Agora menos é mais

Reduções nas fórmulas e avanço na demanda saudável colocam o Brasil entre os quatro maiores mercados globais
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As principais marcas de candies dos EUA assumiram publicamente no ano passado o compromisso de, até 2022, enquadrar 50% dos itens de maior giro em um figurino nutricional de menos de 200 calorias por porção. Elas se comprometeram ainda a estampar com destaque, nos rótulos frontais, informações sobre o teor calórico dos produtos em até 90% dos itens dos portfólios. No Brasil, iniciativas nesse sentido vem sendo adotadas pelas indústrias que aderiram ao Acordo de Cooperação Técnica que a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia) mantém com o Ministério da Saúde desde 2007, para a construção de um Plano Nacional de Vida Saudável. O acordo contempla ações para a promoção da alimentação saudável, atividade física e educação nutricional, e reforça o compromisso que o setor já tem com a qualidade e com a busca constante por melhoria do perfil nutricional dos alimentos. Estão contempladas nessa parceria esforços para reduções, já em curso, de nutrientes como gorduras trans, sódio e açúcar. Em paralelo, tramita no âmbito da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) consulta pública para a definição de um modelo de rotulagem frontal que resuma as características nutricionais. “O mercado de produtos saudáveis evoluiu por uma necessidade de se reagir a descobertas de doenças como intolerância e alergia ao glúten/lactose, diabetes, hipertensão e obesidade, entre outras, com o consumidor em busca de alimentos que evitem o agravamento das condições de saúde sem perder o sabor e a qualidade”, teoriza Kédima Almeida, coordenadora de marketing da Nutrhouse, dona da marca Vitao de alimentos saudáveis. Para ela, os adeptos dessa alimentação almejam consumir os mesmos produtos, porém em versões integrais, sem glúten, sem açúcar, zero lactose etc.

Kédima, da Nutrhouse: mercado evoluiu por reação a descobertas de doenças.

Essa evolução na oferta e demanda de produtos saudáveis posiciona o Brasil na quarta colocação entre os cinco maiores (top five) mercados globais da categoria de saúde e bem-estar (health and wellness), capta a Euromonitor International. Segundo a consultoria, esse reduto engloba todos os tipos de alimentos e bebidas enquadrados em orgânicos, fortificados/funcionais, naturalmente saudáveis, better-for-you (com redução de açúcar/ gordura/sódio) e para intolerância alimentar. Estimadas em US$ 28,023 bilhões em 2017, as vendas de varejo no segmento de saúde e bem-estar no Brasil foram superadas pelos EUA (US$ 167,425 bilhões), China (US$ 107,632 bilhões) e Japão (US$ 50,689 bilhões), ficando à frente da Alemanha (US$ 27,955 bilhões).

Dados da Euromonitor mostram que o mercado saudável no país totalizou no último ano vendas de R$ 92.516,1 milhões, montante 3,28% maior que o do período anterior. O salto nos últimos cinco anos foi de 57,7% e projeta avanço para R$ 106.896,5 milhões em 2022.

Filão natureba

Virgínia, da Chocolife: no início eram “naturebas” e eram poucos.

Virgínia de Ávila Dias, engenheira de alimentose CEO da Chocolife, grife local de chocolates saudáveis, observa que, há 12 anos, quando ingressou no mercado a demanda era conduzida por um apelo mais natural do que de saudabilidade e o número de interessados em ser um “natureba” era bem reduzido. “Nesse período acompanhamos não só o crescimento da procura de opções saudáveis, mas a troca do conceito pois, antes, era importante ser natural/light e, hoje, o saudável ainda deve ser natural, mas acima de tudo nutrir, isto é, trazer na sua fórmula ingredientes que façam a diferença na saúde e na nutrição”, analisa a especialista.

Para Paulo Gonçalves, diretor presidente da Espírito Cacau, grife chocolateira oriunda de fazendas de cacau do Espírito Santo, o avanço da demanda saudável acompanha a evolução dos hábitos de consumo e o escancaramento do acesso à informação, com a Internet e as redes sociais, moldando um público cada vez mais exigente. “Cresce o número de pessoas que se interessam pelo verso do rótulo, que não olham apenas as informações da capa”, nota o executivo, concluindo que, como benefícios e malefícios mudam constantemente, o mais importante é ser natural.

