Joias no forno

Lançamentos frequentes, oferta de itens mais saudáveis e um parque de máquinas moderno conduzem o setor brasileiro de biscoitos a superar as dificuldades econômicas e apresentar resultados sólidos. Em 2014, as vendas do segmento cresceram 10,5% e totalizaram R$ 19,67 bilhões em comparação a R$ 17,79 bilhões no exercício precedente, avalia a Abimapi (Associação Brasileira da Indústria de Biscoitos, Massas Alimentícias, Pães e Bolos Industrializados). O volume comercializado, repassa a entidade, ficou estável em 1,7 milhão de toneladas. Além de alguns reajustes pontuais de preço, os números refletem a migração da preferência do consumidor para versões de valor agregado mais alto. Por trás dessa mudança no perfil de consumo fermenta a ascensão de milhões de pessoas à classe média nos últimos anos, junto da melhoria de renda da população de forma geral.
Segundo dados da Euromonitor International, o varejo brasileiro de biscoitos é o segundo maior do mundo, com vendas da ordem de US$ 9,19 bilhões. O primeiro colocado, com ampla diferença, são os Estados Unidos, movimentando US$ 14,1 milhões. Na terceira colocação aparece a China, com US$ 8,9 bilhões, seguida por Japão (US$ 4,4 bilhões) e Rússia (US$ 4,2 bilhões).
Apesar do desempenho positivo, 2014 não foi um ano fácil e 2015 apresenta ainda mais desafios para o segmento de biscoitos. Os custos de produção da indústria já estão sendo pressionados pelos aumentos de tarifas anunciados pelo governo. Enquanto o preço da energia elétrica eleva despesas dentro da fábrica, a alta nos combustíveis onera o transporte. Ao mesmo tempo, a disparada do dólar encarece as principais matérias-primas e não é apenas o trigo, insumo-base da categoria, a exibir as maiores elevações. Outro componente de pressão são as embalagens, que correspondem a até 25% dos custos. Para complicar, o ano tem no calendário diversos feriados, fator em regra negativo para as vendas do setor.
Como repasses dentro da cadeia serão inevitáveis, haverá, ao longo de 2015, recomposição de preços dos biscoitos na ponta. Com isso, o setor projeta aumento de valores de vendas entre 8% e 10% no ano, ao passo que os volumes tendem a crescer entre 1% e 2% no mesmo período. Embora seja intuitivo pensar que biscoitos premium sofrem maior impacto em um cenário de fraco crescimento econômico e inflação alta, os mais penalizados serão, na realidade, os tipos populares, a exemplo das variantes planas e recheadas. Ao contrário daquilo que ocorre em outros segmentos da indústria, a população de baixa renda não migra para uma categoria mais barata de produto, ela simplesmente deixa de comprar. A alta de tributos e de tarifas de água e luz, combinada ao encarecimento de diversos artigos na gôndola, corrói o poder de compra do assalariado que tende a adquirir somente o essencial.
Em 2014, essa conjuntura afetou o consumo no Nordeste, cuja taxa de atividade econômica tem avançado de forma muito mais acelerada do que a média do país, fenômeno que contribuiu, inclusive, para incremento de demanda na região. No ano passado, as pessoas diminuíram a frequência de idas ao ponto de venda (PDV) e passaram a fazer compras mais inteligentes, buscando embalagens de tamanho família e promoções no comércio. Há casos, por exemplo, de três donas de casa indo ao atacarejo, canal que tem se expandido de forma expressiva no país, para comprar grandes volumes aproveitando o preço mais atraente, e depois dividindo entre as famílias. Em todo o Brasil, a Kantar Worldpanel, especialista em pesquisa avançada e análise de perfil e tendências de consumo, averiguou que a frequência de compras caiu para 24,9 vezes em 2014 em comparação a 26,4 vezes no ano anterior.
Pela varredura da consultoria, as classes C, D e E têm papel fundamental para a indústria de biscoitos brasileira. No ano passado, segundo reparte a Kantar, as faixas C1 e C2 foram responsáveis por 42% do consumo doméstico, enquanto D e E, juntas, corresponderam a 36%. O restante fica fragmentado entre as classes A e B. No total da amostra analisada, considerando todos os níveis de renda, casais com criança pequena e monoparentais detiveram fatia de 25% cada no consumo de 2014. Independentes e casais com pré-adolescentes também apresentaram participações relevantes com 20% e 18%, respectivamente.
Do lado do consumo per capita, o Brasil atingiu a marca de 8,40 quilos/habitante em 2014, um crescimento acumulado de 17% desde 2010, quando volume atingiu 7,18 quilos/habitante. Ainda assim, há muito potencial no mercado doméstico de biscoitos para incrementar esses números. Pela varredura da Euromonitor junto com a Abimapi, os vizinhos argentinos, por exemplo, consomem 12,44 quilos/habitante/ano. O biscoito é, sem dúvida, unanimidade nos lares brasileiros. Todas as variedades têm seu espaço entre as preferências do consumidor, sejam tipos clássicos de maisena ou água e sal, os saborosos recheados ou na versão wafer, ou ainda os mais sofisticados como os cookies, categoria apreciadíssima pelos norte-americanos e que, graças ao maior poder aquisitivo no Brasil, decolou por aqui em anos recentes. Prova disso é que a penetração dos biscoitos nas residências chega a uma impressionante marca de 99,6%, fixa a Kantar Worldpanel. Muitos fatores levaram o país a bater essa marca, mas a cultura da população tem papel preponderante no resultado. O hábito do consumo de biscoito, impulsionado pela sua praticidade, indulgência, relação custo-benefício e validade mais longa, se enraizou em definitivo no cotidiano das pessoas.
O desafio agora, como não é possível expandir a penetração do biscoito, é colocar mais pacotes nos lares brasileiros. Para tanto, é preciso oferecer cada vez mais opções ao consumidor, apostando em lançamentos e produtos diferenciados. Nesses filões aparecem as versões tamanho família, com apelo de redução de custo por unidade, e do tipo monodose, relacionado à compra por impulso e substituição de refeição. Pela lupa da Abimapi, aliás, a categoria de biscoitos tipo club, vendido em embalagens pequenas para consumo de uma só vez, tem crescido de forma acelerada no Brasil. Apelos de praticidade, indulgência e preço colaboram para esse avanço. •

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