de 2016 que, segundo explica, já foi fechada em julho do ano passado. “O evento contém ciclos nas principais companhias de 18 meses. Abrange compra de insumos, negociação com licenciamentos, produção de brindes, brinquedos e embalagens; produção e estocagem dos ovos de chocolate”, enumera. A mídia, diz Nardinelli, faz comparações de preços entre uma barra de chocolate de 160g e um ovo com mesma gramatura, mas o custo é diferente. A empresa produz o ovo e estoca o produto em armazém refrigerado por seis meses. “Esse custo é elevadíssimo”, grifa. Mais: os brindes e brinquedos cotados em dólar e produzidos em vários países ao mesmo tempo, a logística para que todos esses insumos cheguem na fábrica no mesmo dia da produção dos ovos, a contratação de quadros para as fábricas e de 4-5 mil até 10 mil promotores, às vezes, dentro de algumas empresas, tudo isso pesa no planejamento. “É um evento maravilhoso, muito lúdico, quando o varejo tem um dos maiores picos de venda, e enfrenta adicionalmente o clima quente do Brasil. Por isso, é preciso reinventar, tornar a data ainda mais atrativa”, opina o consultor.
Para o trade, que dedica cada vez mais espaço à data, a dificuldade cresce do ponto de vista da logística, pois são mais lojas concorrentes abrindo, acrescenta o executivo. Apesar de ser um evento fantástico, considera, a Páscoa passa por um período de crise também constatado em outras datas e categorias. “O grande desafio é tentar reinventar do ponto de vista do produto em si e de como são comercializados no ponto de venda (PDV)”, assinala.
Quando o “encalhe” de ovos de chocolate é muito grande, detalha Nardinelli, as empresas fabricantes propõem alguma negociação, que pode ser anterior ou posterior à data, junto ao distribuidor/atacadista/varejista. “O planejamento é uma tarefa difícil e, na maioria das vezes, as indústrias operam um ciclo de planejamento que pode chegar até a 18 meses antes do dia D, ou seja, os dias que antecedem a data. Portanto, é natural que eventualmente sobrem ou faltem ovos de Páscoa nas parreiras”, pondera.
Normalmente, para não trazer as sobras em quantidade elevada, tarefa que exige uma logística reversa cara, as indústrias negociam com os clientes promoções de rebaixamento de preços para liquidação dos ovos remanescentes. Entretanto, apesar desse esforço, é natural também que alguma quantidade sobre e tenha que retornar para a indústria que os retrabalha, separando as embalagens, brinquedos e o chocolate.
Nem todas as indústrias que atuam no filão chocolateiro, no entanto, têm essa preocupação. João Ribeiro, gerente de marketing da Puratos Brasil, que fornece chocolate e cobertura para o segmento de food service, repassa que as vendas em relação a 2014 apresentaram crescimento discreto. “Já estava dentro do esperado, uma vez que estamos iniciando uma nova operação fabril. Alguns itens ainda não estavam disponíveis para a fábrica e lançamentos futuros serão feitos mais para o final de 2015”, argumenta ele.
Para a Puratos, o movimento desse ano apresentou boas oportunidades de expandir volumes, em função de rupturas nas linhas de concorrentes. “Porém, pouco conseguimos agir nesse sentido”, sublinha o gerente. Em sua opinião as vendas de varejo tradicional (supermercados) já sinalizavam tendência de queda no longo prazo, por fatores já conhecidos, tais como alto preço por quilo (quando comparado com a mesma marca em tablete), pela disputa com lojas especializadas em chocolate, com produtos com “mais cara” de presente e melhor apresentação (especialmente para público jovem adulto). “Além disso, houve a perda de valor do brinde infantil e a conjuntura econômica atual também em nada favoreceu o varejo”, nota Ribeiro.
Ele avalia que o mercado de chocolates cresceu vigorosamente na década passada e ainda continua avançando, apesar do ritmo menor. O consumo per capita do produto no Brasil é menos da metade do que se registra na Europa e inferior a alguns países vizinhos, como é o caso da Argentina. Por conta desse diagnóstico, o grupo belga Puratos está investindo em uma nova unidade. “A matriz do grupo no Brasil fica localizada na cidade de Guarulhos (SP), assim como sua unidade produtiva. Acreditamos que o investimento nessa cidade para a fábrica de chocolate trará maior sinergia para nossos negócios”, diz. O foco da planta é a produção de chocolate e compounds para o mercado industrial/profissional. A produção será destinada, na maior parte, ao mercado brasileiro, mas exportações para os demais países da América do Sul também estão nos planos da companhia, antecipa ele.
Outro reduto que também não sentiu a retração nesta Páscoa foi o das redes de chocolaterias, a exemplo do grupo CRM, detentor das bandeiras Kopenhagen e Chocolate Brasil. Em tempos de economia fraca, muitos segmentos de consumo que vendem linhas de produtos mais baratas tendem a ganhar espaço. No caso do ovo de Páscoa, o contrário acontece. A Kopenhagen, por exemplo, vendeu toda a sua produção do ovo de um quilo, que oferecia como brinde uma pulseira da joalheria dinamarquesa Pandora. Subiu às prateleiras ao preço de R$ 420 e foi um dos mais caros vendidos no país.
Na Chocolates Munik, a gerente de marketing Camila Marconi informa que a expectativa de crescimento nas vendas em torno de 5% foi plenamente alcançada. “Devido ao momento de instabilidade econômica do país, procuramos incluir no portfólio de ovos de Páscoa versões mais acessíveis ao público, como a linha de ovos de colher, que contribuíram para alcançarmos a meta de vendas”, explica a executiva, acrescentando que, apesar do cenário de retração geral, a Munik não tem registrado queda na demanda de chocolate.
Outra tendência deste ano foi a diversificação e “gourmetização” dos ovos para tentar atrair nichos de mercado, dada a grande concorrência. Patrícia Cotti, coordenadora da Academia de Varejo, argumenta que, para driblar o peso da inflação no orçamento dos consumidores, os fabricantes têm apostado em versões menores de seus carros-chefe. O enfraquecimento do comércio, conta Patrícia, tem levado até as lojas que não vendiam chocolates, como as de roupas e brinquedos – caso da Ri Happy –, a apelar para o produto na tentativa de elevar as vendas. “A Páscoa deste ano já mostrava tendência de ser menor e os fatores são aqueles já conhecidos: instabilidade econômica, inflação, comprometimento da renda e baixa confiança dos consumidores”, explica. A inflação, ela exemplifica, atingiu em cheio os ovos de Páscoa. Levantamento do Ibmec-RJ, aponta a especialista, constatou que os preços dos ovos aumentaram em média 16,5% entre 2014 e 2015. Considerando os itens mais procurados pelos consumidores, com peso entre 100g e 270g, os aumentos ficaram entre 10% e 11%, respectivamente, na comparação com o ano passado. Ovos com brindes registraram os maiores aumentos de preços individuais. Até as barras de chocolate/cobertura, alternativa para quem quer fazer o próprio ovo, ficaram 8,8% mais caras na pesquisa de 12 meses. Mesmo assim uma barra de 170g chegou a custar entre R$ 4,50 a R$ 6, contra R$ 16 da mesma quantidade em forma de ovo. •

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