Fechando o foco no segmento de confeitos, a Doce Amor, uma das desbravadoras do filão diet/light, lembra que a definição de alimento saudável, antes de saúde e bem-estar virar moda, era associada a alimentos sem sabor ou sem graça. “As linhas atuais se alinham mais ao conceito de comfort food, que propicia alimentação saudável e ao mesmo tempo prazerosa”, argumenta Elaine Camargo, diretora da indústria doceira diet. Nos últimos anos, acrescenta ela, as linhas de itens antes restritos a dietas vêm chamando a atenção pela entrega de benefícios à saúde. Dentro desse menu, ela considera as guloseimas diet as mais avançadas tecnologicamente, uma vez que os adoçantes e edulcorantes usados hoje eliminaram problemas sensoriais de retrogosto e palatabilidade. “A Doce Amor sobressai no mercado diet, pois procura se adequar às inovações na área, aliando funcionalidade ao sabor”, grifa a empresária.

Gonçalves, da Espírito Cacau: sonho de quatro gerações de cacaueiros.

Outro conceito associado a alimento saudável é o de preço salgado, em grande parte pela incorporação de insumos pouco acessíveis ou importados e de baixa demanda, inviabilizando ganhos de escala. “Mas mesmo em meio à crise econômica, os brasileiros têm aderido a produtos com restrição de ingredientes como o açúcar, a lactose e o glúten, alimentos naturais, orgânicos, veganos, em sua maioria em pequenas porções prontas para consumo, fazendo crescer as lojas especializadas e impulsionando esse setor”, percebe Daniel Negreiros, gerente comercial da Hué Alimentos, fabricante de geleias, doces em compotas, cremes de frutas e itens diet. Para ele, tudo começou com o impacto da disseminação de informações, com estudos globais mostrando a crescente incidência da obesidade, diabetes e hipertensão. Com isso, os consumidores passaram a prezar hábitos de vida mais saudáveis e, ao acessar as redes sociais, incrementaram o volume de informações, espelhando-se em exemplos de saudabilidade.

O desembarque de produtos importados diet/light e especiais que, nos primórdios da abertura da economia, subiram às prateleiras domésticas e foram precursoras da produção saudável hoje implantada no país, também ajudaram o atual cenário de crescimento. “Ainda contribuem para expandir a indústria no Brasil, pois o interesse do público por alimentos que não são fabricados no país impulsiona a inovação das marcas, que exploram novos conceitos para categoria dos alimentos saudáveis”, interpreta Eduardo Moraes, CEO da Latinex, importadora de guloseimas e snacks saudáveis, que ingressou neste ano na industrialização de alimentos com esse perfil. “A demanda saudável tem evoluído com velocidade e, a cada dia, surgem mais opções e subcategorias, com diferentes faixas de preço, para atender consumidores mais conscientes”, nota o dirigente. A busca por pequenas recompensas que driblem a rotina agitada continua sendo observada pelo público em geral, mesmo com as mudanças nos hábitos e comportamento dos consumidores, que buscam saudabilidade, observa. “Para atender a essa demanda, acabamos de anunciar uma linha de chocolates funcionais e uma linha de doces, ainda em desenvolvimento, com previsão de lançamento no próximo ano”, antecipa Moraes.

Influência exterior

Elaine, da Doce Amor: antes, diet era associado a sem graça e sem sabor.

Para Elaine Camargo, da Doce Amor, produtos importados foram influenciadores do mercado no passado, porém agora a concorrência local é muito mais relevante para as empresas, principalmente na ala saudável. Segundo a diretora, a Doce Amor buscou influências principalmente francesas, pois a França é tida como berço da confeitaria no mundo todo. O público foi se adequando aos poucos com um menu mais brasileiro, como é o caso da torta Marta Rocha Zero Açúcar, sucesso de venda da Doce Amor em todo o país. “Nossos merengues diet são derivados dos tradicionais ‘meringues’ franceses, porém demos o nosso toque a eles, principalmente nas versões de maracujá e abacaxi, sabores bem tropicais”, sublinha Elaine. A linha de produtos diet da empresa comporta tortas, sobremesas, merenguinhos e, mais recentemente, incorporou uma linha de biscoitos. “O maior volume de vendas está nas tortas, mas isso não significa que os outros produtos tenham baixa aceitação”, assinala.

