Fé nunca é demais

Para o presidente da Mondelez, 2015 transcorre como um período de oportunidades
Cyro Gazola esforços para alcançar a excelência da execução no checkout.

Com volume de vendas e mix de produtos 2,7% menores no primeiro trimestre em todo o globo, a Mondelez elevou preços em 6,5% na média. Ainda assim a receita líquida caiu em algumas regiões, como o Leste Europeu, Oriente Médio e África (-17,1%). A exceção foi a América do Norte, ainda assim com crescimento de apenas 0,9%. O recuo refletiu, principalmente, a alta do dólar ante outras moedas. Na América Latina, a receita somou US$ 1,26 bilhão no trimestre. Apesar de uma certa queda em volume na região, o resultado foi compensado por aumentos de preços, em boa parte devido à inflação na Venezuela e Argentina. “Na operação brasileira houve crescimento em volume e manutenção da demanda nos três primeiros meses do ano”, avalia Cyro Gazola, presidente da subsidiária no país. Lançamentos bancados no ano passado, como BisXtra, Oreo e belVita, beneficiaram as vendas, comenta ele. Com mais de 25 anos de experiência nacional e internacional no setor de varejo, o executivo assumiu a gerência geral da Mondelez Brasil em novembro passado. Seu principal desafio será assegurar a evolução do negócio no país, onde a companhia é a número um do mercado em categorias como biscoitos, balas e drops, gomas de mascar e bebidas em pó. Apesar da conjuntura nublada, para ele 2015 embute oportunidade no país. “A demanda está mais relacionada à inovação e à distribuição do que ao momento econômico”, assinala o dirigente. Na entrevista a seguir, o presidente da Mondelez dá a sua receita para assegurar crescimento em ambiente de crise.

DR – Como avalia sua estreia no setor de confectionery?
Gazola
– Vim para a Mondelez no início de novembro de 2014. Faz pouco mais de seis meses. Minha trajetória profissional começou em 1989/1990, quando saí do mestrado nos Estados Unidos e voltei ao Brasil, contratado pela Procter&Gamble. Fiquei quase 22 anos nessa companhia e rodei o mundo cinco vezes, assumindo posições em países como Venezuela, Panamá, Estados Unidos e Ásia. Voltei em 2011 e assumi a divisão de consumo da Philips, inicialmente no Brasil e, depois, na América Latina. Toda essa bagagem foi reunida agora na Mondelez e estou encantado. Globalmente a Mondelez é uma empresa de dois anos e meio com mais de cem anos de experiência. No Brasil em particular, ela é a evolução de companhias seculares como o grupo Philip Morris e a Kraft Foods. Compramos a Lacta em 1995, os anos foram passando, adquirimos a Nabisco, do setor de biscoitos e, em 2010, a Cadbury. Depois, quando houve a reestruturação societária, com a Kraft Foods muito mais focada no mercado norte-americano e canadense de alimentos congelados, nós nos reposicionamos como empresa global e líder do mercado que chamamos de snacking, de chocolates, chicles, balas, biscoitos, guloseimas. Ou seja, uma empresa com portfólio muito focado. Somos uma empresa de muitas marcas (hoje são mais de 20) , com destaque para a segunda posição em chocolates no Brasil, atrás de Garoto e Nestlé. Eles têm 41% e nós temos quase 39%, mas uma relevância muito grande. Somos líderes de Páscoa no Brasil, com marcas como Lacta, Bis, Sonho de Valsa e Diamante Negro. Em biscoitos somos um dos grandes players, atrás apenas da M. Dias Branco e, num mercado bastante fragmentado, temos marcas muito relevantes e tradicionais, como Club Social e Trakinas, e mais recentes como belVita e Oreo. Fizemos o dever de casa, inclusive no âmbito da produção no Brasil. Esses produtos são fabricados em uma das maiores unidades no país, em Vitória de Santo Antão, em Pernambuco. É uma das mais automatizadas que temos e mais jovens em modelo e gestão.

DR – Por que a Mondelez ficou com operações como Philadelfia e Royal, fora do cardápio de guloseimas?
Gazola
– Philadelfia foi a evolução da reestruturação societária, aonde a Kraft ficou com a marca para os EUA e Canadá, mas a propriedade no resto do mundo ficou com a Mondelez. Até porque é a Mondelez quem atua nos grandes mercados globais e não a Kraft, que passou a ter uma presença muito pequena em vários países e, por isso, houve interesse de não dar continuidade ao trabalho de Philadelfia. Apesar de não ser uma linha de impulso, é um produto historicamente muito querido pela empresa. Nos últimos cinco anos o trabalho de marketing e reposicionamento que está sendo feito por nós, a exemplo da ligação com cozinha e gastronomia – a (campanha) Cozinhaterapia –,
com receitas e um forte trabalho em distribuição e food service. Hoje você encontra Philadelfia até em pizzarias.

