Menos e com mais sabor

A indústria de alimentos em geral tenta captar um vislumbre da mente imprevisível dos consumidores, que dizem buscar hábitos mais saudáveis, mas não dispensam suas guloseimas e bebidas favoritas. Os resultados de um estudo recente da consultoria de inteligência Mintel apontam para essa aparente contradição. De um lado, os consumidores demandam bebidas mais saudáveis, tentando reduzir o consumo de açúcar. Nos EUA, por exemplo, esse movimento vem derrubando o consumo de refrigerantes e alimenta uma acirrada batalha pelo mercado de bebidas gaseificadas entre a Pepsi e a arquirrival Coca-Cola. Ao mesmo tempo, os consumidores americanos seguem devorando batatas fritas e outros salgadinhos calóricos, sem demonstrar perda de apetite. No Brasil, o estudo Snacks Salgados – Brasil – Março 2018, da Mintel, observa que o mercado de salgadinhos do tipo aperitivo tem disponibilizado aos consumidores opções que cobrem boa parte dos atributos desejados. Enquanto os amendoins e outros tipos de castanha em geral ocupam o território de maior energia, as sementes torradas e salgadas posicionam-se como opções para quem busca uma alimentação mais saudável e natural, analisa Marina Ferreira, especialista em alimentos e bebidas da consultoria. “O universo da indulgência acaba sendo atendido pelos salgadinhos de batata e milho, enquanto as pipocas atendem os consumidores que buscam opções para serem compartilhadas”, complementa ela.

Todavia, atributos negativos também são associados a alguns dos segmentos de guloseimas do tipo snacks, nota Marina. Vistas como ideais para se consumir em grupo, as pipocas de micro-ondas estão associadas a ingredientes artificiais, podendo dificultar uma maior penetração entre os que buscam opções mais naturais. Os salgadinhos extrusados de milho e os chips de batata, atrelados ao prazer ao serem degustados, também estão situados próximo ao alerta “alto teor de calorias”, transformando-se em potencial barreira para quem busca controlar o peso.

Atentas a esse cenário, as fabricantes de snacks apoiam iniciativas como a que vem sendo adotadas pelas indústrias de alimentos em geral, aderindo ao Acordo de Cooperação Técnica que a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia) mantém com o Ministério da Saúde desde 2007, para a construção do Plano Nacional de Vida Saudável.

Marina, da Mintel quase metade dos consumidores alega ter diminuído a ingestão de salgadinhos.

O acordo contempla ações para a promoção da alimentação saudável, atividade física e educação nutricional e reforça o compromisso que o setor já tem com a qualidade e com a busca constante por melhoria do perfil nutricional dos alimentos. Estão inseridos nessa parceria esforços para as reduções, já em curso, de nutrientes como gorduras trans, sódio e açúcar. Em paralelo, tramita no âmbito da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) análise para a definição de um modelo de rotulagem frontal que resuma as características nutricionais. Reduções de gorduras e açúcar já são até corriqueiras, uma vez que a indústria dispõe hoje de substitutos de eficácia comprovada. “A maior dificuldade é reduzir o teor de sódio, sem comprometer o sabor do salgadinho”, assinala Chen Wei Chow, diretor da Ebicen, uma das pioneiras no segmento de snacks saudáveis, acrescentando que, por conta de dificuldades como essa, as indústrias têm pesquisado outras formas de melhorar a imagem dos snacks.

“É importante que as empresas invistam em opções que ajudem a transformar a imagem negativa, sendo uma alternativa, no caso das variantes de milho e batata, a redução do tamanho das embalagens, a exemplo das marcas Pringles (da Kellogg’s) e Stax (Elma Chips/PepsiCo), que disponibilizam suas populares batatas em embalagens menores”, ressalta Marina. Ao mesmo tempo que fornecem calorias de forma controlada, essas duas campeãs da preferência mantêm o sabor aprazível, enquanto os consumidores ganham a liberdade de continuar consumindo itens indulgentes sem tanto impacto calórico, com a redução de 130g para 40g nas embalagens. “Outra opção para manter sabor e reduzir calorias é apresentada pela marca japonesa Bourbon Petit, com suas batatas no tamanho mini, de dimensões um pouco maiores que uma moeda”, completa a especialista.

Valor crescente
Com demanda ascendente nos últimos cinco anos, os snacks mimetizam um fenômeno de consumo que também pode ser constatado em outras categorias de guloseimas, como chocolates e candies em geral, exibindo crescimento com intensidade maior em valor e menor em volume. Pelos radares da Euromonitor International, que audita permanentemente o varejo dessas categorias, as vendas de snacks avançaram de 143.300 toneladas (t), em 2012, para 164.100 t no ano passado, cravando taxa média anual de crescimento de 2,2%. Nesse mesmo período, a receita quase dobrou, saltando de R$ 3,693 bilhões para R$ 6,059 bilhões, com uma taxa média de 9,1% (ver quadro abaixo).