No reduto de chocolates, categoria em que a Chocolife sobressai com itens de baixo teor de açúcar e maior presença de cacau, Virgínia Dias percebe que, além da sacarose ser vista como vilã, a permissão do uso de gorduras substitutas e equivalentes a manteiga de cacau acabou subtraindo parte da quantidade de “gordura boa” que o chocolate convencional trazia. “E o produto ficou cada vez mais afastado de quem quer manter uma dieta saudável”, grifa. Mas a tecnologia de ingredientes saudáveis permitiu desenvolver chocolates com sabor, levando o público a experimentar o produto.

Essa evolução foi em parte decorrente dos avanços no mercado externo, nota a executiva. Matérias-primas antes não aprovadas no Brasil foram desembarcando nos últimos anos e ainda existem inovações para chegar. “Por exemplo, há cerca de cinco anos, as proteínas vegetais de alto valor biológico chegaram no Brasil timidamente e hoje estão ganhando escala ao lado da tradicional whey protein”, assinalaVirgínia, complementando que, cada vez mais, matrizes diversas de alimentos estão sendo utilizadas para agregar proteínas como um nutriente de peso na tabela nutricional. Ela pinça ainda os grãos ancestrais, que ganharamespaço por incorporar muitos nutrientes.

Virgínia rememora que o primeiro produto da marca foi o Chocolife 50% cacau, um dos pioneiros na proposta de chocolates com alto teor de cacau, fibras, zero açúcar e lácteos, além de ser sem glúten e gordura trans. “Nosso foco era a retirada de todos os alergênicos, trazer gordura boa pura da manteiga de cacau, os antioxidantes do cacau e ainda proporcionar um percentual de fibras que é um ‘claim’ obrigatório em nossos produtos”, enfatiza a diretora. Hoje a Chocolife exibe 17 sabores de chocolates diferentes em tablete, sendo divididos em linhas com percentuais de cacau variados entre 50%, 70%, uma linha de 53% (de grande benefício com combinação de quatro fibras), 71% com superfrutas e a linha protein. “Lançamos variações em drageados, temos chocolate em pó também variando desde 100% cacau, achocolatado 45% cacau e estamos inserindo agora um chocolate cremoso em pó com 71% de cacau”, anuncia ela.

Negreiros e Helena, da Hué Alimentos: whey protein e vegan são as bolas da vez.

Frente da praticidade
Na Nutrhouse, entre os fatores que têm influenciado mais consumidores a optarem por alimentos saudáveis, Kédima Almeida inclui a praticidade. “Diante dos resultados de pesquisas, entendemos que as pessoas possuem cada vez menos tempo e buscam assim se alimentar com produtos de fácil preparo ou prontos para consumo”, resume ela. Por este motivo, ela considera que os produtos saudáveis conquistaram espaço ajudando o consumidor a se alimentar melhor sem sair de sua rotina, ofertando os mesmos itens (doces, chocolates, snacks, cookies, entre outros), porém em versões com benefícios à saúde.

Moraes, da Latinex: consumidores cada vez mais conscientes.

Jucilene Sequinel, gerente de desenvolvimento de produtos da Nutrhouse, reconhece que as importações conferiram maior conhecimento ao público. O acesso a essas novidades, no entanto, nem sempre foi facilitado. “A marca Vitao promoveu essa conexão, introduzindo, por exemplo, itens como os grãos ancentrais (quinoa, amaranto, chia) e o psylium, ingredientes hoje distribuídos em todo o Brasil”, frisa a executiva. Ela complementa que todo o portfólio da marca agora é voltado para o filão de itens naturais, saudáveis, menos processados, enquadrados na subcategoria de produtos free-from ou “livres de”.“Os desenvolvimentos são feitos com base em tendências e pesquisas e, sempre que surge uma ideia, buscamos a disponibilidade da matéria-prima para viabilizar o lançamento”, informa Jucilene.