DR – Como analisa os últimos resultados e o crescimento da companhia?
Gazola
– O resultado global teve uma alta de 3,8% no primeiro trimestre e foi impulsionado pela América Latina, com um crescimento de dois dígitos. Mas aí tem um mix, porque inclui resultados da Argentina e Venezuela, que são carregados e muito próximos da inflação desses países. O resultado real de crescimento do Brasil, que foi duplo dígito, num ambiente como o nosso, é louvado. Somos de longe na América Latina a maior operação e a quarta maior da Mondelez no mundo, atrás dos EUA, Reino Unido e França, estes dois últimos pelo consumo de chocolate que é muito grande. Temos atuação destacada em categorias de chocolate, biscoitos, onde ocupamos o segundo lugar; depois em chicles e balas, onde somos de longe os primeiros, com Trident e Halls. Em bebidas em pó também conquistamos o primeiro lugar, com 56% de participação, além de Philadelfia e Royal, também marcas líderes em seus segmentos.

DR – Quais os próximos passos para manter o crescimento?
Gazola
– O plano prevê uma reestruturação em termos de unidade de negócio voltada para gestão das categorias e fábricas, desde pesquisa e desenvolvimento (P&D), fabricação, marketing, de categorias, gestão financeira, supply chain e as subsidiárias voltadas para execução – para o entendimento do consumidor, do shopper, da gestão dos canais e dos clientes. Resumiria isso dessa forma: a inovação vem do modelo de categorias, a execução é responsabilidade da subsidiária, através do entendimento do consumidor e adaptação da campanha ou da realidade, do lançamento de uma determinada marca. Veja o exemplo de Oreo. Temos o produto produzido no Brasil, com embalagens feitas e adaptadas ao país, que não é aquela que se vê nos Estados Unidos. Temos por exemplo uma embalagem grande para atendimento aos supermercados, hipermercados e até atacados cash and carry. Temos embalagens mais compactas para diversos ambientes, inclusive para lojas de conveniência. Dispomos ainda de modelos voltados para checkout, mas todos conforme e com desenvolvimento e autonomia do Brasil, além de adaptação de mídia global para a realidade local e o uso de talentos nacionais. Tudo isso são ajustes que fazem a empresa ter flexibilidade para atender a realidade de uma economia como a do Brasil.

DR – Qual é o alcance hoje da distribuição da Mondelez?
Gazola
– Quando falo de execução, a empresa hoje com essas categorias nas quais ela atua é uma das poucas no Brasil que consegue realmente atingir todo tipo de ambiente de loja. Dividimos a nossa realidade de ambiente de lojas em 14 formatos, que incluem bar, padaria, banca de jornal, loja especializada em chocolate, loja de doce, loja tradicional, 1 a 4 checkouts, até 50 checkouts, farmácia, cash and carry e por aí vai. Imagine o que exige isso de infraestrutura. Temos hoje um exército, uma penetração nesse ambiente que totaliza um milhão de pontos de venda (PDVs) de 700 mil lojas.

DR – Quais os planos para reverter a queda generalizada no varejo?
Gazola
– Nosso plano para 2015 é a evolução de um programa iniciado no Brasil dois anos atrás. É o fortalecimento de dois pilares: loja perfeita e o chamado hot zone. Traduzindo: é a excelência da execução no checkout. A loja perfeita é um padrão de excelência implantado nos 14 formatos de lojas. Temos uma foto muito clara do que é para ser executado em cada um desses ambientes. Com um mix muito claro e adaptado à realidade de cada PDV. Não é para ficar forçando e ter tudo em todo lugar. Isto não é correto para o nosso consumidor. Tudo isso depende de estudos que fazemos. A vantagem é que temos esse know-how e portfólio. Então, esse pilar se refere a ambiente de loja. Já o outro pilar é de checkouts. Nosso portfólio permite que nossas vendas representem mais de 50% da venda em média dos checkouts do Brasil. A força de execução de checkouts é fundamental. É um exército para executar a loja perfeita e o programa de hot zone de checkouts nesses 14 ambientes pelo Brasil. Quanto à evolução em termos de execução do programa, já estamos no terceiro ano. Isto foi feito na realidade dentro de um planejamento de longo prazo. Originalmente foi montado para cinco anos e estamos renovando de 2015 a 2020.

