Boa safra

Setor de processamento de cacau prevê maior alta na produção dos últimos três anos
Plantação de cacau: safra brasileira deve chegar a 170 mil toneladas.

Mesmo sinalizando recuperação lenta, a demanda nacional de chocolate induz as processadoras de cacau instaladas no país a esperar para 2017 um resultado mais animado que do último triênio. Para a Associação das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), a expectativa é de processar 230 mil toneladas de grãos. Se confirmada, a previsão representará um avanço de 6% em relação ao ano passado e o melhor resultado desde 2013, sublinha Eduardo Bastos, presidente da AIPC. No ano passado, observa ele, os processadores de cacau tiveram o pior desempenho em sete anos, justamente por conta do baixo consumo no mercado doméstico. Nos últimos tempos, as processadoras só não tiveram desempenho pior porque conseguiram exportar para países do Mercosul e para os Estados Unidos. “Esses embarques, no entanto, se restringem a apenas 1% da produção, indicando que não é o mercado externo o responsável pelo crescimento, mas sim a retomada nas vendas internas”, frisa Bastos. Na entrevista a seguir, o dirigente analisa a produção nacional de cacau e as perspectivas de recuperação do setor.

Bastos, da AIPC: melhor resultado desde 2013.

DR – Qual é a estimativa para a atual safra de cacau?
Bastos – As companhias esperam receber neste ano 170 mil toneladas (t) de cacau colhidas no país, cerca de 18 mil t a mais que o volume do ano passado. A expectativa no início do ano era ainda mais positiva, de 180 mil toneladas a serem recebidas, mas a quebra da safra temporã na Bahia fez a associação revisar para baixo esse cálculo. Apesar das chuvas terem retornado à região produtora no estado, as lavouras ainda sentiram os efeitos da seca prolongada do ano passado.

DR – Embora a indústria processadora estime melhoras para 2017, por que as estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) preocupam o setor?
Bastos – A associação vem reforçando a importância de se fortalecerem os mecanismos que ajudem o país a retomar o crescimento da produção e de moagem de cacau no Brasil. Com uma expectativa de melhora do mercado em 2017, a estimativa é de que a moagem realmente chegue a 230 mil t, cerca de 13 mil t a mais. Apesar da visão otimista para o cenário, a realidade da produção de cacau ainda está distante dos números informados recentemente pelo IBGE, que prevê alta de 10% da produção da amêndoa este ano.

DR – Qual o motivo dessa discrepância?
Bastos – Não é de agora que observamos a divergência entre a estimativa de safra do IBGE em relação à efetiva produção interna de cacau, comparando-se com a realidade do que é recebido pelas indústrias brasileiras representadas pela AIPC. A produção nacional da amêndoa deve ser de 235,550 mil t, mais de 20 mil t acima das 214,065 mil t alcançadas em 2016, com o Pará e o Espírito Santo como os principais responsáveis pelo crescimento brasileiro neste ciclo. Esse dado, no entanto, diverge muito do que de fato a indústria vem recebendo. Em 2016, o total de recebimentos de cacau nacional foi de 152,4 mil t, muito distante da safra estimada pelo IBGE de 214.065 mil t.

DR – Existe a suspeita de que a inconsistência nos números divulgados pelo governo para 2017 seja ainda maior?
Bastos – Com os efeitos da crise hídrica ainda presentes, afetando principalmente a Bahia, o total de recebimentos pelas associadas da AIPC encerrou o primeiro semestre com somente 60 mil t, volume muito distante da previsão de 236 mil t do IBGE. Ou seja, com muita sorte, neste ano, chegaremos a 170 mil t.

DR – Como corrigir esse descompasso?
Bastos – As projeções de safra com variações longe de aceitáveis têm sido recorrentes em termos estatísticos. O que se efetiva de produção e as entregas permanecem aquém da realidade, fato que se observa há décadas. O setor avalia que é preciso encontrar os pontos que desencadeiam as divergências estatísticas e trazer os números para a realidade. Em várias ocasiões promovemos encontros com representantes do IBGE com o objetivo de entender a metodologia aplicada para o cálculo da safra. Apesar desses esforços e da boa disposição do Instituto, ainda não foi possível encontrar uma resposta.

DR – O país continua dependente de importações de cacau?
Bastos – Por conta da produção interna de cacau ainda abaixo da quantidade satisfatória para atender à demanda da indústria processadora nacional, a importação da amêndoa se mantém como medida necessária. Com uma redução de 77 mil t (34%) em relação a 2015, o Brasil, que já foi o terceiro maior produtor da fruta, atualmente ocupa a sexta colocação no ranking mundial. Os últimos anos foram marcados por acentuadas quedas na colheita nacional, em especial na Bahia, que ainda é o principal estado produtor da fruta. O grande motivo tem sido a crise hídrica que vem assolando as lavouras brasileiras. O insumo tem sido insuficiente para abastecer a indústria, cuja capacidade de moagem, atualmente, está em 275 mil t. Com o atraso da safra temporã no primeiro trimestre deste ano, a previsão para 2017 é da mesma necessidade de importação do ano anterior, quando a indústria precisou importar 57,5 mil t de cacau de Gana.

DR – Qual a perspectiva de mudança nesse cenário?
Bastos – Esperamos que, nos próximos 10 anos, o Brasil retome sua posição entre os três maiores produtores mundiais. Temos trabalhado para isso, buscando sempre, de alguma forma, apoiar a produção nacional, atuando conjuntamente com os produtores em pautas que busquem melhorias para o cultivo. As lavouras do Pará vêm crescendo a cada ano e, na Bahia, esperamos uma recuperação da safra, com a melhoria das condições climáticas este ano. Devemos ter uma safra (de 170 mil t) bem melhor que a de 2016, que foi da ordem de 150 mil t, mas ainda insuficiente para atender a demanda de moagem nacional. Entretanto, enquanto as lavouras brasileiras não retomam a produtividade suficiente para o abastecimento interno das indústrias, o setor conta com a importação do insumo que tem vindo, unicamente, de Gana, um dos maiores produtores mundiais, e espera que o governo brasileiro volte a permitir a importação do cacau também da Costa do Marfim, origem autorizada desde 2001, já que todas as medidas de segurança sanitária exigidas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) são praticadas regularmente nos processos de importação.

DR – Há atualmente alguma vantagem na importação de cacau?
Bastos – Embora a AIPC reconheça a necessidade de importação do cacau para complementar o abastecimento da indústria, a entidade salienta que esta não é a situação ideal, pois a medida eleva os custos, além de ser um processo muito mais burocrático. A importação é sempre desvantajosa, mas tem sido a única maneira de cobrir a instabilidade da produção nas últimas décadas. Sem a importação, a indústria já teria reduzido ainda mais suas atividades no país, trazendo enormes prejuízos não só ao setor, mas também aos produtores, uma vez que a presença da indústria de moagem interna é que garante a liquidez do cacau e preços, em geral, mais interessantes do que os praticados na Bolsa de Nova York. •

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