A Vitao tem como carros-chefe linhas de leite condensado, chocolate zero açúcar, cookies e granolas. Também oferece uma linha sem glúten, com itens como mix para pães, bolos e farinhas (todos sem glúten e zero lactose).

Sonho do cacau
Daniel Negreiros, da Hué Alimentos, nota entre as tendências dentro do universo de produtos saudáveis, o avanço na demanda de itens com whey protein. “É a bola da vez no mercado de saudabilidade, a lado da dieta vegana, e de produtos sem glúten e sem lactose”, percebe o gerente. Ele lembra que há cerca de 20 anos o primeiro item do portfólio da Hué foi a linha de geleias diet, desenvolvida com base em estudos de similares e que abriu as portas para outras linhas de doces à base de frutas e leite, e mais recentemente da linha de panificação da marca.“Encontramos dificuldades devido à desinformação por parte dos consumidores, dos comerciantes e da falta de lojas e mídias especializadas”, lembra Helena Nascimento, coordenadora de qualidade da empresa. Investimentos no quadro de profissionais, em logística e mídias especializadas fizeram com que a marca se tornasse conhecida nacionalmente no filão de saudáveis.

Jucilene, da Nutrhouse: desenvolvimentos com base em tendências e pesquisas.

Atenta a tendências inseridas no guarda-chuva de saudabilidade e bem-estar e nas correntes de conveniência/praticidade e confiabilidade/qualidade, a empresa incorporou todos esses conceitos em seus produtos e processos produtivos, dos ingredientes às embalagens, frisa a executiva. Ela destaca que produtos inovadores da marca são os campeões de venda, entre os quais a linha de leite, o leite condensado diet e o caramelo de leite diet. Na recém-lançada linha de panificação, sobressaem as versões sem glúten e veganas.
Caçula entre as fabricantes de chocolate nacionais, a Espírito Cacau nasceu do ingrediente principal do chocolate, o cacau, reporta Paulo Gonçalves. “Somos de uma família de quatro gerações de produtores e oferecer um produto de qualidade, onde o cacau fosse a estrela, inclusive com indicação geográfica, era o nosso sonho”, sintetiza o dirigente, lembrando que, por vários anos, os chocolates brasileiros foram meros doces, com uma pequena adição de derivados da amêndoa.

A Espírito Cacau, insere ele, introduziu um conceito novo, até mesmo internacionalmente, de produção de chocolates com alto teor de cacau, apresentando em seu rótulo a porcentagem de massa (liquor) de cacau, que é onde se encontra os maiores benefícios desse (super)alimento, com percentual muito maior de antioxidantes, fibras e proteínas que qualquer outro chocolate produzido a partir do pó de cacau, um subproduto derivado da massa (liquor). “Com todo o trabalho que temos desde a fazenda, conseguimos produzir um chocolate que, além de saudável, é gostoso, pois para o grande público o sabor é a principal qualidade”, grifa o industrial.

A linha de tabletes 70% cacau é atualmente o carro-chefe da marca. Gonçalves informa que, desde o nascimento da Espírito Cacau, o chocolate com esse teor é o mais procurado por ser assimilado como saudável e pelo sabor diferenciado, não encontrado em outras versões com 70% de cacau disponíveis. “Mas pela evolução do paladar do público que busca saudabilidade, vemos um interesse crescente pelo chocolate com 85% de cacau”, comenta. A cada ano, prossegue o empresário, observa-se um avanço nas iniciativas em torno da saudabilidade e o público se mostra cada vez mais exigente com a qualidade da informação em torno do tema. “Pelo fato de a nossa marca satisfazer essa expectativa, a Espírito Cacau cresce anualmente e se torna a cada dia mais conhecida e valorizada pelo seu conceito, honestidade na rotulagem e sabor”, sublinha Gonçalves. Sem abrir valores, ele informa que a empresa fez grandes investimentos no último ano, que resultaram na inauguração da fábrica própria na cidade de Serra (ES), em operação desde fevereiro. “Para o próximo ano, pretendemos investir em equipamentos que possibilitem maior automatização da linha de produção, já com vistas à campanha de Páscoa”, anuncia Gonçalves. •

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