Possivelmente por influência das dificuldades econômicas enfrentadas pelo país somada à onda de saudabilidade, impactando diversas frentes, como racionalidade e menor consumo, a Euromonitor projeta um arrefecimento na demanda geral e quase inversão na relação de volume e valor. Pelas estimativas da consultoria, as vendas de snacks devem avançar 4,5% em volume e 6,4% em faturamento nos próximos cinco anos, alcançando 210.900 t e R$ 8,985 bilhões em 2023.

Os dados da pesquisa Snacks Salgados revelam algumas pistas dessa inversão na demanda de salgadinhos. A referência mais significativa indica que 40% dos consumidores afirmam ter mudado de hábitos em relação ao consumo de snacks, ingerindo uma quantidade menor em comparação aos últimos seis meses (ver gráfico à página 11). Para a especialista da Mintel, é muito provável que essa redução no consumo tenha ligação com uma mudança no comportamento da população em busca de produtos que contribuam para uma alimentação mais saudável. Linhas com esse perfil têm valor e preço diferenciado dos snacks convencionais. “O fenômeno também ocorre, porém, ao mesmo tempo em que grande parte dos consumidores precisa controlar aquilo que coloca no carrinho de compras, em função do momento desfavorável da economia brasileira”, observa Marina.

Dentro do estudo da Mintel, à pergunta feita a 1.500 usuários de internet com 16 anos ou mais (“Como seu consumo de snacks mudou em comparação com os últimos 6 meses?”), 40% responderam “estou comendo menos”, 24% disseram “estar comendo salgadinhos e outros tipos de snacks; 14% afirmaram ter aumentado esse consumo, 10% revelaram consumir snacks mais saudáveis , 8% trocaram os salgadinhos por outros tipos de guloseimas e 24% negaram ter consumido snacks nos últimos seis meses.

Snacks saudáveis
De acordo com o relatório sobre hábitos de consumo de snacks, elaborado pela Mintel em março do ano passado, 39% dos brasileiros disseram estar interessados em versões saudáveis de seus snacks preferidos, sinalizando possível aumento na demanda por lanchinhos com apelo saudável, comenta Marina, “Apesar do esforço crescente da indústria para oferecer opções de snacks mais benéficas à saúde, a pesquisa para o relatório atual mostra que apenas 10% dos consumidores comeram essa modalidade de lanchinho nos últimos seis meses, indicando um certo descompasso entre a vontade de comprar e a compra de fato”, confronta ela.

Para a especialista da Mintel, essa resistência pode ser decorrência do exagero de sal no preço, pois versões mais saudáveis são associadas a custos altos. Segundo o estudo Alimentação Saudável – Tendências, feito pela Mintel em 2016, 92% dos pesquisados disseram concordar que o preço dos alimentos saudáveis parece estar sempre aumentando. “Em um momento de contenção geral de despesas, como o atual, apesar do desejo de incorporar snacks saudáveis na rotina alimentar, essa parece não ser uma possibilidade acessível a todos”, nota Marina.

Uma forma de facilitar a introdução de produtos com apelo saudável na cesta de compras dos consumidores em dificuldades financeiras envolveria um esforço para desmistificar a ideia de que snacks saudáveis são necessariamente mais caros do que as versões tradicionais, orienta a especialista da Mintel. Nesse sentido, oferecer diferentes possibilidades de acesso a esses itens, como embalagens com porções menores a preços mais acessíveis, pode ser uma saída para conquistar novos adeptos e fidelizar antigos fãs. “No mercado de refrigerantes, a tática foi explorada pela Coca-Cola, que incorporou ao seu portfólio a versão mini com 220ml do refrigerante em lata e minigarrafinhas com 250ml”, compara Marina.

Hora do lanche
Outra faceta apurada na pesquisa da Mintel mostra que, entre trabalhadores ativos, a busca por variantes saudáveis tem sido maior do que entre consumidores inativos, com 12% dos pesquisados afirmando ter consumido mais snacks com esse apelo nos últimos seis meses, contra 8% entre os que não estão economicamente ativos (ver quadro à página 14).
Ao mesmo tempo, o grupo dos trabalhadores foi o que mais consumiu snacks de sementes torradas e salgadas, com 20% confirmando a compra de itens desse segmento nos últimos seis meses, enquanto no grupo dos que não trabalham, apenas 12% mencionaram a ingestão de sementes desse tipo como snack. “Indica que as sementes salgadas e torradas, vistas por 19% dos pesquisados como o tipo mais saudável de salgadinho, podem estar ganhando espaço nos intervalos do expediente, sendo preferidas pelos trabalhadores nos períodos entre as refeições como opção saudável de snack”, conclui Marina.