DR – Como foi a campanha de Páscoa?
Gazola
– A Páscoa é um ente com vida própria. Ela é tratada em termos de planejamento, comunicação e execução quase como uma empresa dentro da empresa. Por causa da complexidade de se ter um portfólio – este ano com uma pequena redução, mas um total de 58 itens – em que, apesar do índice elevado de automação, a grande maioria dos produtos é embalada a mão. Temos quase 1.000 pessoas contratadas na fábrica de Curitiba (PR) para fazer isso. Ainda contratamos mais 8 mil temporários no Brasil inteiro atuando em 27 Estados para garantir durante quatro semanas a execução da campanha. Somos líderes há 18 anos e, neste ano, produzimos 26 milhões de ovos. Não temos todos os números, mas os preliminares indicam um share muito parecido com o do ano passado. Continuamos com a liderança, num ambiente desafiante. Apesar de não podermos reclamar em termos de resultado, tenho que ser honesto: neste ano não tivemos crescimento e, em volume, empatamos com o ano passado. Mas a qualidade, a velocidade da execução da campanha foi mais rápida, assim como o engajamento com os nossos grandes parceiros. Houve uma produtividade para executar mais rápido no PDV. Mas infelizmente em termos de consumo ficou muito concentrado na última semana da Páscoa. O consumidor esperou em cima da hora para poder levar o produto.

DR – Como interpreta essa queda em volume e alta em faturamento?
Gazola
– O mercado do Brasil e o global não são similares. O global teve uma retração por conta de ambientes recessivos em algumas economias, como é o caso da Europa onde temos situações em que o volume é impactado pela inflação. Também inclui-se Ásia-Pacifico e África. No Brasil, tivemos resultados positivos: o início do ano é o período em que fazemos ajustes de preços e colocamos em prática para resgatar a realidade da própria inflação. Mas o nosso negócio cresceu com saúde, no realinhamento de preços, no crescimento de volume e otimização do nosso mix. Não estamos crescendo pelo foco em produtos de baixo valor agregado. Ao contrário, as inovações que estão dando mais resultado são lançamentos como Oreo, belVita e BisXtra, todos crescendo. São novidades voltadas para atender toda a sociedade, mas com valor agregado mais alto. Em média são produtos com faixa de preço um pouco mais alta, mas o consumidor está reagindo. Em ambiente recessivo existe a crença de que ele vai se voltar para o mais barato. Na realidade, esse consumidor vai se voltar para onde ele possa encontrar confiança, qualidade e retorno de valor pela qualidade do produto.

DR – A Mondelez vai introduzir os chocolates da Cadbury?
Gazola
– Este ano ainda não. Chocolate é a nossa maior categoria no Brasil. A prioridade de chocolates já fez, no curto prazo, começarmos a reinventar o posicionamento do Sonho de Valsa no Brasil. A última campanha que saiu no horário nobre foi, inclusive, escolhida para ir ao festival internacional de publicidade de Cannes (Sawa/Screen Advertising Worlds Agencies). A campanha “Pense menos, Ame mais” traz de volta o Sonho de Valsa como uma marca ligada à paixão, que era a realidade da Lacta 20-30 anos atrás. Ela continua, mas precisa rejuvenescer. Vamos começar em sequência, em poucos meses, a repaginar todo o nosso programa voltado para a Lacta como marca-mãe.
DR – E quais os planos para as outras categorias?
Gazola – Em biscoitos, por exemplo, em um ano e pouco já estamos com Oreo e belVita entre as marcas que mais crescem nessa categoria no Brasil. Com belVita até movimentamos o concorrente, que é a Nestlé, com Nesfit, criando o segmento de consumo de biscoitos à base de cereais no café da manhã. Também é um tremendo êxito no Brasil o nosso negócio de bebidas em pó. Dois anos em sequência, com verão quente, têm propiciado um crescimento forte no consumo de sucos prontos e refrescos em pó, onde temos participado de longe com a maior fatia com a marca Tang. Em termos de awareness e penetração ela tem praticamente tanto quanto Lacta. Fizemos este ano o lançamento do Tang Nutri e vamos abrir a Tangueria, uma modalidade nova de comunicação para consumo do Tang com leite.

DR – Qual a expectativa para 2015?
Gazola
– Trata-se de um ano difícil e desafios não faltam. Falo internamente para a nossa organização: temos que aproveitar em cada crise as oportunidades. Nos últimos 25 anos, rodando o mundo e acumulando experiências, é este tipo de mentalidade a ser implementada numa organização jovem como a que temos no Brasil. Vamos continuar mantendo uma taxa de crescimento forte. •

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