Para atrair mais adeptos e manter o entusiasmo daqueles habituados a comer lanchinhos desse tipo, uma opção é buscar a diferenciação, tanto através do uso de sementes menos comuns, como de melancia e melão, como através do desenvolvimento de sabores inusitados, visto que 13% dos consumidores afirmam ter interesse em sementes com esse perfil, revela o estudo Snacks Salgados.

“O snack orgânico de semente de melancia da marca malaia O’Choice e o de sementes de coentro da marca indiana Dilbahar’s Healthy Snacking são exemplos que usam tipos menos conhecidos de sementes como base para salgadinhos”, indica a analista da Mintel. Já a Tong Garden, de Singapura, e a Naraya, da Indonésia, inovam ao trazer o sabor de barbacue picante para sementes de girassol e o gosto do chá-verde para sementes de abóbora. A tailandesa Shiny Farm, por sua vez, mistura a incomum semente de lágrima-de-nossa-senhora, planta parente do trigo e do milho, com amêndoas e o sabor de churrasco picante, reporta a especialista.

Aroma de camarão
Uma das desbravadoras do segmento de snacks saudáveis, a Ebicen ingressou há mais de 40 anos no varejo de salgadinhos com um item tanto inédito quanto ousado: o aperitivo de camarão. Com maquinário e tecnologia japonesa, o salgadinho é até hoje industrializado com aroma de camarão extraído do produto in natura na própria fábrica em Osasco (SP), ou seja, é natural. “Foi lançado em 1978 e é até hoje o campeão de vendas da marca”, assinala Chen Wei Chow, diretor da Ebicen que, em 1983, acrescentou as linhas 3Millon e Glico Snack; em 2000, introduziu o snack Croc-Cen, à base de amendoim e, desde 2003, encorpa o mix com o Ebicen Mini e a Batata Frita Ondulada.

Chow, da Ebicen: melhor investir em novos produtos do que adaptar os atuais.

No início da onda de saudabilidade, lembra Chow, quando o ataque às gorduras e, em especial, à do tipo trans ganhou prioridade na agenda da indústria, a Ebicen inseriu a Batata Ebicen +Lev, elaborada com óleo de girassol alto oleico e redução de 25% em sódio em sua formulação. “Depois de inúmeros testes, descobrimos o caminho para mitigar o sódio, sem desapontar o paladar do consumidor”, rememora o empresário.

Ele considera que os últimos anos têm sido muito fracos em termos de vendas. “Fica difícil identificar o que é tendência real ou queda no giro devido às dificuldades econômicas recentes”, pondera. Na tentativa de reativar o consumo, a Ebicen direcionou o foco para o visual das embalagens. “Achamos que a cor azul original da batata frita não ressaltava tanto os aspectos positivos em termos de saudabilidade do produto”, sublinha.

Para posicionar corretamente o snack da marca e permitir um descolamento das concorrentes com preço baixo, a Ebicen promoveu uma atualização da embalagem. “Houve uma queda ainda maior de vendas, com os vendedores atribuindo o resultado à mudança na apresentação”, repassa Chow. A grande lição para ele foi que o consumidor comprava o produto porque era bom, não pelo fato de ser mais saudável que os concorrentes. Pensando em se encaixar na lógica do consumo saudável, a empresa passou a ressaltar na embalagem os pontos positivos da formulação, mas os fãs nem ligaram, assinala Chow.

Para ele, depois do colesterol, gorduras trans, gorduras saturadas, sódio e açúcar, a preocupação ou moda atual é a tarja “sem glúten”. “Já era muito disseminada no exterior e agora está com força no Brasil”, observa o dirigente. Para enquadrar a linha nos atuais parâmetros, conta ele, a Ebicen estabeleceu um Programa de Controle de Alergênicos (PCAL) mais restritivo e controla áreas para cortar possíveis contaminações de glúten, separando zonas e maquinários livres da substância. “Afinal, nosso produto principal é à base de farinha de trigo que necessariamente contém o glúten”, frisa o executivo, completando que preocupações como essa são percebidas, principalmente, em solicitações e dúvidas via SAC.
Entre os projetos para o próximo ano, ele destaca o lançamento de uma linha à base de tubérculos como mandioca, voltada para o segmento saudável. Com as barbas de molho, depois do episódio da mudança de embalagem, a marca não programa grandes modificações nas linhas de produto atuais, nem mesmo em relação a mudanças de formulação mais saudável. “Parece ser mais salutar economicamente investir em novos produtos do que adaptar os atuais, pois o risco de um fiasco é grande”, frisa Chow. ■

Deixe um comentário